• Nenhum resultado encontrado

Homofobia no jornalismo impresso baiano: análise de reportagens que tematizam a violência contra homossexuais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Homofobia no jornalismo impresso baiano: análise de reportagens que tematizam a violência contra homossexuais"

Copied!
102
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

CURSO DE BACHARELADO EM COMUNICAÇÃO

COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

ANDERSON CERQUEIRA SOTERO

HOMOFOBIA NO JORNALISMO IMPRESSO BAIANO: ANÁLISE DE

REPORTAGENS QUE TEMATIZAM A VIOLÊNCIA CONTRA

HOMOSSEXUAIS

Salvador

2009

(2)

ANDERSON CERQUEIRA SOTERO

HOMOFOBIA NO JORNALISMO IMPRESSO BAIANO: ANÁLISE DE

REPORTAGENS QUE TEMATIZAM A VIOLÊNCIA CONTRA

HOMOSSEXUAIS

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Prof.ª: Maria Lucineide de Andrade Fontes

Salvador

2009

(3)

À minha avó, Hildete Sotero, por me Fazer prometer que daria tempo...

(4)

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Maria das Graças Cerqueira Sotero, por me ajudar, de forma incondicional, e por estar sempre atenta para ouvir minhas interpretações pessoais do mundo que nos cerca, mesmo quando equivocadas.

A Flavimir Guimarães, pelo apoio e companheirismo constantes.

Aos meus amigos e amigas, que, além de terem paciência para me escutar, me incentivam.

À minha orientadora, Malu Fontes, por, mesmo sem saber, servir de inspiração.

E, por fim, a todos aqueles que desenvolveram trabalhos diversos (pesquisas, livros, artigos, monografias, etc.) para evidenciar que as diferenças existem e que o tratamento dado a elas é, via de regra, desigual.

(5)

RESUMO

Este trabalho é uma análise dos processos de construção de sentidos, verificados no jornalismo impresso de Salvador, nos veículos A Tarde, Tribuna da Bahia e Correio da

Bahia, nos anos de 1999, 2001, 2002 e 2004, a partir de um recorte de dados feitos pelo

Grupo Gay da Bahia, acerca de crimes envolvendo entre as suas vítimas homossexuais do sexo masculino. O objetivo é verificar, a partir da ferramenta teórico-metodológica da análise do discurso, como foi realizada a cobertura jornalística do referido tema, quais os enquadramentos utilizados e quais aspectos ganharam destaque. A análise da cobertura efetuada pelo jornalismo de um determinado tema pode evidenciar que a sua prática produz recortes da realidade, onde determinados aspectos são enfatizados, em detrimento de muitos outros possíveis.

(6)

SUMÁRIO INTRODUÇÂO CAPÍTULO I 14 HOMOFOBIA: O FENÔMENO 14 HISTÓRICO DO CONCEITO 21 SOCIALIZAÇÃO DE GÊNEROS 25 HOMOFOBIA NAS ESCOLAS 29

VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA 34

CAPÍTULO II 41

A COBERTURA JORNALÍSTICA DA VIOLENCIA CONTRA OS 41

HOMOSSEXUAIS ENQUADRAMENTOS: FORMAS DE EMOULDURAR OS FATOS 44

ANÁLISE DO DISCURSO: AS MARCAS E SUTILEZAS EXISTENTES 46

NO TEXTO JORNALÍSTICO PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO JORNALÍSTICO 50

PERSPECTIVAS PARA ANÁLISE 53

A HOMOSSEXUALIDADE NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO 56

CAPÍTULO III 60

HOMOFOBIA NO JORNALISMO IMPRESSO BAIANO 60

A VIOLÊNCIA CONTRA HOMOSSEXUAIS NO JORNAL A TARDE 61

COMPARAÇÕES COM OUTROS JORNAIS BAIANOS: 71

TRIBUNA DA BAHIA E CORREIO DA BAHIA ENQUADRAMENTOS: O QUE GANHA DESTAQUE NA 73

COBERTURA JORNALÍSTICA CONSIDERAÇÕES FINAIS 77

(7)

REFERÊNCIAS 80

(8)

INTRODUÇÃO

Faz parte do jornalismo enquanto instituição social fazer crer que a sua prática nada mais é do que o retrato fiel da realidade ou pelo menos o mais próximo possível disto. Esta concepção está relacionada com o aspecto que lhe é mais caro: a credibilidade. De acordo com Foucault (apud MACHADO e JACKS, 2001, p. 1), “na posição em que está o jornalismo não poderia dizer outra coisa de si mesmo”. Apesar desta perspectiva ser um dos seus pressupostos, o jornalismo é uma construção social e a forma com que ele se apresenta não é da ordem da natureza, e sim da formação econômica, social e cultural na qual está inserido. Os valores e normas adotados pelo jornalismo variam de acordo com tempo e espaço. A objetividade nem sempre fez parte das rotinas produtivas de notícias como meta principal a ser alcançada.

