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A homofobia se manifesta na sociedade de diversas formas, podendo variar desde insultos, ultrajese comentários pejorativos até agressões físicas, psicológicas e assassinatos, etc. A ausência (ou a parca existência) de referenciais homoafeitvos na literatura, música, teatro e cinema fomentam um quadro social em que não é dado sequer o direito de existência social à homossexualidade.

Todavia, admite-se que atualmente a homossexualidade goza de um status diferenciado e as formas discriminatórias fundamentadas ainda em certos preconceitos lançam mão de sutilezas para atuar. A partir da década de 1970, o cenário homossexual brasileiro apresentou uma série de modificações, muitas delas encaradas como conquistas, sobretudo para o movimento homossexual. “O estilo de vida homossexual saiu dos guetos, tornou-se visível e absorvido pela mídia de uma forma menos preconceituosa” (TAVARES, 2005, p. 49).

Na década de 80, a cultura homossexual vincula-se fortemente à explosão da dance

music. A classe média passa a se retirar dos guetos e a freqüentar espaços socialmente mais

reclusos. É neste contexto que a homossexualidade passa a ser vista com certo glamour. Atribuí-se, assim, à identidade homossexual socialmente construída, sobretudo no imaginário popular, características como o gosto apurado e refinado.

De acordo com Trevisan (2007), a propagação do vírus da Aids e sua repercussão social, apesar dos males causados, provocou inevitavelmente que a homossexualidade não só aparecesse de fato para a sociedade como também deu margem para que novos debates fossem promovidos, contribuindo, assim, para encurtar o manto de invisibilidade existente. Mesmo não sendo da melhor maneira possível (já que foi associada à doença), é impossível negar que a homossexualidade existe e que está próxima de qualquer cidadão.

De fato, graças à Aids, qualquer cidadão/ã de todas as idades, nos locais mais distantes e independentemente de sua orientação sexual, pôde se informar, de maneira inédita pelo constante impacto, o que é ser homossexual, como se pratica a

homossexualidade e, mais ainda, onde homossexuais se encontram (TREVISAN, 2007, p. 463).

Já nos anos 90, o universo gay se torna uma realidade nos grandes centros urbanos do país. O consumo se constitui como uma das principais vertentes. É neste período que se cria a sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), incorporando um segmento da sociedade que, apesar de não se considerar homossexual, não encontraria nenhum empecilho para conviver com a diferença. Para Trevisan (2007), a inclusão do “S” pode significar também uma maior propensão ao enrustimento e à invisibilidade. Assume-se como simpatizante, para não ser confundido com gays e lésbicas, podendo, assim, ter até relações homoafetivas, sem, entretanto, se considerar homossexual.

[...] é um rótulo (o “S” da sigla GLS) que possibilita à mídia mais conservadora tratar o tema homossexual com uma camuflagem de uma sigla nova que não carrega em suas costas significados que podem provocar nos conservadores associações negativas (TAVARES, 2009, p. 55).

Neste contexto, ocorrem novas e significativas mudanças. Seriados passam a ter como protagonistas personagens gays. As telenovelas incluem, gradativamente na suas tramas, casais homossexuais. Programas televisivos diversos começam a adotar elementos do universo gay. Debates sobre temas de interesse LGBTTT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis, transexuais e transgêneros) são realizados. Publicações específicas, voltados para o segmento, são produzidas. Paradas gays são temas de reportagens e seus públicos crescem exorbitantemente. Tudo isto evidencia que a homossexualidade ganhou visibilidade na sociedade sem precedentes. Contudo, o incremento da imagem homossexual não significa garantia de direitos e muito menos erradicação do sexismo, da heteronormatividade e, por conseguinte, da homofobia.

Ainda hoje pouco se vê, por exemplo, casais homossexuais trocando afetos em espaços públicos. Nos lares, a violência (verbal, psicológica e física) e exclusão continuam a fazer parte das rotinas. É como se a crescente “aceitação” e “tolerância” viesse acompanhada implicitamente de determinados limites. Isso reflete um comentário comum do preconceito disfarçado de tolerância quando se afirma que se aceita à homossexualidade desde que suas práticas, sobretudo sexuais, sejam mantidas dentro de “quatro paredes”. Desde que os homossexuais se comportem como “verdadeiros homens” e possam escamotear suas características “femininas”. Esta postura coaduna com os inúmeros personagens homossexuais de programas, filmes e telenovelas brasileiras em que o componente sexual é quase que inexistente ou cujo comportamento não fere as barreiras estipuladas pelas construções dos gêneros, com exceção para aqueles que são caricatos.

