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COMPARAÇÕES COM OUTROS JORNAIS BAIANOS: TRIBUNA DA BAHIA E CORREIO DA BAHIA

A primeira matéria do jornal Tribuna da Bahia, obtida através da coleta em relatórios do Grupo Gay da Bahia, tem como título “Homossexual foi linchado por não ter pago dívida24”. O aspecto mais interessante observado é que a vítima, “linchada com pedradas e espancado por um grupo de pessoas”, é identificada como “homossexual” porque “o agente Cafezeiro, do Serviço de Vigilância e Investigação, disse que Júlio Matos (a vítima) era ligado ao homossexualismo e que o linchamento foi em razão de ele não ter cumprido uma dívida com os assassinos”. Esse agente e a polícia são as únicas fontes citadas. Apesar do destaque dado à homossexualidade da vítima, destaca-se, na reportagem, que a razão do crime foi justamente o não pagamento de uma dívida, ou seja, nada relacionado ao fato de se tratar de um homossexual. Sendo assim, a identificação da sexualidade, no texto jornalístico, parece ser meramente ocasional.

Ainda no ano de 1999, a matéria “Homossexual é assassinado em Conquista25” relaciona, desta vez, a identificação da sexualidade da vítima como elemento de causalidade do crime. Com três pequenos parágrafos e localizada no canto inferior direito, a reportagem relata como o corpo foi encontrado, “na própria residência do servente (a vítima)”. No parágrafo final, opta-se por dar voz ao delegado que, por sua vez, conta que “é do conhecimento de todos na cidade que Antônio Gusmão era homossexual, adiantando que não é o primeiro crime na cidade contra homossexuais”. Desta forma, o enquadramento desta matéria privilegia aspectos que associam o fato ocorrido como um crime contra homossexuais, ou seja, a sexualidade da vítima é um dos fatores que motivaram o ato criminoso.

“Homossexual é morto a pauladas dentro de casa26” é o título da matéria seguinte e que também é enquadrada ressaltando aspectos que levam a crer que se tratou de mais um crime cometido contra homossexuais. Afirma-se que: 1) “crime com todas as características de passional, uma vez que o assassino não roubou objetos da residência”; 2) “foi encontrado

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Publicada em 11 de março de 1999, no jornal Tribuna da Bahia. (vide Anexo Q).

25

Publicado em 8 de abril de 1999, no jornal Tribuna da Bahia. (vide Anexo R).

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nu”; 3) “Os policiais suspeitam que ele tenha sido morto depois de manter relação homossexual”; 4) “Ele (a vítima) recebia algumas visitas de homens, principalmente no final de semana”. Todos esses aspectos, sobretudo o título da reportagem, conferem destaque à sexualidade da vítima como um dos principais elementos para se entender o crime, isto é, enquadra-se como mais um crime cometido contra homossexuais. Além disto, no final relaciona-se o caso ocorrido, com o assassinato da travesti (também noticiado no jornal A

Tarde e aqui analisado) realizado por um comerciante que, após se negar a pagar o

“programa” que tinha feito, atropelou a vítima. Ao contrário do Jornal A Tarde, que não chega sequer a citar a palavra “homossexualidade”, a matéria do Tribuna da Bahia classifica o acontecimento como “um outro assassinato ligado a homossexualismo”. É óbvio, entretanto, que a relação estabelecida nesta última expressão não determina diretamente ser um caso de violência contra homossexuais (“ligado a homossexualismo”). Apesar do uso de um termo que remete a uma patologia e à indefinição do verbo “ligar” utilizado, a matéria não abre mão de destacar pelo menos essa característica (a homossexualidade) como um dos principais elementos envolvidos. O enquadramento pode ser melhor percebido quando se verifica a comparação com a matéria “Homossexual é morto a pauladas dentro de casa”. Por isso é classificado como mais um caso vinculado à homossexualidade, ou seja, mais um homossexual é assassinado.

A última matéria analisada publicada no Tribuna da Bahia tem como título “Mais um travesti é assassinado em menos de um mês27”. De forma semelhante ao relato do jornal A

Tarde, que também veiculou a mesma notícia, o fato é enquadrado em ambos os veículos sob

o viés de ser mais um “homossexual eliminado/assassinado”. No caso da Tribuna da Bahia, porém, não é dado destaque à suspeita de ter sido um outro travesti o culpado, o que é feito na matéria do A Tarde. Nesta, finaliza-se com a fala do presidente do GGB. Na Tribuna, são dispensados dois parágrafos, com direito ao subtítulo “Grupo Gay exige providências”, nos quais são relatadas as providências tomadas pela organização. Mais uma vez é resgatado o assassinato do travesti atropelado pelo comerciante para enfatizar as mortes de homossexuais no estado, no ano de 1999. Esta retrospectiva é feita em um texto de quatro parágrafos, localizado na mesma página, no canto superior direito. Todavia, no centro da página há uma foto de dois travestis que morreram por causa da aplicação de silicone industrial, considerada pela matéria como “outra preocupação dos travestis”. É interessante verificar que os dois

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travestis estão seminus, o que pode se configurar como uma tática/estratégia para chamar a atenção do leitor. Mas, além disto, contribui para reforçar o estereótipo da travesti.

No caso do jornal Correio da Bahia, a única matéria encontrada a partir dos relatórios do GGB apresentou como título: “Travesti executado por três homens na Carlos Gomes28”. Ao contrário da foto publicada no Tribuna da Bahia (foco na nudez), o Correio optou por uma fotografia em que aparece somente o rosto da travesti para acompanhar o texto. No subtítulo, “Suspeita-se de crime de vingança de um ‘colega de profissão’, com quem a vítima mantinha rixa”, mesmo sendo suspeita, tenta-se enquadrar o fato ocorrido como “crime de vingança”, semelhante ao que foi feito no A Tarde privilegia-se a suspeita. Imediatamente abaixo, como uma espécie de subtítulo, há dois parágrafos sobre o índice de assassinatos de homossexuais no ano de 1999, com base em estatística do GGB. Estabelece-se, assim, uma relação entre o assassinato da travesti, mesmo tendo levantada e ressaltada a suspeita de “vingança”, com crimes cometidos contra homossexuais, isto é, o enquadramento dado ao fato privilegia esse aspecto. Contudo, vale a pena destacar a compreensão veiculada no texto de que travestis e prostitutas seriam exatamente a mesma coisa: “de janeiro a abril deste ano seis homossexuais foram assassinados em Salvador, sendo que, destas vítimas, três eram ‘profissionais do sexo’, ou seja, travestis”.

ENQUADRAMENTOS: O QUE GANHA DESTAQUE NA COBERTURA