No discurso jornalístico, podem ser apreendidas marcas que indicam, entre outros aspectos, que se trata de uma forma de retratar a realidade, em detrimento de inúmeras outras possíveis. Sendo assim, este trabalho tem como principal finalidade analisar a cobertura realizada pela imprensa baiana, a partir de um recorte de dados feitos pelo Grupo Gay da Bahia, acerca de crimes envolvendo entre as suas vítimas homossexuais do sexo masculino, no período compreendido entre os anos de 1999 a 2004 (exceto 2000 e 2003). Pretende-se identificar o(s) enquadramento(s) construído(s) com relação a este tipo específico de violência (que apresentam como vítimas homossexuais) nas reportagens veiculadas durante o período escolhido e perceber também os elementos discursivos que contribuíram para a produção de sentido dos recortes selecionados. Interessa saber se essas reportagens interpretam (ou não) o fato como um caso de violência em que a condição de homossexual da vítima é um dos elementos de causalidade do ato perpetrado. Pretende-se verificar também como a condição de homossexual da vítima, ao sofrer um ato violento, é tratada/abordada no discurso jornalístico, desde afirmações diretas até sutis indicações.

Para verificar as diferenças de abordagens, por vezes sutis, dadas ao tema, é necessário, a priori, uma leitura atenciosa das reportagens. Geralmente, os veículos de comunicação não desejam ser facilmente identificáveis como parciais e subjetivos, o que poderia ir de encontro ao seu principal capital, a credibilidade. Entretanto, isso pode ser constatado na forma que se dá a um determinado fato, quando transformado em notícia, ao espaço que lhe é reservado, aos tamanhos das fotos que acompanham a reportagem, às legendas, se é capa ou não, ou seja, através do próprio discurso jornalístico, de tudo aquilo que contribui para a produção de sentidos. Todos esses elementos quando levados em

(9)

consideração em sua forma conjunta podem dizer muito mais do que uma primeira leitura incauta pode oferecer. Além disto, a análise comparativa entre diferentes veículos permite visualizar que os fatos/acontecimentos são os mesmos. O que muda de um jornal para o outro é justamente as modalidades de dizer, ou seja, a forma com que enuncia. Sendo assim, a análise do discurso pode ser utilizada como importante ferramenta teórico-metodológica para perceber as diferentes modalidades de enunciação e como os elementos produzem sentidos. É através dela que se pode entender de que maneira sentidos são construídos.

Além disto, ressalta-se também a compreensão de que o enquadramento é fundamental, isto é, o recorte, o viés dado pelo jornalista ao fato, no processo de construção da notícia, e a própria diagramação do jornal são algumas das características que não se pode dispensar ao efetuar a análise da cobertura jornalística de um determinado tema. Ao converter o fato em notícia, o jornalismo opta, faz escolhas, seleções. O recorte do real produzido é resultado de uma série de aspectos que vão desde a posição que o repórter ocupa na sociedade, o que está vinculado à sua apreensão do fato, até características da própria rotina produtiva, como o espaço que terá na publicação, se acompanha foto ou não, entre outros. Todos esses aspectos podem, conjuntamente, contribuir para o enquadramento da notícia.

Sendo assim, analisar as diferentes “roupagens” dadas às matérias que evidenciam assassinatos de homossexuais do sexo masculino permitirá justamente verificar como estes crimes são percebidos e, por conseguinte, noticiados, sobretudo a partir dos aspectos que são enfatizados nas diferentes narrativas. É importante ressaltar, contudo, que a construção de sentidos acerca deste tipo de violência ou de qualquer outro tema na cobertura jornalística não é algo intencional ou que dependa exclusivamente do jornalismo.

Entretanto, destaca-se também que não é intenção deste trabalho discorrer acerca das influências que os recortes induzem ou não na recepção, ou seja, não interessa saber neste momento de que forma a leitura das matérias enquadradas com um determinado enfoque é realizada. Os estudos de recepção compreendem uma área de abrangência ampla, onde diversas teorias coexistem. Na literatura sobre a comunicação de massa, existem inúmeros trabalhos, cujo foco é o estudo da influência das mensagens transmitidas pela mídia sobre o público, o que não se configura como objetivo deste trabalho.

