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1 Primeiro tempo: quem faz este estudo

1.4 Computadores como parceiros

O cérebro eletrônico faz tudo Faz quase tudo Faz quase tudo Mas ele é mudo O cérebro eletrônico comanda Manda e desmanda Ele é quem manda Mas ele não anda Só eu posso pensar Se Deus existe Só eu Só eu posso chorar Quando estou triste Cérebro Eletrônico, Gilberto Gil

Apresenta-se aqui mais uma linha no recorte de nossa história: o uso de tecnologia computacional em educação.

Encontramos na linguagem Logo e na proposta de educação que trazia consigo, parceiros para superar alguns dos limites do trabalho que realizávamos com alunos de ensino fundamental e médio. Uma possibilidade nos era especialmente cara: a chance de criar espaços focados mais na aprendizagem do que no ensino. Buscávamos forjar uma prática pedagógica em que a direção da ação fosse determinada não pelo que o professor deveria (ou decidia que deveria) ensinar mas pelo que o aluno necessitava ou desejava aprender. A prática do ensinar passava a ser determinada por uma negociação entre aluno e professor em torno de um projeto decidido e desenvolvido pelo aluno.

Microcomputadores apresentavam resposta imediata aos comandos dos estudantes; quando rodando o Logo, desafiavam os estudantes a pensar e a criar soluções para problemas formais. Este par de entes sociotécnicos♪ foram parceiros de

valor na construção da proposta pedagógica que passamos a desenvolver, implementar e divulgar. Este projeto, brevemente descrito em [Tornaghi, 1992], tinha entre seus pressupostos o envolvimento dos alunos baseado em seu desejo de desenvolver produtos que eram escolhidos e planejados por eles com seus pares.

Seymour Papert, conhecido como criador da linguagem Logo15 afirma em [Papert,

1980] que Logo não é uma linguagem de programação, mas uma filosofia de educação suportada por uma família de linguagens, as diversas versões e derivações do Logo (Micromundos, Apple-Logo, Krell-Logo, PC-Logo, Super-logo, Logo Writer, BeJa- Logo etc).

O Logo abria várias novas possibilidades para o fazer educativo entre elas uma insuspeita – para quem pensa computadores como máquinas frias e inumanas – variável afetiva que contribuía de forma ímpar para a constituição de auto-confiança intelectual e ampliação da auto-estima. O Logo coloca o aprendiz na posição de professor do computador, faz daquele o senhor que ensina “à poderosa e moderna máquina de pensar”. Cabe lembrar que pouco tempo antes os computadores eram chamados de “cérebros eletrônicos”, sua imagem popular era a da “inteligentíssima e habilíssima máquina de pensar”, obra “tecnológica maior do gênio humano” apregoada como capaz de fazer cálculos milhares de vezes mais rapidamente do os seres humanos.

O paradigma de interação presente no Logo coloca o usuário na posição de ser que ensina o computador a fazer as coisas que deseja: fazer um programa em Logo é ensinar-lhe um novo termo, ampliar seu vocabulário. O usuário do Logo ensina o que já fora chamado de “cérebro eletrônico” a fazer coisas: poderosos seres que eram estes estudantes!

Como diz Valente [1985, pág. 9], no prefácio à edição brasileira de [Papert, 1985 grifos do autor], “o aprendizado acontece através do processo de a criança inteligente 'ensinar' o computador burro, ao invés de o computador inteligente ensinar a criança burra.” Uma saudável inversão de valores para o imaginário dos educadores.

Há aí um conhecimento explícita e indubitavelmente criado pelo aprendiz, ainda que com contribuição ou em parceria com muitos outros, entre eles os criadores dos programas que usam, o computador16 e quem quer ou o que quer que lhe tenha proposto

o problema. Cada programa é uma criação própria (mas não exclusiva) do aprendiz, 15 Certamente mais adequado será chamá-lo um dos criadores, considerando explicitamente a imensa rede de colaboradores que construíram o artefato Logo. Nas palavras de Piaget, [Piaget, 1990], seu mestre e parceiro, “A grande lição que o estudo da gênese ou das gêneses comporta está [...] em mostrar que jamais existem começos absolutos.”

