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Como os livros didáticos apresentam as migrações?

4.1 G EOGRAFIA E S OCIEDADE

4.1.3 Como os livros didáticos apresentam as migrações?

As coleções didáticas estudadas apresentam descrições e análises sobre movimentos migratórios em diversas unidades e capítulos. Em um número bastante numeroso deles foi possível identificar abordagens que dialogavam com o conceito de classes sociais.

A leitura clássica sobre migrações envolve o reconhecimento de fatores repulsivos nos lugares de origem dos fluxos migratórios e de fatores atrativos em seus destinos. Entre esses fatores, podem aparecer elementos relacionados à

102 questão da renda. É o caso da coleção Projeto Eco (v. 2, p. 141), na qual se encontra a seguinte leitura:

Os fatores de expulsão têm origem na fome, na desigualdade de renda, na exploração da mão de obra, no excesso populacional, na falta de moradia, no desemprego e no subemprego e na ineficiência dos sistemas agrários, em que predomina uma agricultura de subsistência. Além desses fatores, podem ser citadas também as guerras e epidemias, responsáveis por provocar a emigração.

A coleção Geografia – Espaço e Vivência (v. 3, p. 165) também recorre a esse tipo de análise, ao comentar os fluxos migratórios de trabalhadores no contemporâneo:

destaca-se o crescente trânsito de trabalhadores, oriundos principalmente dos países subdesenvolvidos e vítimas de problemas socioeconômicos internos (pobreza, desemprego, concentração de renda, crises financeiras, etc.), decorrentes do processo de globalização, em direção às nações mais prósperas, tanto em nível regional como em nível mundial.

No terceiro volume de Geografia geral e do Brasil, os autores dão outro exemplo de abordagem de fenômenos migratórios pela questão da renda, ao discutir a emigração de brasileiros nos anos 1980. Dessa vez, porém, o texto traz também a questão da propriedade da terra para discutir a ida de brasileiros para o Paraguai:

Do início da década de 1980 até a crise mundial que se iniciou em 2008, muitos brasileiros se transferiram para os Estados Unidos, Japão e Europa (especialmente Portugal, Inglaterra, Espanha e França), entre outros destinos, em busca de melhores condições de vida, já que no Brasil os salários pagos são muitos baixos se comparados aos desses países e os índices de desemprego e subemprego costumam ser mais elevados. Há também um grande número de brasileiros estabelecidos no Paraguai, quase todos produtores rurais que para ali se dirigiram em busca de terras baratas e de uma carga tributária menor que a brasileira. Como a maioria dos emigrantes entram clandestinamente nos países a

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que se dirigem, há estimativas precárias sobre o volume total do fluxo migratório. (Geografia geral e do Brasil, v. 3, p. 143)

Um número maior de coleções assinala a relação entre fluxos migratórios e a formação de contingentes de trabalhadores para atender às demandas de atividades agrícolas ou industriais. Naturalmente, a migração forçada de africanos escravizados ao Brasil é lembrada:

Além do processo colonizador português, o primeiro movimento migratório no Brasil teve início por volta da segunda metade do século XVI com a entrada de africanos escravizados trazidos em grandes levas do golfo da Guiné (região onde hoje está a Nigéria) e, posteriormente, de Angola e Moçambique. O tráfico durou cerca de três séculos, até sua proibição, em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós. (Ser Protagonista, v. 2, p. 184)

Também é citada a migração de colonos com vistas à substituição dos escravos, no final do século XIX:

O principal elemento de atração de imigrantes para o Sudeste foi o trabalho na lavoura cafeeira, em que substituíram a mão de obra escrava, proibida no país a partir de 1888. No Sul, eles promoveram a efetiva ocupação das terras e asseguraram a posse do território nacional. Nessa região, os imigrantes instalaram-se em pequenas propriedades rurais de áreas interioranas ainda não desbravadas. (Geografia – Espaço e Vivência, v. 2, p. 23)

A obra Geografia para o ensino médio (v. 3, p. 47) enfatiza um aspecto estrutural do processo migratório, ao dizer:

As migrações internacionais são fluxos de populações que atravessam fronteiras políticas deslocando-se de sua nação de origem para fixar residência, legal ou ilegalmente, em países estrangeiros. As mais constantes migrações internacionais da atualidade têm causas econômicas: são transferências geográficas de força de trabalho de uma economia para outra. Há, porém, importantes fluxos internacionais de refugiados, ou seja, pessoas que deixam países assolados por guerras civis, conflitos étnicos e perseguições políticas.

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Nos fluxos motivados por razões econômicas, o ponto de origem do movimento migratório corresponde a uma economia incapaz de absorver a força de trabalho e de garantir padrões aceitáveis de remuneração. O ponto de chegada do movimento migratório corresponde a uma economia que apresenta demanda de força de trabalho. A imigração satisfaz essa demanda.

Por fim, algumas coleções apresentam os fluxos migratórios como fenômenos políticos. São textos que relacionam os deslocamentos humanos aos interesses e ações de classes sociais dominantes. Algumas coleções lembram esse fato ainda ao comentar as migrações para o Brasil durante a segunda metade do século XIX:

A razão principal para incentivar a vinda de imigrantes para o Brasil, uma iniciativa do Estado e de particulares (notadamente fazendeiros), foi a necessidade de conseguir mão de obra para a lavoura cafeeira. Quando o tráfico de escravos cessou, a partir de 1850, a imigração intensificou- se. Antes disso, ela já ocorria, mas em pequeno número. Pode-se afirmar que começou mesmo em 1808, com a vinda da família real e a abertura dos portos às nações amigas. (Geografia: o mundo em transição, v. 3, p. 141)

A elite dirigente do Império do Brasil tinha o programa de criação de uma “civilização europeia nos trópicos”. Na hora da Abolição, os negros representavam 13% da população brasileira, e os mestiços 40%. Sob o influxo das teorias racistas da época, as elites brasileiras almejavam o “branqueamento” do país – e essa meta representou uma das motivações para o estímulo à imigração europeia. (Geografia para o ensino médio, v. 2, p. 16)

Também se menciona, no terceiro volume da obra Território e sociedade, a existência de partidos políticos que se organizam em torno da temática da imigração. Novamente, a questão ganha contornos políticos, excedendo os limites da leitura clássica dos processos migratórios:

Em quase todos os países desenvolvidos, são encontrados grupos políticos de extrema direita contrários à entrada de imigrantes. Esses grupos, dependendo do país, contam com o apoio de parcela significativa da população e, em muitos casos, chegam a propor o

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repatriamento de imigrantes, inclusive daqueles que tiveram sua situação regularizada. (Território e sociedade, v. 3, p. 189)