A análise da cobertura feita pelo jornalismo impresso baiano acerca de crimes onde as vítimas são homossexuais do sexo masculino, no período de 1999 a 2004 (exceto 2000 e 2003), será focalizada em três veículos de comunicação impressa: A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia. Atualmente, são os três principais veículos de comunicação impressa que, desde o período abarcado por essa análise, circulam na cidade de Salvador. Contudo, o

(10)

principal objeto de análise será as matérias veiculadas no jornal A Tarde, por uma questão quantitativa. Não foram encontradas muitas matérias nos demais veículos. O material coletado é oriundo de relatórios divulgados pelo Grupo Gay da Bahia, principal organização da militância gay do Estado. Neles, são indicadas matérias jornalísticas que abordam este tipo de violência, tendo como vítimas indivíduos homossexuais.

Portanto, dentre os principais objetivos, estão: verificar de que maneira(as) a jornalismo impresso baiano, no período analisado, reconstruiu os fatos ocorridos, ao convertê-los em notícias, e como os enquadramentos foram construídos, sob quais perspectivas, quais aspectos foram enfatizados; Examinar como as vítimas deste tipo específico de violência foram retratadas, ou melhor, posicionadas no discurso; Investigar quais os tipos de informações que predominaram nas matérias, se houve variação das fontes ouvidas. Nesse sentido, interessa saber de que forma o jornalismo impresso baiano cobriu, coletou informações e interpretou fatos e acontecimentos relativos a esta temática, isto é, de que forma isto se refletiu na linguagem utilizada, no tipo de enquadramento dado etc. A análise de cada um desses aspectos permitirá perceber qual o sentido preponderante atribuído aos crimes que apresentam como vítimas homossexuais do sexo masculino.

A análise da cobertura efetuada pelo jornalismo de um determinado tema pode evidenciar que a sua prática produz recortes da realidade, em que determinados aspectos são enfatizados, em detrimento de muitos outros possíveis. Ao coletar informações acerca de um fato e transformá-lo em discurso jornalístico, o jornalismo, através da sua rotina produtiva de construção da notícia, opta por enquadrá-lo, selecionando as fontes que deverão ser lidas, o espaço que terá na publicação e sob qual ponto de vista o acontecimento será reconstruído, quais aspectos serão ressaltados.

O período selecionado do corpus se deve preponderantemente à dificuldade de se pesquisar em três diferentes jornais impressos, recorrendo-se à leitura manual de cada exemplar à procura de matérias jornalísticas que evidenciassem a violência contra homossexuais em suas variadas formas. A solução encontrada foi justamente ter acesso ao material publicado pelo Grupo Gay da Bahia, uma das organizações militantes mais atuantes contra a homofobia. Trata-se de relatórios que contém reportagens que exemplificam atos violentos cometidos contra indivíduos homossexuais. Muito embora a leitura que a entidade militante faz destas reportagens classifica radicalmente todas as reportagens como expressões da homofobia. Destes relatórios, verificaram-se as datas em que foram veiculadas matérias nos jornais baianos. Em seguida, foram consultados os exemplares, no acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, de acordo com as datas indicadas pelas publicações do GGB. Os

(11)

relatórios obtidos abordaram especificamente os anos de 1999, 2001, 2002 e 2004. Todavia, não foi encontrado um material que elencasse as reportagens veiculadas pelo jornalismo impresso baiano nos anos de 2000 e 2003. Por essa razão, estes dois anos específicos não fazem parte da análise aqui empreendida. Neste contexto, ressalta-se que é intenção deste trabalho verificar se o jornalismo praticado pelos veículos de comunicação impressa baianos, no período de análise, identifica, explicita ou detalha as condições e circunstâncias dos atos violentos e de que forma está presente na narrativa a condição de homossexual da vítima.

A escolha desse tema se deve principalmente às inquietações vivenciadas pelo pesquisador com relação às formas com que o jornalismo se apresenta em um contexto sociocultural específico. Compreender o jornalismo como uma instituição socialmente construída, isto é, como construção da ordem da cultura e não da natureza própria do jornalismo é fundamental para que se possa analisar as diferentes coberturas que são feitas de temas variados.

Sendo assim, quando não se identifica que tais ações, desde a violência verbal, institucional até os casos de extrema violência física (os assassinatos), foram perpetrados ou, no mínimo, motivados pelo fato de a vítima ser homossexual, ajuda-se a preservar o manto de invisibilidade da homofobia na sociedade e não se denuncia a gravidade que o quadro apresenta. Nesse sentido, interessa saber de que maneira o jornalismo impresso baiano, no período analisado, cobre, interpreta e faz o registro, sob a forma de notícia, de fatos que evidenciam a violência contra homossexuais, além de verificar se o imaginário social acerca da homossexualidade, repleto de estereótipos, é repassado de alguma forma no discurso jornalístico.

