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4 O CASO DE EXTREMA – MG

4.2 PROJETO CONSERVADOR DAS ÁGUAS

4.2.2 Como surgiu o Programa “Conservador das Águas”

A Prefeitura de Extrema sempre manteve preocupações voltadas as questões ambientais. No período entre 1996 a 1998, o município participou do Projeto de Execução Descentralizada (PED), componente do Programa Nacional de Meio Ambiente (PNMA). O PED, como o próprio nome sugere, representa uma estratégia adotada pelo Governo Federal em transferir a gestão das ações de desenvolvimento para outras esferas de governo e ao mesmo tempo capacitar prefeituras e comunidades no processo de execução de políticas ambientais, com o intuito de racionalizar gastos públicos e promover o desenvolvimento local sustentável. Dando continuidade a esse projeto, em 1999 nasceu o projeto “Água é Vida” visando o manejo de bacias hidrográficas da região. Entretanto, durante o desenvolvimento desse programa, percebeu-se a carência de dados sobre vários aspectos ambientais como a fauna, flora, qualidade das águas, enfim, o município não podia executar qualquer plano de manejo de bacias, pois não havia ainda um diagnóstico ambiental. Foi então que em 2001, foi realizado um estudo completo, por meio de uma consultoria contratada pela Prefeitura com imagens georreferenciadas sobre a cobertura vegetal, perfil do solo, levantamento hidrográfico etc, com o intuito de elaborar ações direcionadas à proteção do meio ambiente, em especial dos recursos hídricos.

Esse estudo abrangeu todas as propriedades rurais e empreendimentos de Extrema, que foram cadastradas e armazenadas em um banco de dados digital. Também foram avaliadas as situações das sete sub-bacias (Ribeirão das Posses, Córrego do Salto de Cima, Ribeirão do Juncal, Córrego das Furnas, Córrego dos Tenentes, Córrego do Matão e Córrego dos Forjos) da bacia hidrográfica do rio Jaguari. O diagnóstico socioambiental apontava como o modelo de uso do solo predominante no município, o uso da floresta como fonte de energia, a substituição da floresta pelos cultivos agrícolas e pecuária, a degradação dos solos, a perda de biodiversidade e a diminuição da renda do produtor rural.

Em 2002, durante uma reunião do Comitê PCJ, foi mencionado o Programa “Produtor de Água”, por um representante da Agência Nacional de Águas (ANA). Como o município já contava com um bom diagnóstico ambiental e tinha sérias intenções políticas em investir num plano de manejo sustentável visando à conservação de seus recursos hídricos, a parceria com o “Produtor de Água” foi naturalmente efetivada. O Projeto “Água é Vida” já estava realizando um trabalho de melhorias das estradas rurais com a construção de bacias de contenção e monitoramento dos principais cursos d’água do município. Em 2003, com o apoio de representantes do Comitê PCJ, de técnicos da ANA e da TNC, a Prefeitura de Extrema lança o Programa “Conservador das Águas”.

Apesar de baseado nos mesmos conceitos do Programa “Produtor de Água”, o projeto “Conservador das Águas” tem peculiaridades próprias, principalmente na forma de remuneração dos prestadores de serviços ambientais (DOS SANTOS, 2009). Enquanto o “Produtor de Água” remunera o proprietário pela área que comprovadamente fornece os serviços ambientais, o “Conservador das Águas” remunera pela área total da propriedade. O principal argumento que justifica essa iniciativa é que no “Conservador das Águas” o que é mais importante é a adequação ambiental da propriedade como um todo, que inclui aumento da cobertura vegetal, proteção dos mananciais, ações em saneamento ambiental e ações em conservação do solo.

Outro ponto que difere o “Conservador das Águas” em relação ao “Produtor de Água” é em relação ao cálculo do valor pago por hectare. O “Produtor de Água”, conforme visto no capítulo 3, parte da premissa que a melhoria ambiental auferida fora da propriedade pelo produtor participante é proporcional ao abatimento da erosão e, conseqüentemente da sedimentação, em função das modificações no uso e manejo do solo e dos custos de sua implantação por parte do participante. Desse modo, utiliza com base de cálculo o percentual de abatimento de erosão e de sedimentação (P.A.E.). Já o projeto “Conservador das Águas” utilizou o método “custo de oportunidade” para chegar ao valor pago por hectare.

No caso de Extrema, a atividade mais comum na área rural para os pequenos proprietários de terra é o arrendamento do pasto. Em termos gerais e de forma bem simplificada, uma cabeça de gado por hectare equivale a aproximadamente R$10,00/ha por mês62. Em um ano seria, então, R$120,00 por hectare. Entretanto, para fins legais, o valor de referência pago por hectare para o proprietário rural contratante do “Conservador das Águas” foi estipulado em 100 Unidades Fiscais de Extrema (UFEX), que na época correspondia a R$141,0063. Ou seja, o proprietário receberia um valor superior ao que o ganharia caso fosse arrendar o pasto.

