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50 Sobre a origem dos cavalos e das armas que estavam em posse de Gonçalo no

momento do flagrante, ele afirmou que “os objetos possui a muito tempo”102 e que os cavalos eram fruto de uma troca por terras que ele havia feito com seu parente Joaquim José na região de Casa Branca a mais ou menos dois meses. Ao ser perguntado se ele foi até Casa Branca para fazer esse negócio com Joaquim José, Gonçalo respondeu que não, “que Joaquim José veio a casa dele a dois meses mais ou menos” 103, e disse ainda que não possuía os títulos da troca; seu parente “não lhe passou as títulos porque concordou com o comprador (...) e que ninguém assistiu este contrato por ter sido feito entre ele interrogado e Joaquim só” 104. Nota-se, que o réu negava todas as acusações feitas contra ele, mas, ao mesmo tempo, não tinha provas que sustentassem nenhuma de suas afirmações.

Em seguida, após ter ouvido o depoimento das testemunhas, o promotor público apresentou o libelo acusatório contra os réus pedindo a condenação de Gonçalo Manoel da Silva como incurso nas penas impostas ao crime de estelionato, artigo 264 inciso 1º do código criminal, grau máximo, em vista das circunstâncias agravantes do artigo 16 incisos 8º, pelo crime ter sido cometido com premeditação, 9º, pois o réu procedeu com fraude, 16º, por ter usado nome falso para não ser reconhecido e 17º, pois os crimes foram cometidos por dois indivíduos105. O réu Vicente Cabra foi incurso nas mesmas penas, tendo como referência ao artigo 35 do código criminal, que anunciava a forma como os cúmplices de um crime deveriam ser punidos106. Os argumentos utilizados pelo promotor foram:

1º Porque em fim do ano passado de 1862 princípio do corrente ano, o réu Gonçalo Manoel da silva, furtou nos pastos # e campos desta cidade vários animais cavalares, pertencentes ao padre Manoel

102 APU. Interrogatório de Gonçalo Manoel da Silva no processo-crime de fuga de escravos, 03/03/1863,

caixa 020, p. 4.

103 APU. Interrogatório de Gonçalo Manoel da Silva no processo-crime de fuga de escravos, 03/03/1863,

caixa 020, p. 4.

104 APU. Interrogatório de Gonçalo Manoel da Silva no processo-crime de fuga de escravos, 03/03/1863,

caixa 020, p. 4.

105 Art. 16. São circunstâncias agravantes: 8º Dar-se no delinquente a premeditação, isto é, desígnio

formado antes da ação de ofender individuo certo, ou incerto. Haverá premeditação quando entre o desígnio e a ação decorrerem mais de vinte e quatro horas. 9º Ter o delinquente procedido com fraude. 16. Ter o delinquente, quando cometeu o crime, usado de disfarce para não ser conhecido. 17. Ter precedido ajuste entre dois ou mais indivíduos para o fim de cometer-se o crime. BRASIL. Lei de 16 de dezembro 1830. Manda executar o Código Criminal. Rio de Janeiro, 7 janeiro 1831. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 18/09/2019.

106 Art. 35. A cumplicidade será punida com as penas da tentativa; e a cumplicidade da tentativa com as

mesmas penas desta, menos a terça parte, conforme a regra estabelecida no artigo antecedente. BRASIL. Lei de 16 de dezembro 1830. Manda executar o Código Criminal. Rio de Janeiro, 7 janeiro 1831. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 18/09/2019.

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Camillo Pinto, Francisco Rodrigues de Souza, ao corpo policial desta cidade digo desta província e outros, cujos animais o mesmo réu conduziu para os lados de Campo Belo, termo do Prata e lá os alheiou, trocando # por terras, e outros # como se acha provado nos autos. 2º Porque o réu Vicente Cabra, escravo do capitão Joaquim José da Silva Prata foi cúmplice do mesmo Gonçalo nesses furtos, alheações, como também se acha provado.

3º Porque os réus cometeram o crime com premeditação sendo passado mais de 24 horas entre o # e a ação, porque furtaram os animais nos campos desta cidade, conduziram para Campo Belo e lá os alhearam.

4º Porque os delinquentes usando de disfarces para não serem conhecidos mudaram seus próprios nomes para não serem conhecidos como consta dos autos.

5º Porque o crime foi cometido com fraude.

6º Porque houve ajuste entre os réus para cometerem o crime107

Como mencionado acima, este processo está incompleto, portanto, não sabemos se os réus foram condenados ou absolvidos pelo júri de acusação. Entretanto, é interessante o fato de que embora ao longo de todo o inquérito Gonçalo tenha sido apontado como sedutor e ladrão do cativo Vicente, ele não foi pronunciado por roubo de escravos, mas apenas por furto de cavalos. A partir da leitura dos demais processos, percebeu-se que em dois casos nos quais os réus foram acusados apenas de seduzir, acoutar e roubar cativos, o júri de acusação acabou decidindo pela absolvição, mesmo tendo uma grande quantidade de provas apontando para suas culpas108. É possível, portanto, supor que quando os réus cometiam outros crimes em conjunto com os roubos e acoutamentos de escravos – como no caso de Gonçalo, que além de furtar o escravo Vicente havia roubado nove cavalos – as autoridades escolhessem julgá-los levando em consideração principalmente os delitos cometidos além dos furtos de cativos, pois assim poderia ter mais chances de haver uma condenação.

Outro aspecto que torna este processo bastante valioso à análise é o fato de haver um documento com os argumentos de defesa utilizados em favor do escravo Vicente109. Quando ele foi capturado, o promotor público solicitou lhe fosse nomeado um curador para defendê-lo no processo. O advogado escolhido foi Antonio Borges Sampaio. É interessante que Sampaio foi chamado para fazer a defesa do cativo Vicente enquanto o 107 APU. Libelo acusatório apresentado pelo promotor público contra Vicente Cabra e Gonçalo Manoel da

Silva no processo-crime de fuga de escravos, 03/03/1863, caixa 020, pp. 24-25.

108 Esses casos serão analisados mais a frente, APU. Processo-crime de Roubo de Escravo, 20/06/1854,

caixa 019, nº031; APU. Processo-crime de Tentativa de Roubo de Escravos, 22/10/1855, caixa 019, nº036.

109 Nos outros processos de roubo de escravos lidos para essa monografia os cativos não aparecem como

réus. Dessa forma, em geral, um documento desse tipo, que apresenta argumentos de defesa para os escravos, não foi encontrado nos demais casos.

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