[...] provavelmente homossexuais estão mais próximos da integração à sociedade, podendo imitar seus padrões, inclusive de casamento. Mas como se trata de uma sociedade injusta por base, a liberdade conquistada é falsa: está sempre vigiada, em clima de permissividade controlada (TREVISAN, 2007, p. 470).

O documentário “Um lugar para beijar” (2008), dirigido pela jornalista Neide Duarte, demonstra como a suposta tolerância ainda possui rígidos limites. Nele, homossexuais assumidos e homens que admitem fazer sexo com outros homens da periferia de São Paulo dão depoimentos, onde revelam locais que costumam procurar para manter relações sexuais com pessoas também do sexo masculino. Lugares desertos e/ou abandonados como cemitérios e morros são exemplos de pontos de encontro para a prática sexual homoerótica. É interessante observar também que grande parte dos entrevistados evita trocar afeto em locais públicos e/ou na frente de idosos, crianças por considerar uma questão de “respeito”. Sendo assim, não o fazem para não faltar com o respeito perante aos outros, ou seja, o suposto respeito ao próximo implica em silenciar, tornar inexistente, a expressão da própria sexualidade.

Um dos entrevistados chega a afirmar que se limitou, ao longo dos seus 31 anos de vida, a ter somente duas relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, pois deve isso ao seus pais. Segundo o entrevistado, trata-se também de “respeito”. “Eu chego aqui (na boate), eu fico, mas eu estou traindo meus pais. [...] Acho que devo isso a eles”. Isto evidencia que, nestes casos, é possível ser homossexual, desde que em locais restritos. Além disto, os riscos de segurança que locais abandonados como morros e cemitérios oferecem podem ser considerados mais um agravante. São situações de clandestinidade, muitas vezes propícias a assaltos e a toda sorte de violência. Muito embora essa mesma violência possa estar também dentro dos lares. No documentário, há ainda um relato de um caso em que a vítima, um jovem homossexual, acordou à noite com o pai tentando matá-la com uma faca.

Ao final do documentário, outra fonte entrevistada, um idoso, conta que, ao conversar com seu namorado e um amigo próximo, todos homossexuais, perguntou-lhes o que fariam se descobrissem que o pai deles era homossexual. Um deles respondeu “que dava a maior surra nele” e o outro disse “eu matava ele”. Estas afirmações levam o idoso a se conformar com a atitude do próprio filho que, ao saber da homossexualidade do pai, somente “ficou bravo”. “Ele (o filho) ainda não tentou mais nada comigo” afirma o senhor de 70 anos de idade sobre o comportamento do filho.

Ao refletir sobre o panorama acerca das razões da violência, Campos3 (2004) destaca que

[...]as relações de gênero patriarcais são o epicentro da violência em geral e que há um esquema para a sua compreensão. A sustentação dessa afirmação está na análise dos processos de produção da violência que resultam de um mundo no qual o valor das pessoas é desigual. Tal desigualdade começa no universo familiar e é a violência moral aí onipresente, considerada normal e naturalizada, a argamassa que mantém o sistema hierárquico, reproduzindo-o num tempo de tão longa duração que se confunde com a história da própria espécie. A célula elementar das relações violentas, portanto, são as relações de gênero por serem o protótipo das relações hierárquicas – embora quem subjuga e quem é subjugado possam, em outras situações, também receber as marcas de raça, idade, classe social, etnia, nação ou região (CAMPOS, 2004, p. 2).

Desta forma, pode-se perceber que as construções sociais dos comportamentos e atitudes com base nos gêneros masculino e feminino acabam por estabelecer hierarquicamente posições desiguais. Determinados segmentos da sociedade introjetam uma suposta superioridade que é ratificada cotidianamente, através de expressões, discursos, ações e posicionamentos. Sendo assim,

[...] há várias expressões sociais da homofobia, desde atos violentos de agressão física e restrição de direitos sociais até a imposição da exclusão social às pessoas cujas práticas sexuais não são heterossexuais (LIONÇO e DINIZ, 2009, p. 52).