O desenvolvimento teórico do trabalho será respaldado com a bibliografia específica sobre o tema. Parte-se do pressuposto de que o jornalismo, mesmo carregando para si o ideal de que seria o “retrato” fiel da realidade, oferta, na prática, modos seletivos de enxergar a realidade, através de um determinado enquadramento do fato/acontecimento, em detrimento de muitos outros possíveis. (MATOS, 2001). Concomitante à pesquisa bibliográfica que servirá como fundamentação teórica, objetiva-se analisar de que maneira(as) o jornalismo impresso baiano retratou, transformando em discurso jornalístico, fatos que evidenciam violência contra homossexuais. Além disto, interessa saber também quais aspectos foram enfatizados, quais as fontes que foram ouvidas etc.

Para fins de análise, este trabalho levará em conta todos os aspectos passíveis de produção de sentido no texto jornalístico, a saber, o texto verbal, a diagramação, a localização da matéria e recursos para enfatizar ou destacar determinado aspecto etc. Texto aqui

(12)

entendido de acordo com a acepção da semiótica discursiva: trata-se de um todo de sentido que pode ser objeto de análise (HERNANDEZ, 2006). Sendo assim, tal pressuposto possibilitará verificar de que maneira o tema é retratado nos veículos de comunicação impressa analisados.

Diferentes jornais impressos podem realizar a cobertura de um mesmo tema e conferir tratamentos distintos. Este processo se dá, quando da conversão em notícia, através de diferentes modalidades de enunciação. Um único fato pode ser enunciado de variadas formas, além de ter certos aspectos ressaltados e outros até mesmo silenciados. A diagramação das matérias pode ser, por exemplo, um dos recursos para evidenciar um ou outro aspecto. Tais estratégias de veiculação estão intimamente relacionadas com o público que se pretende atingir. “É importante lembrar que o texto não é apenas a redação (corpo) de uma notícia, mas, também o são, as manchetes, as ilustrações, os gráficos, as fotografias, incluindo-se as suas legendas (MAMEDE-NEVES et all., 2004, p.3)”.

No caso específico da homofobia, interessa saber também como a homossexualidade da vítima é vista/representada no relato que a matéria produz, ou melhor, reconstrói, sob a forma de notícia. A forma com que a homossexualidade é tratada nestas reportagens (ênfase ou até mesmo silenciamento) pode evidenciar como esses crimes são interpretados, podendo ser, por exemplo, classificado como mais um caso de violência urbana, ou se os enquadramentos privilegiam a condição de homossexual da vítima como elemento de causalidade.

Neste contexto, torna-se necessário destacar também que a homofobia pode ser entendida como uma manifestação social que consiste basicamente em desqualificar ou tornar ilegítima toda e qualquer forma de expressão da sexualidade que não siga as regras ditadas pela heteronormatividade. Desde o final da década de 80, quando do surgimento do vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), a homossexualidade e as práticas sexuais homoeróticas vêm ganhando maior visibilidade, sobretudo nos meios de comunicação. A atuação da militância gay, ao denunciar os diferentes tipos de violência que o público homossexual está sujeito, tem também um papel fundamental para colocar em pauta o tema.

No que se refere a posicionamentos de veículos de comunicação acerca da homossexualidade, tem-se o exemplo do jornal A Tarde que, em meados da década de 80, publicou um editorial onde parecia sugerir uma espécie de extermínio dos homossexuais. Nele, afirmava-se que “quando houve a peste suína no Brasil, a solução foi a erradicação dos porcos ameaçados de contágio. Portanto, a solução tem que ser a mesma: erradicação dos elementos que podem transmitir a peste gay” (ARRUDA, 2001, p. 269). Inicialmente, a

(13)

doença recém-descoberta (AIDS) foi associada como uma patologia característica dos grupos de risco, com grande destaque para os homossexuais. A leitura deste editorial permite dizer que a comparação que se faz é a de que, assim como se fez com os porcos, portadores da peste suína, dever-se-ia então proceder de forma semelhante no caso dos homossexuais.

Entretanto, nem sempre se pode com facilidade depreender do discurso posicionamentos nitidamente definidos. É preciso se atentar para as sutilezas existentes nele. Além do mais, o discurso jornalístico lança mão do pressuposto de que está apenas retratando a realidade e sua imparcialidade pode ser comprovada, por exemplo, no uso de falas das fontes. Por essa razão, é de grande importância perceber que todo o processo de construção da notícia perpassa por escolhas e posicionamentos e que são refletidos na construção do discurso jornalístico.