O fato do projeto “Conservador de Águas” possuir um caráter inovador e a Prefeitura de Extrema demonstrar o compromisso e o interesse nesse projeto, especialmente por intermédio da equipe técnica dos gestores ambientais, favoreceu a conquista de diversos parceiros em esferas diferentes. No nível federal, o projeto contou com a parceria da Agência Nacional de Águas (ANA). Já no nível estadual recebeu o apoio do IEF-MG e no nível da bacia hidrográfica contou com o Comitê Federal do PCJ. O projeto também amealhou parcerias no setor privado (SABESP) e no setor das Organizações Não

62 Valor aproximado cobrado na época em que o programa “Conservador das Águas ” estava sendo consolidado,

2003 a 2005.

Governamentais (ONG) com o apoio das conceituadas The Nature Conservancy (TNC) e SOS Mata Atlântica, que são focadas em conservação da biodiversidade. Todos esses parceiros se comprometeram em apoiar as ações de campo deixando sob a responsabilidade da Prefeitura as despesas referentes aos pagamentos aos proprietários rurais e à condução administrativa e técnica do projeto. Os papeis de cada entidade parceira ficaram definidos da seguinte forma:

Instituição Parceira Papel no Projeto "Conservador das Águas" Prefeitura Municipal de Extrema Pagamentos por Serviços Ambientais, mapeamento das propriedades, assistência técnica e gerenciamento do

projeto Instituto Estadual de Florestas (IEF-

MG)

Financiamento dos insumos (cercas, adubos, calcário, herbicidas); apoio no processo de comando e controle e averbação das Reservas Legais das propriedades rurais SABESP Monitoramento da água e fornecimento de mudas ANA Apoio às ações de conservação do solo e monitoramento de água (instalação de uma estação de monitoramento

quali-quantitativo) TNC

Financiamento às ações de plantio, manutenção e cercamento das áreas (mão de obra e alguns insumos), monitoramento Biodiversidade e Comunidade

SOS Mata Atlântica Fornecimento de mudas

Comitê PCJ Apoio às ações de conservação do solo Quadro 7 - Papel das entidades parceiras no Projeto Conservador das Águas

Fonte: VEIGA NETO, 2008

Contudo, antes mesmo de sancionar a lei municipal que oficializaria o projeto “Conservador das Águas”, a equipe responsável pela criação do projeto foi em campo, começando pela sub-bacia das Posses64. A equipe se manteve em contato com os proprietários rurais do bairro das Posses, durante o ano de 2004 e 2005 e juntos montaram uma associação dos moradores para ajudar na estrutura organizacional da sub-bacia. As diversas reuniões com os moradores serviam para esclarecer melhor sobre o programa e buscar a adesão para a implantação das ações.

É interessante relatar o caso do primeiro proprietário rural que aceitou aderir ao programa, no dia 30 de abril de 2007. Para preservar a sua identidade, esse proprietário será tratado como “Proprietário 1”. O “Proprietário 1”, que era um dos mais antigos do local e que tinha certa influência sobre os demais proprietários, demonstrou, inicialmente, muita resistência para assinar o contrato com a prefeitura. Depois de várias conversas, permitiu apenas que a prefeitura cercasse as APPs e RL da sua propriedade, mas sem assinar algum contrato. Na verdade, o “Proprietário 1” não acreditava que os técnicos da prefeitura

conseguiriam subir até o limite de suas terras, por serem muito altas e íngremes, de difícil acesso. Porém, ao perceber que as cercas estavam sendo instaladas mesmo nos pontos mais altos, ficou insatisfeito e até um pouco revoltado. Os gestores ambientais da prefeitura marcaram uma reunião e dessa vez deixou bem claro que não estavam ali pra discutir a lei, pra punir ou impor alguma coisa. Esclareceram mais uma vez que a prefeitura queria ajudá- lo a tornar as suas terras melhores e mais aptas a fornecer os serviços ambientais e que ele ganharia pra isso. Com a experiência do primeiro mês, o “Proprietário 1” prontamente assinou aquele que seria o primeiro contrato dessa nova experiência em PSA65 e seguindo o seu exemplo vieram os outros proprietários da região.

De acordo com o gestor do projeto “Conservador das Águas” e diretor do Departamento de Serviços Urbanos e Meio Ambiente da Prefeitura de Extrema, Paulo Henrique Pereira, a estratégia escolhida para garantir a adesão dos proprietários rurais, de uma forma simplória se define em: “Do mais difícil ao mais fácil”. Primeiro coloca em prática a parte “ruim” (cercamento das áreas), depois vem a parte “boa”: o pagamento mensal. Dessa forma o projeto foi se efetivando com sucesso. Mas, para que a prefeitura pudesse passar dinheiro público como forma de pagamento para o cumprimento dos contratos de PSA foi necessária a base de todo um arcabouço legal para regulamentar os procedimentos do projeto “Conservador das Águas”.