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Mulec: seguindo educadores sociedade afora e programadores escola adentro

1 Primeiro tempo: quem faz este estudo

1.6 Mulec: seguindo educadores sociedade afora e programadores escola adentro

percorridos para transformá-lo de ficção em fato, para ampliar a rede na qual este trabalho vai-se incluindo como artefato sociotécnico e exemplificar como escola e tecnologia constituem-se mutuamente.

O MULEC – MULti Editor Cooperativo para Aprendizagem foi um dos resultados do programa de mestrado de que participei. Acompanhar suas transformações desde algum ponto que se possa chamar de início de sua concepção até sua realização com fato social pode ilustrar alguns caminhos pelos quais escola e tecnologia se conformam mutuamente.

O programa de computador Mulec foi imaginado, quando ainda ficção – e assim concebido em sua primeira conformação apenas textual – para ser um exemplo de como a tecnologia computacional utilizando redes poderia dar suporte a projetos de educação

de cunho construtivista♪ alinhados com a perspectiva de aprendizagem cooperativa. O

foco da dissertação não era o desenvolvimento do programa em si, o MULEC, mas relacionar alguns requisitos e características que deveriam estar presentes em programas de computador quando concebidos para uso em educação23 na perspectiva supracitada.

Assim que foi tornado público, quando da defesa da dissertação, o Mulec produziu traduções/translações de interesses e arregimentou aliados dentro da Universidade: pesquisadores da Coppe e do Núcleo de Computação Eletrônica – NCE que vinham atuando na interface entre tecnologia e educação. O desenvolvimento do programa Mulec foi possível com o envolvimento destes novos aliados; o Mulec passava por uma tradução/translação com a possibilidade de ser re-conformando de texto, uma inscrição♪,

em programa de computador.

O Mulec tornou-se o trabalho de fim de curso de três alunas24 do curso de

Informática. O programa desenvolvido implementou cinco das dezessete atividades propostas na tese e todas as cinco funcionalidades25.

A escola em que trabalhava permitiu-me experimentar o programa e verificar se o que preconizava na tese de fato ocorreria. Ofereceram-me trabalhar junto com as professoras de Português da sexta série do ensino fundamental nas aulas dedicadas à produção de textos (antigamente chamadas de aulas de redação).

O programa apresentou defeitos, claro, que necessitavam de solução urgente e imediata. Freqüentemente os corrigia de um dia para o outro desvendando a “macarronada de código” que não havia sido escrita por mim e, como costuma acontecer em produtos que resultam de trabalhos escolares, estava documentado de forma superficial. Assim o artefato heterogêneo que integra Mulec e escola obrigava- me, professor que era, a aprender o que não conhecia nem era, em princípio, 23 Genericamente chamados de software educacional.

24 As alunas eram Fernanda A. Baião, Rose M. W. Heckshr, Sandra M. Lino. A Dra. Fernanda Baião é hoje Pesquisadora da UNIRIO. O programa foi apresentado na Feira de Software Educacional do VI Simpósio Brasileiro de Informática na Educação - SBIE da Sociedade Brasileira de Computação – SBC, em Florianópolis, SC em 1995. A apresentação consta dos anais do simpósio.

25 O programa é estruturado em atividades e funcionalidades. As atividades são as interfaces que o programa oferece aos grupos de alunos para convidá-los a produzir em cooperação ou a jogar. As funcionalidades são estruturas de apoio ao usuário quer para usar o programa (funcionalidade de registro de novos usuários) quer para dar suporte à cooperação (correio eletrônico interno e dicionário de sinônimos). A maior parte das funcionalidades propostas foi concebida de forma a poderem ser, também, exploradas como elementos de apoio a atividades em de aprendizagem.

competência que se esperasse de um professor: programação em Visual Basic. O artefato conforma o professor, tecnologia faz escola.

Duas ocorrências sinalizaram que o programa e a proposta com que foi encaminhado traziam novidades interessantes para o espaço escolar. O primeiro, protagonizado por alguns alunos e alunas das turmas que haviam usado o Mulec: ao final do bimestre, o último do ano, alguns estudantes, cerca de dez por cento do total, haviam ficado em recuperação. Pois uma comissão dos que passaram de ano nos procurou solicitando a oportunidade de continuar seu trabalho com o Mulec sob o argumento de que não seria justo que exatamente os que não haviam cumprido o esperado é que estariam sendo premiados com esta chance e não eles. Gol! Alunos desejando continuar a estudar nas férias, solicitando a chance de trabalhar por mais tempo?!? Gol! Não era estudar o que desejavam, era continuar a produzir o que era seu. A escola precisou rever alguns critérios para permitir que os alunos aprovados freqüentassem os laboratórios mais alguns dias de vez que toda estrutura da escola estava voltada para atender apenas aos alunos em recuperação. O objeto sociotécnico Mulec começava a produzir mudanças na escola, começava a construir novas relações na escola, começava a ter seu papel na construção da escola: tecnologia que faz escola.

A tecnologia muda a escola. E a escola faz tecnologia. O Mulec foi inteiramente concebido buscando enfrentar dificuldades típicas do espaço escolar, buscando contribuir para criar ambientes em que a produção em cooperação fosse mais do que estimulada, realizada. Um dos requisitos a que atende é fomentar a troca e a integração entre os alunos e faz o registro deste processo. Cada contribuição, de cada aluno é registrada como tal, com data, hora e grupo que integrava e pode vir a ser analisada e avaliada tanto pelos professores como pelos próprios alunos. Em nenhum processo comum da escola de então conseguia-se ter registro com tal detalhe da produção de cada participante e da interação entre eles. Tecnologia criada para fazer o que na escola seria útil e não estava presente. A escola faz tecnologia.

A segunda ocorrência, deu-se na estrutura curricular da disciplina: atividades com o Mulec passaram a integrar o programa de Língua Portuguesa da sexta série e um dos focos do trabalho passava a ser o exercício da cooperação para a produção intelectual. O foco do trabalho naquela série deixava de ser unicamente a qualidade do texto

produzido pelos alunos e foi incluído, como um dos problemas a serem tratados, o exercício da produção em cooperação com a criação das regras que constituem os grupos e a discussão de formas e exigências da vida produtiva em coletivo. Tecnologia faz escola.

Mas o Mulec continuava a ser um programa amador, desenvolvido como trabalho escolar com todos os limites que um produto assim costuma apresentar: instável, interface criada aproveitando apenas recursos disponíveis na linguagem de programação que fora utilizada e sem foco em sua comunicação com o usuário, alguns recursos implementados pela metade, não permitia imprimir a produção nem exportá-la para qualquer outro formato. Para ver a produção realizada no Mulec só tendo o programa instalado e acesso ao banco de dados com toda a produção da turma. Mudanças e acréscimos foram sendo realizados na medida em que surgiam demanda dos professores ou sugestões dos alunos, mas apenas as que eram essenciais para o trabalho que estava sendo realizado ou cuja implementação fosse muito simples.

O programa que utilizávamos fora escrito como trabalho final de um curso de graduação e tinha suporte de manutenção de um programador amador. Só funcionava contando com atenção e interferência constantes de suporte.

Neste pé estava o Mulec quando uma demanda da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro – SME/RJ, interessada em utilizá-lo em suas escolas, transforma o Mulec de programa amador, brinquedo exclusivo e quase particular, em fato. O Mulec teve sua rede ampliada, foi tornado um programa estável, com desenvolvedores, suporte e estrutura comercial profissional e hoje está presente em muitas escolas tanto públicas como privadas. A escola faz tecnologia; a escola cria tecnologia, empresa, negócios...