Portanto, este trabalho monográfico foi dividido em três capítulos com a função de sistematizar o estudo aqui empreendido. No primeiro capítulo, serão abordadas a homofobia e suas diferentes manifestações e como a discriminação é construída, sobretudo a partir da linguagem e é repassada desde o período de socialização/educação de meninos e meninas. Já a segunda parte versará sobre os diferentes aspectos que contribuem para a produção de sentidos na cobertura jornalística de um determinado tema. Por fim, serão analisados, com base na fundamentação teórica exposta, os discursos jornalísticos presentes nas matérias coletadas.

(14)

CAPÍTULO I

HOMOFOBIA: O FENÔMENO

A homofobia pode ser entendida como a atitude de hostilidade para com os homossexuais. Trata-se de uma manifestação social que perpassa pela rejeição irracional e pelo ódio e aversão a gays, lésbicas e a todos aqueles que extrapolam de alguma maneira os limites impostos pelas construções de gênero. De forma semelhante à xenofobia, ao racismo ou o anti-semitismo, ela consiste em qualificar e nomear arbitrariamente o outro como inferior, oposto ou anormal. “O homossexual, assim como o negro, o judeu ou o estrangeiro, é sempre o outro, o diferente, aquele com o qual qualquer identificação é impensável” (BORRILLO, 2009, p. 16). Por essa razão, esse outro não goza dos mesmos direitos assegurados aos demais indivíduos da sociedade, além de viverem sujeitos a toda sorte de violência e agressões.

No caso específico da violência homofóbica, fruto do ódio generalizado contra essa parcela da diversidade social existente, é importante perceber que, independentemente das discussões que ocorrem acerca das origens e comportamentos da homossexualidade, a homofobia e suas manifestações na sociedade são uma realidade do cotidiano e costumam fazer da parte da socialização de indivíduos, de forma naturalizada. São posturas, atitudes e comentários em tom pejorativo, que discriminam e inferiorizam o outro, tolhendo-lhe a liberdade e privando-o de direitos.

Como um atributo da personalidade, a homossexualidade deve permanecer fora do interesse interventor das instituições. Tal como a cor da pele, a opção religiosa ou a origem étnica, ela deve ser considerada um dado não pertinente na construção política do cidadão e na qualificação do sujeito de direitos. Contudo, embora o exercício de uma prerrogativa ou a fruição de um direito não sejam mais subordinados ao pertencimento a um ou outro sexo, religião, política ou classe social, a homossexualidade permanece como um obstáculo ao pleno gozo de direitos (BORRILLO, 2009, pp. 16-17).

A homofobia costuma a ser encarada com naturalidade, fazendo parte da socialização de meninos e meninas durante a infância com rigidez nos limites impostos pelos gêneros. Tais relações têm por objetivo principal modelar os indivíduos para agirem de acordo com concepções pré-estabelecidas do que se convencionou ser masculino e feminino. Este processo se evidencia sobretudo na construção e reafirmação da masculinidade e as repercussões se dão no âmbito da privação de direitos, podendo chegar até os assassinatos que são a expressão mais extremada da homofobia. Este tipo de aversão pode ser constatado

(15)

cotidianamente nas escolas, ambientes de trabalho, nas ruas e nos veículos de comunicação, entre muitos outros, através de expressões de cunho discriminatório, de violência psicológica, verbal e institucional etc.

“Aberração da natureza”, “prática infame”, “pecado nefando”, “crime abominável”, “anormalidade”, “bizarrice” e “doença” são algumas das inúmeras denominações que costumam ser atribuídas à homossexualidade e que evidenciam relações de poder, onde a heteronormatividade é elemento preponderante e excludente. O outro é classificado como diferente, como algo “que merece morrer”, por exemplo, porque quem institui a classificação parte do pressuposto de que a sua forma de viver e praticar a sexualidade é a correta, aceitável e obrigatória. O outro, por ser o diferente, não possui direitos e nem deve se equiparar àqueles reputados como “normais”.

A suposta inferiorização pregada pela homofobia é reflexo de um processo que hierarquiza as diferentes expressões da sexualidade, atribuindo à heterossexualidade a condição de superior e natural. Borrillo (2009, p. 17) destaca que o termo homossexualidade costuma apresentar, nos dicionários de sinônimos, equivalência à palavras como “androgamia, androfilia, homofilia, inversão, pederastia, pedofilia, socratismo, uranismo, androfobia, lesbianismo, safismo e tribadismo”. Já a palavra heterossexualidade nem sequer aparece. Nesse sentido, evidencia-se que

[...] essa desproporção lingüística revela uma operação ideológica que consiste em definir excessivamente aquilo que aparece como problemático e deixar implícito o que se pretende evidente e natural. A diferença homo/hetero não é apenas constatada; ela serve, sobretudo, para ordenar um regime de sexualidades no qual somente os comportamentos heterossexuais se qualificam como modelo social (BORRILLO, 2009, p. 17).