16 Computadores e programas são artefatos sociotécnicos♪, criados por entidades heterogêneas em rede,

representação sua, pessoal e particular, da relação formal de que o aluno se assenhora. Esta representação é criada pelo aprendiz com os artefatos♪ (computador + Logo)

quando se defronta com problemas próprios, únicos, criados e apresentados pelos artefatos♪ e por seu desejo de produzir algo a que se propôs.

Outro aspecto interessante e novo trazido pelo Logo está na possibilidade que oferece aos seus usuários de análise de seu próprio processo de produção intelectual e de aprendizado. Um programa escrito em Logo – como em qualquer outra linguagem de programação – é uma imagem de como seu autor pensou, planejou e estruturou a solução de um dado problema. Com o Logo, ao contrário da maior parte das outras linguagens, esta representação é facilmente compreensível por quase qualquer pessoa que conheça a linguagem.

A leitura de um programa escrito em Logo, se bem estruturado e organizado17 é

simples e de fácil compreensão por quem quer que conheça os comandos primitivos da linguagem. Isso permite ao aprendiz, ao ler seus programas e seguir os processos18,

retomar o raciocínio que fez, entender o que esperava de cada linha de comando que incluiu, verificar que passos ou ordens deixou de incluir e reestruturar sua solução19. O

aprendiz atua como epistemólogo de seu próprio saber. Papert [1980, pág 35] assim se refere a esta possibilidade:

“... ao ensinar o computador a “pensar”, a criança programa o computador. E ao ensinar ao computador a “pensar”, a criança embarca numa exploração sobre a maneira como ela própria pensa. Pensar sobre modos de pensar faz a criança tornar- se um epistemólogo, uma experiência que poucos adultos tiveram.”

Computadores com Logo20 criavam algumas possibilidades interessantes que

contribuíam para fazer da escola ou qualquer que fosse o espaço educacional, um espaço de produção intelectual e de reflexão tanto sobre o que se produzia como sobre o processo em si de produção. Estes aspectos pareciam ser arautos de uma nova escola 17 Uma das tarefas mais ricas para quem trabalha com logo é aprender a organizar seus procedimentos de forma a que sejam compreensíveis e passíveis de correção e mudança com pouco esforço de re-leitura e decifração

18 Quando faz o que se chama em jargão de programadores, fazer um chinês.

19 Permite também, quando mal estruturado, que os alunos percebam a dificuldade de refazer o processo de pensamento induzindo à organização e estruturação do código.

20 Nesta época computadores isolados, de 8 bits, rodando exclusivamente a linguagem Logo, podendo, por vezes, interagir de forma impressionantemente ágil, veloz e consistente sempre que os computadores utilizavam exatamente a mesma tecnologia: gravava-se disquete num computador e, com sorte, lia-se em outro. Mas, às vezes, os drives estavam desalinhados e....

que acolhia mais os saberes pertinentes ao contexto e aos interesses de seus freqüentadores.

A revolução na educação que nos parecia possível e desejávamos não se realizou; mas a realidade ultrapassou o sonho, e muito...

O sonho era ingênuo, com certeza, fácil dizê-lo hoje. O Logo não ocupou o espaço que imaginávamos que seria seu, não se firmou como parceiro que permitia a professores e alunos uma experiência de epistemólogos, de reflexão sobre o processo de produzir soluções. O Logo ficou conhecido como o “programa da tartaruguinha” que desenhava quadrados. A porta da escola estava sendo fechada para o Logo. Era esforço demais para desenhar quadrados: programas de desenho, simples, que surgiram com o Windows o faziam com muito menos esforço.

Por outro lado, surgiam outras possibilidades que sequer vislumbrávamos: hipertextos, multimídia, computadores em rede trariam para a escola, em poucos anos, possibilidades de representação e de pesquisa que nem de longe imaginávamos como impactaria o fazer escolar, o ato de ensinar e as formas de aprender.