Na década de 70, o jornalista americano Allen Young, em visita ao Brasil pela segunda vez, chegou à conclusão de que no país a homossexualidade somente é tolerada quando vivida de forma clandestina, sem que dispense os papéis sexuais atribuídos a cada gênero. Viver ocultando a própria sexualidade seria reflexo dos casos de violência contra homossexuais. Allen (apud TREVISAN, 2007) destacou ainda um tipo de violência específica, mais sutil que se dava no âmbito da linguagem. Os palavrões usados se respaldam em preconceitos contras homossexuais e mulheres, sempre considerados como passivos.

Os casos de homofobia extrema costumam vir acompanhados de outras características, tais como latrocínio, roubo, o que dificulta em grande medida enxergar de que se trata de um crime motivado pelo ódio/aversão aos homossexuais. A dificuldade maior talvez seja perceber que a homofobia é, senão o elemento preponderante, o fator que incita a violência nas suas variadas formas. “Uma primeira forma de violência contra gays e lésbicas se caracteriza por um sentimento de medo, aversão e repulsa” (BORRILLO, 2009, p. 20). Os inúmeros casos de violência contra homossexuais costumam apresentar características comuns. Espancamentos,

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Análise empreendida na resenha do livro Las estructuras elementales de La violência: ensayos sobre gênero entre La antropologia, El psicoanálisis y los derechos humanos. Bernal, Argentina: Universidad Nacional de Quilmes, 2003. 264 p. Autoria da antropóloga Rita Laura Segato.

facadas, estrangulamento, roubo de pertences da vítima são alguns dos aspectos que regularmente podem ser constatados em casos como esses. Todavia, é óbvio que as circunstâncias e motivações podem variar de acordo com certas especificidades do contexto.

De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), organização não governamental fundada em 1980 e que milita em prol da causa homossexual, os índices de assassinatos de homossexuais totalizaram, nos anos de 1999, 2000 e 2001, cerca de 431 óbitos. Obviamente que os números não refletem com exatidão a realidade porque o preconceito e a discriminação são as principais barreiras que dificultam os registros, por conta das conseqüências (a violência em suas mais variadas formas) que a exposição pode acarretar.

Os relatórios produzidos pelo GGB não abarcam, entretanto, as inúmeras manifestações sociais da homofobia que, mesmo não resultando em mortes, são também prejudiciais ao desenvolvimento do indivíduo enquanto cidadão. O cotidiano nos lares em que pais e mães proferem com facilidade afirmações, deixando explicito que preferem ver seus filhos mortos ou ladrões do que homossexuais. As salas de aulas, onde crianças são alvo de chacotas e comentários pejorativos, forçando-as, às vezes, a abandonar os estudos. A ausência de referenciais homoafetivos no processo educacional e as agressões verbais cotidianas a que são submetidos os homossexuais. Sem contar as diversas formas sutis que a heteronormatividade e o sexismo encontram para atuar e produzir indivíduos, instituições e práticas homofóbicas.

Em um episódio recente4, o Brasil assistiu ao governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, ameaçar o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ao afirmar que estupraria o ministro em praça pública e ainda o classificando como “veado”. Fatos como esse demonstram, no mínimo, como a homofobia é um recurso que pode ser ativado, sobretudo através da linguagem, no momento em que se objetiva desqualificar e/ou ofender alguém. O ato de penetrar é algo tão arraigadamente considerado “masculino” que permite, por exemplo, que o governador ache que pode estuprar o ministro, isto é, penetrá-lo, e ainda continuar sendo “homem” e não homossexual. Além disto, o mesmo sexo que é discriminado, repudiado é a suposta arma utilizada para castigar o homossexual.

[...]homofobia é uma ideologia que oprime expressões da sexualidade diversas da heterossexualidade. A discriminação pode se dar por injúrias, ameaças ou atos violentos. A homofobia humilha, mas também mata. O estupro é um dos dispositivos mais perversos de controle do corpo homossexual pela ira homofóbica.

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No final do mês de setembro de 2009, o governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, afirmou publicamente que o ministro Carlos Minc (Ambiente) era “viado e fumava maconha” e que “se ele (o ministro) viesse [participar da maratona Volta das Nações], eu ia correr atrás dele e estuprar em praça pública”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u627564.shtml. Acesso em: 22 de set. de 2009.