Dentro desta perspectiva, a violência homofóbica se estende também a todos aqueles que não se encaixam nos modelos pré-estabelecidos pela divisão de gêneros (centrados nos papéis de masculino e feminino) e/ou não obedecem ao desejo compulsório heterossexual. Sendo assim, pode-se incluir no rol dos indivíduos atingidos por este tipo de violência os travestis, transexuais, bissexuais, bem como mulheres heterossexuais que destoam da “delicadeza” considerada inata ao sexo feminino e homens heterossexuais que fogem à “aspereza e insensibilidade”, características comumente associadas à condição masculina. Para Borrillo (2009, p. 19), a homofobia se exprime “por meio das injúrias e dos insultos cotidianos, mas aparece também nos discursos de professores e especialistas, ou permeando debates públicos [...] é familiar; percebemo-la como um fenômeno banal”.

(16)

O indivíduo considerado efeminado, por exemplo, é com freqüência alvo de chacotas, insultos e comentários que o ridicularizam. A própria utilização do termo “efeminado” se serve por um lado para indicar como o homossexual se diferencia, por outro, evidencia que a denominação parte do pressuposto de que tais características são pertencentes ao gênero feminino, isto é, o homem, ao adotar este tipo de comportamento, passa a ser reputado como semelhante à mulher. Daí adjetivar como “efeminado”. A necessidade de se nomear este tipo de comportamento não deixa de lançar mão de uma concepção sexista, em que a construção de gênero é binária (baseia-se em dois pólos – masculino e feminino) e determinante. Trata-se de uma forma de nomear o outro que não extrapola os limites impostos pelo binarismo de gênero. Sendo assim, o homossexual é classificado dentro desta perspectiva em que somente se pode ser enquadrado em masculino ou feminino.

Welzer-Lang (2001) destaca que é comum as pessoas associarem os homossexuais aos homens que apresentam indícios de “feminilidade”, externalizados através da voz, roupas, jeito corporal. De forma semelhante, quando nos homens há ausência de sinais de “virilidade” também é freqüente a associação. Sendo assim, o autor propõe definir a homofobia como sendo “a discriminação contra as pessoas que mostram, ou a quem se atribui, algumas qualidades (ou defeitos) atribuídos ao outro gênero. A homofobia engessa as fronteiras do gênero” (WELZER-LANG, 2001, p. 5).

Nesse sentido, a forma de enxergar o mundo com base nestes dois pólos pode ser percebida também na leitura que se costuma fazer das práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo, sobretudo da relação anal. É este tipo de perspectiva que permite, por exemplo, que determinados homens se considerem heterossexuais mesmo tendo relações sexuais com outros homens. A defesa de tal postura se sustenta na idéia de que o homossexual, assim como a mulher, é aquele que é penetrado e aquele que penetra continua dentro dos limites do masculino, isto é, permanece sendo considerado como “homem”. “[...] em algumas culturas, só é considerado um ‘verdadeiramente veado’ aquele que se deixa penetrar e não aquele que ‘penetra” (WELZER-LANG, 2001, p. 8).

[...]em atividades eróticas homossexuais tradicionais, o homem, ou, na gíria, o bofe, assume o papel ‘ativo’ no ato sexual e pratica a penetração anal em seu parceiro. O efeminado (bicha) é o ‘passivo’, o que é penetrado. A ‘passividade’ sexual desse último atribui-lhe a posição social inferior da ‘mulher’. Enquanto o homem ‘passivo’, sexualmente penetrado, é estigmatizado, aquele que assume o papel público (e supostamente privado) do homem que penetra, não o é. Desde que ele mantenha o papel sexual atribuído ao homem ‘verdadeiro’, ele pode ter relações sexuais com outros homens sem perder seu status social de homem (GREEN, 2000, p. 28).

(17)

É comum ainda, sobretudo para o senso comum, perceber o homossexual como aquele indivíduo que deseja quase que exclusivamente se tornar “mulher” e a interpretação que se costuma fazer das práticas homoeróticas é a de que ser penetrado é característica preponderante e definidora da própria homossexualidade. Desta forma, procura-se justificar e permitir relações entre pessoas do mesmo sexo, salvaguardando aquele que não deseja ser visto socialmente como homossexual, o suposto “homem”. Este paradoxo permite a coexistência de posicionamentos claramente homófobicos em homens que praticam relações sexuais com outros homens, mas não se consideram homossexuais. De forma semelhante, esta concepção pode ser estendida também para relações entre dois homossexuais assumidos e pode ser encarado como uma espécie de impedimento, pois se supõe a ausência do componente “masculino”, ou seja, aquele que irá penetrar (GREEN, 2000).

