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1 Primeiro tempo: quem faz este estudo

1.3 A TV como meio e como parceira

Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! Cântico Negro, José Régio

Proponho seguir esta história por minha primeira participação, como educador, em programa regular de educação a distância com vistas à formação de educadores: minha participação na Equipe de Especialistas do programa “Um Salto Para o Futuro”, produzido pela Fundação Roquette Pinto – TV Educativa, a partir de 1992.

Depois de cerca de dez anos atuando em programas diversos de formação de educadores, tanto em espaços de educação formal12 como informal13, fui convidado a

participar da equipe de especialistas da série produzida pela TV Educativa, Fundação Roquette Pinto “Jornal do Professor” e depois de seu sucessor, “Um Salto para o Futuro” [Trindade, 1996], como decorrência de minha participação na Série “Onda Viva – as alfabetizações na Escola”, para a qual escrevi, em co-autoria, o capítulo “A Sensação do Real” [Tornaghi, 1990] para o livro homônimo à série, “Onda Viva – as alfabetizações na Escola”, que serviria de base para a criação de produtos em outros meios.

“Um Salto para o Futuro” era um programa de formação continuada para professores em serviço e estudantes do Curso de Magistério a Distância. Utilizava, desde seu início, diversos meios para estabelecer comunicação com os cursistas14:

• programas de TV ao vivo que eram acompanhados pelos cursistas em telepostos em um processo chamado de “recepção organizada”;

• textos eram produzidos especialmente para aquele público, um para cada programa, e enviados com antecedência aos cursistas;

• os cursistas reuniam-se nos telepostos antes de cada programa para discutir o tema proposto pelo texto sob a coordenação de um orientador de aprendizagem. Nesses encontros elaboravam questões e comentários que seriam enviadas aos especialistas;

12 Escolas de formação de professores, PRODASEC/PRONASEC [Paiva, 1986][Fonseca, 1998], projetos B e C de formação de professores multiplicadores para professores do Município do Rio de Janeiro, Equipe Central da Secretaria de Municipal de Educação – Elaboração da primeira Proposta Curricular do Município do RJ para a área de Ciências Naturais, Programa Especial de Educação do Estado do Rio de Janeiro

13 Espaço Ciência Viva, BeJa-Logo Informática

14 O grupo era composto por professores de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental em atividade em redes públicas de ensino e por estudantes do último ano de cursos de magistério.

• durante a veiculação do programa, os cursistas participavam ao vivo com suas perguntas e comentários. Nas primeiras séries, esta participação era sempre por telefone ou por fax. A partir da série VII houve participação de telepostos montados em estúdios de TV onde estavam presentes outros professores ou especialistas no tópico daquele programa para debater com os especialistas na TVE. Antes disso os cursistas foram estimulados a documentar em vídeo experiências que julgassem especialmente interessantes para serem veiculadas no programa;

• ao final de cada programa, os especialistas permaneciam na TV por algum tempo (no mínimo 1 hora) respondendo a questões da audiência (não só de cursistas do sistema de recepção organizada) por telefone e fax. Algumas destas questões geraram intervenções em programas subseqüentes.

Minha participação no programa “Um Salto para o Futuro”, que carinhosamente chamávamos de “Salto”, resultou na superação dos preconceitos que trazia com relação à EaD. Não acreditava, até então, que em modalidade a distância fosse possível realizar formação docente de qualidade. O Salto, com sua estrutura de interação utilizando, junto aos programas de TV, alguns outros recursos disponíveis à época (telefone, material impresso e fax) viabilizava trocas além das que eu imaginava possíveis tanto entre professores e alunos como entre os alunos.

O Salto e seus resultados para escolas e professores são avaliados de forma variada por pesquisadores que o estudaram. Trindade [1996] afirma que, até 1996, a estrutura de avaliação do programa abre mão de avaliar seu impacto tanto sobre a prática docente dos envolvidos quanto sobre mudanças na escola e no aprendizado de seus alunos. Já Castro [2001], anos depois, avaliando o papel do Salto junto a professores no Estado do Rio Grande do Norte, constata o seguinte (grifos meus):

“No que se refere ao referencial téorico-metodológico, verifica-se .... a fragilidade

da instrumentalização do professor para aplicar essa teoria em sala de aula. (...)

entretanto as informações veiculadas serviram para despertar nos professores o

desejo de mudar posturas tradicionais, de aprofundar seus conhecimentos e de refletir sobre novas alternativas para o encaminhamento de sua prática.”

Vê-se que, apesar de ressaltar a “fragilidade da instrumentalização do professor”, a pesquisadora detecta “o desejo de mudar posturas” e “aprofundar conhecimentos”. Suas conclusões se alinham com a percepção que tínhamos à época advinda do volume e da qualidade das questões e trabalhos realizados pelos cursistas que nos chegavam de forma bastante regular.

Incorporei do Salto, entre outras, as seguintes percepções e concepções acerca da EaD:

• a clareza de que EaD pode ser um processo que envolve ativamente educadores e educandos e os mobiliza para implementar mudanças em sua prática;

• que a integração de muitos meios pode contribuir para ampliar significativamente a troca entre os participantes;

• que é possível comunicar e trocar, em ambientes de EaD, em torno de valores e de concepções didáticas e pedagógicas;

• que a presença de comunicação em muitas direções possibilita mas não realiza a comunicação entre pares.

Cheguei ao Salto cantando como José Régio em seu Canto Negro, “sei que não vou por aí”. Ao fim e ao cabo, fui por ali, aprendi e gostei do que vi.

O Salto trazia muitas possibilidades, mas estava, também, impregnado por uma concepção autoritária, contrária à formação de professores autônomos que propugnávamos. No papel de autores dos textos, participando dos programas ao vivo respondendo às questões que vinham do campo, estavam alguns “doutos portadores do saber”, especiais até no título de sua função – especialistas – que traziam saber “oficial” e “verdadeiro” para ser distribuído a quem dele necessitava. Havia pouco espaço para produção coletiva e cooperativa de conhecimento e para contribuição dos conhecimentos aportados pelos cursistas.

O Salto era um programa em EaD que ainda não contemplava a construção de conhecimento em colaboração, conhecimento que fosse novo para todos acerca de novas formas de comunicar saberes e valores, de ensinar e de aprender.

Coisas assim já fazíamos em outros programas de formação docente em modalidade presencial de que participava tanto na área das ciências naturais como no uso de computadores para educação. Mas até este momento, neste aspecto, a TV broadcast – que produz suas imagens e sons de forma centralizada, por poucos, e os envia para muitos – apresentava-se mais como antagonista do que como parceira na medida em que produzia um evidente desequilíbrio de possibilidades de comunicação entre os diversos atores, apesar dos esforços na concepção do “Salto” para fazê-lo interativo.