O mesmo sexo que ofende a moral é o sexo a ser castigado pela norma heterossexual (DINIZ, 2009, p. 5).

Sendo assim, para o governador do Mato Grosso do Sul, acusar o ministro de homossexual seria uma ofensa e iria feri-lo em sua virilidade. E, neste contexto, a punição pública seria justamente o estupro. De acordo com Diniz (2009), o que ocorre aqui é a transposição de algo que seria a priori de ordem privada para o espaço público, com o objetivo de provocar o silenciamento do ministro, através da humilhação homofóbica. “Essa é uma das estratégias mais comuns da homofobia: ao invadir a intimidade, silencia-se o indivíduo pela vergonha e pela ameaça da violência física ou moral” (DINIZ, 2009, p. 5).

O silenciamento é uma realidade vivenciada por crianças e jovens, quando ameaçadas por colegas de contarem para todo mundo sobre a sua homossexualidade, caso não façam o trabalho deles. É o que permite que adultos sejam ameaçados e extorquidos por parceiros ou garotos de programa, caso suas exigências não sejam atendidas. É uma espécie de vulnerabilidade que muitos homossexuais aprendem a conviver, receosos de terem suas sexualidades expostas em público.

Compreendida como um ato hostil para com os homossexuais, a homofobia costuma a ser encarada com naturalidade, fazendo parte da socialização de meninos e meninas durante a infância com rigidez nos limites impostos pelos gêneros. Isto se evidencia sobretudo na construção e reafirmação da masculinidade. Assim como o racismo, o anti-semitismo e a xenofobia, trata-se de uma manifestação que, arbitrariamente, qualifica o outro como contrário e inferior. Isto se repercute na privação de direitos e nos índices de assassinatos que são a expressão maior da homofobia. Este tipo de aversão pode ser constatado cotidianamente nas escolas, ambientes de trabalho, nas ruas, através de expressões de cunho discriminatório, violência psicológica, verbal e institucional, etc.

Sendo assim, torna-se necessário entender e explicar as possíveis razões e quais os mecanismos que criaram e ainda alimentam o chamado ódio contra homossexuais, que tem conseqüências, no mínimo, anti-democráticas, não respeitando a diversidade sexual existente na sociedade. Todavia, diferentemente do que costuma ocorrer nas discussões sobre a homofobia, o interesse agora é perceber que não se trata de conhecer ou debater as origens e comportamentos da homossexualidade, e sim de entender e explicitar os mecanismos sociais que perpetuam este ódio/aversão e fomentam a incidência dos atos violentos.

Todavia, é importante ressaltar também que os atos violentos ocorrem em contextos que apresentam elementos variados, o que dificulta a identificação da homofobia. Porém, mesmo com a existência de outras variáveis, o crime/ato violento acontece e pode se

configurar em um ato homofóbico, no qual o preconceito/discriminação perante a orientação sexual do indivíduo é preponderante.

Neste contexto, o jornalismo, como parte integrante da sociedade, não se exclui de tal configuração. Essa instituição social, que define o objetivo de sua prática como sendo retratar fielmente a realidade, passa a realizar a cobertura do tema (ou de algumas das inúmeras facetas que envolvem o fenômeno), enquadrando fatos relacionados à violência contra esta parcela da sociedade, concentrando-se sobretudo no aspecto mais visível da homofobia, os assassinatos, possivelmente o de maior valor-notícia. Contudo, a utilização de determinados termos, enfoques e quais as fontes ouvidas são exemplos de indícios que podem evidenciar quais as posturas adotadas diante do acontecimento e de toda a situação que cerca o fenômeno da homofobia na sociedade. Sendo assim, no próximo capítulo serão abordados elementos que podem contribuir para analisar como a produção de sentidos se dá no jornalismo impresso, ao realizar, por exemplo, a cobertura de um determinado tema como o assassinato de homossexuais.

CAPÍTULO II

A COBERTURA JORNALÍSTICA DA VIOLÊNCIA CONTRA

HOMOSSEXUAIS

A cobertura jornalística nem sempre é feita com vistas a reduzir a parcialidade e a subjetividade ou a se evitar a perpetuação, por exemplo, de certas concepções de cunho preconceituoso, discriminatório e excludente. Ao depender da maneira com que o fato ou acontecimento é relatado, ou melhor, reconstruído, sob a forma de notícia, pode-se perceber marcas existentes no discurso que evidenciam um determinado ponto de vista. A análise da cobertura feita pelo jornalismo sobre um determinado tema pode servir para evidenciar que o seu discurso pode ser praticado permeado por ideologias que não respeitam, entre outros aspectos, a diversidade existente na sociedade.