É através da linguagem que mais uma vez se posiciona indivíduos de forma desigual. Os termos homem (“bofe”) e bicha definem papéis sexuais: aquele que penetra e aquele que é penetrado. Além disto, o primeiro gozará dos privilégios concedidos à categoria “homem” na sociedade, mesmo se relacionando sexualmente com outros homens, enquanto que o segundo é visto comumente de forma pejorativa e, por sua vez, enfrentará o preconceito e a discriminação existentes. Mesmo os dois tendo praticado relações sexuais entre si, um deles ainda consegue, sobretudo através da linguagem, não ser visto como homossexual.

O discurso heteronormativo consegue atingir até mesmo ambiente considerados gays. Atravessa também relações homoafetivas e coercitivamente coloca tudo em uma mesma lógica hegemônica, cuja força motriz é a heteronormatividade. Impõe o desejo de casar e ter filhos, bem como cria uma categoria “normal” de ser gay, entre outros. “O ódio aos travestis, o desprezo aos sexualmente passivos, o horror aos afeminados” são exemplos de como o próprio homossexual, via de regra, rejeita determinados rompimentos das barreiras de gênero, impostas pelo sexismo. É como se ser gay fosse permitido desde que “todos sejam másculos e comportem-se bem [...]ser gay é possível, contanto que o cara seja macho e se dê ao respeito” (MAGNAVITA, 2006, p. 16).

No âmbito da linguagem, a discriminação dentro do próprio universo gay se dá, por exemplo, na construção de termos que evidenciam relações de poder. É comum se ouvir de indivíduos que são gays, dizerem que odeiam afeminados. Cria-se, assim, o termo “bicha passiva” para desqualificar e desprezar aqueles que de alguma forma extrapolam os conceitos de gênero e nas relações sexuais, assim como as mulheres, assumem uma posição passiva, ou seja, são penetrados.

(18)

Arruda (2001), ao falar sobre a relação entre penetrar e ser penetrado, destaca que o que está em jogo é a suposta superioridade do indivíduo ativo em relação ao passivo. Este processo está atrelado aos modos como homens e mulheres se relacionam na sociedade, evidenciando diferenças nas estruturas de poder. “O homem é considerado socialmente superior à mulher e essa hierarquia é transposta para o ato sexual [...] Nas relações de homens com homens, existira a mesma hierarquia” (ARRUDA, 2001, p. 173). Ainda que se tratando de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, o status de quem penetra, característica por excelência da “masculinidade”, ainda permite que o indivíduo não se considere homossexual. O imprescindível é manter-se dentro dos limites criados pelo gênero.

Romper as fronteiras de gênero é, de acordo com Borrillo (2009), algo imediatamente passível de repressões e retaliações. Quando as lésbicas desafiam as normas que determinam “naturalmente” o sexo feminino para o casamento e para a maternidade, por exemplo, são imediatamente comparadas a um parte do movimento feminista, que contesta justamente esses destinos como os únicos possíveis e aceitáveis. O que se configura aqui é a extrapolação das barreiras que as construções de gênero erguem. Sendo assim, rejeita-se que mulheres, pertencentes ao sexo biológico feminino, se comportem ou tenham atitudes que não condizem com aquilo que se espera do modelo construído socialmente para elas.

A ordem (dita natural) dos sexos determina uma ordem social na qual o feminino deve complementar o masculino, o que se realiza com base em uma subordinação psicológica e cultural. O sexismo se define, por conseguinte, como a ideologia organizadora das relações entre os sexos, no seio do qual o masculino se caracteriza por seu pertencimento ao universo exterior e político, ao passo que o feminino denota intimidade e ligação com o ambiente doméstico (BORRILLO, 2009, pp. 24-25).

Neste contexto, a dominação masculina se constitui dentro de um quadro de violência simbólica e costuma ser exercida sutilmente e de forma quase que imperceptível, fazendo parte do cotidiano. Ela é apresentada pelo dominador e acaba por ser aceita pelo dominado como algo de ordem natural, inevitável e necessária. O sexismo torna-se assim o elemento responsável pelo princípio que rege a homofobia, a hierarquização das sexualidades.