Independentemente de qual seja a função do jornalismo, a reconstrução dos fatos, transformados em notícias, realizada por este campo pode contribuir, por exemplo, para a manutenção de estereótipos e imagens pré-concebidas de aspectos ou de segmentos sociais. Entretanto, verificar tais construções no discurso jornalístico requer uma análise minuciosa que permita observar as sutilezas existentes no referido discurso.

Uma das principais premissas que permeiam o jornalismo é de que ele é o elemento intermediário entre os fatos e o leitor e que a sua prática tem por função retratar a realidade com fidelidade. Contudo, ao reconstruir discursivamente o mundo, o jornalismo intervém sobre a própria realidade, visto que a sua linguagem é isenta de neutralidade. Ela é fruto de escolhas, seleções etc. A imprensa, de uma forma geral, tenta reconfigurar o mundo, ordenando-o através de sua organização discursiva. Este processo é feito com base na seleção de fatos e acontecimentos que, do ponto de vista midiático, merecem ser noticiados, ou seja, a criação das pautas dentro da redação obedece a critérios de noticiabilidade que podem variar de acordo com o período histórico, o contexto político, o posicionamento do jornal etc. Sendo assim,

Em seu percurso de mediação a imprensa não se constitui apenas em um conjunto de técnicas, de formatos textuais, mas engloba um complexo processo de enquadramento do mundo onde subjazem representações sociais – aspirações, costumes, modos de organização social, comportamentos [...] a escolha de pauta, o destaque que o tema terá no veículo implica em atos de escolha, de posições dos agentes de comunicação, dos autores da mensagem, do tipo de público que se pretende atingir. O discurso jornalístico, como qualquer outro discurso, é um

seccionamento da realidade, implica em escolhas, em olhares (MATOS, 2001, pp. 178-179).

Neste contexto, a noticiabilidade de cada fato, isto é, sua potencialidade para se tornar notícia, vincula-se aos próprios processos que padronizam e tornam rotineiras as práticas de produção, sobretudo diante da imprevisibilidade e incomensurabilidade de acontecimentos que podem ocorrer. Torna-se necessário então encontrar formas exeqüíveis de exercer a atividade e que permitam selecionar os fatos que serão transformados em notícias. Trata-se de encontrar formas para fazer com que os procedimentos possam ser repetidos diariamente.

De acordo com Wolf (2005), a produção rotineira de informações, ao converter fatos e acontecimentos em notícia, atravessa três fases principais. A primeira delas diz respeito ao período de coleta, seguido da estruturação do material coletado. O processo de seleção (segunda fase) está presente em todo o fluxo de produção da notícia. Já a terceira se refere à apresentação da notícia, cuja finalidade é moldar o fato para que se possa, após os efeitos da organização da produção, devolver o caráter de “espelho” da realidade.

Em qualquer suporte midiático, seja rádio, TV, impresso, computador ou revista, salvo as especificidades de suas gramáticas, a construção do discurso jornalístico oferta modos seletivos de enxergar a realidade, feitos através de processos de seleção e hierarquização. Este tipo de discurso é caracterizado preponderantemente “pela capacidade de recortar e reunir em seu interior ‘pedaços’ do mundo, versões sobre acontecimentos” (MATOS, 2001, p. 180).

É válido ressaltar também a complexidade da produção de sentido existente no processo social fomentado pelos meios de comunicação. Neste terreno, configuram-se “assimetrias, interesses variados, tensões, ambigüidades em todos os momentos” (MATOS, 2001, p. 181). Todavia, ainda existem interpretações que consideram a mídia como um instrumento tático de setores dominantes da sociedade, cujo objetivo seria o de impor determinados modos de pensar. Para Matos (2001), não se trata de algo que ocorre de forma simples e fácil, com vistas a garantir uma espécie de dominação vertical. Nas notícias, circulam diferentes discursos, nos quais existem conflitos e disputas de poder, ou seja, é um