A lembrança constante da superioridade biológica e moral dos comportamentos heterossexuais faz parte de uma estratégia política de construção da normalidade sexual. A heterossexualidade aparece, assim, como o padrão com o qual todas as outras sexualidades devem ser comparadas e medidas. É essa qualidade normativa – e o ideal que ela encarna – que constitui uma forma específica de dominação chamada heterossexismo (BORRILLO, 2009, p. 25).

Para Welzer-Lang (2001, p.7), o heterossexismo pode ser compreendido como a “discriminação e a opressão baseadas em uma distinção feita a propósito da orientação sexual.

(19)

[...] é a promoção incessante, pelas instituições e/ou indivíduos, da superioridade da heterossexualidade e da subordinação simulada da homossexualidade”. Desta forma, promover constantemente uma forma de sexualidade, em detrimento de outras possíveis é uma das principais formas de atuação da homofobia e que se desdobra em conseqüências políticas. Esta forma de discriminação utiliza-se de lógica semelhante às outras formas de inferiorização existentes. “Quando se trata da ideologia racista, classista ou anti-semita, o objetivo é sempre desumanizar o outro, torná-lo inexoravelmente diferente” (BORRILO, 2009, p. 28).

Vale a pena ressaltar que a desumanização do indivíduo que se apresenta como diferente é construída primeiramente no âmbito da linguagem. Nomeia-se o outro, desqualificando-o e inferiorizando e, concomitantemente, atribui-se, àquele que possui o poder de nomear, o status de superior e legítimo, ou seja, se alguém é reputado como inferior é porque uma outra pessoa se coloca num patamar mais elevado e quer, assim, impor sua suposta autoridade sobre aquele que é nomeado. A lógica discriminatória funciona com o estabelecimento de certas oposições. Se alguém é considerado selvagem é porque há também os civilizados. Da mesma forma, se o indivíduo homossexual é tachado como “aberração” é porque coexiste o indivíduo “normal”, cuja forma de viver a sexualidade lhe concede este status.

Desta forma, a homofobia alia emoções, condutas e dispositivo ideológico. Trata-se de aversão, preconceito e convicções que se refletem em práticas e atitudes e que revelam a existência de aspectos ideológicos discriminatórios e excludentes e estabelecem uma forma de sexualidade superior e coercitiva. Além de fomentar a discriminação irrestrita, ela produz e reproduz também a negação de direitos aos homossexuais. Na maior parte dos países, aceita-se que o direito ao casamento, à adoção e à igualdade patrimonial, entre muitos outros, aceita-sejam negados permanentemente. Destaca-se aqui a influência da Igreja Católica e das Neopentencostais na manutenção dessas proibições. O indivíduo tende a crescer aprendendo que não se deve fazer nenhum tipo de concessão nesse sentido e que tais possibilidades de existência não são “naturais”.

O documentário americano “For the bible tells me so1” (2007), dirigido por Daniel G. Karslake, é exemplar para entender como o discurso religioso pode ser uma poderosa ferramenta contrária à diversidade sexual. Nele, são exibidas imagens de pastores/padres que pregam com veemência que a homossexualidade e suas práticas sexuais são “abominations” e

1

Para obter mais informações sobre o documentário acesse o site (em inglês): http://www.forthebibletellsmeso.org/indexb.htm

(20)

sua narrativa centraliza-se em depoimentos de cinco famílias, entre católicos e protestantes, cujos filhos são homossexuais. Mais uma vez é importante salientar que o adjetivo citado (abominação) não somente serve para desqualificar e tornar ilegítimas formas diferentes de se viver e praticar a sexualidade, como também enfatiza implicitamente que o modo correto, saudável, autorizado e aceitável de se viver deve seguir as regras ditadas pela heteronormatividade.

A desqualificação de orientações sexuais divergentes da heterossexualidade perpassa também pela imputação de características supostamente “inerentes” a estes grupos sociais. No caso dos homossexuais, Borrillo (2009) destaca que se tentou considerá-los como pessoas narcisistas, incapazes de se relacionar afetivamente e de reconhecer a alteridade. Isto posto, verifica-se que o intento é transformá-los em pessoas deficientes e perpetuar preconceitos que servem para justificar a discriminação e a negação de direitos. Atribui-se, assim, a culpa à própria condição de ser homossexual. Se homossexual, logo deficiente, incapaz.

Essa categorização constitui uma forma de poder gerador de desigualdades. Sejam de raça, de classe, sejam de gênero ou de sexualidade, todas as categorias têm por objetivo organizar intelectualmente a divergência, naturalizando-a. Durante muito tempo, a diferença de sexos justificou o tratamento discriminatório (tutelar) das mulheres da mesma maneira que a diferença de raças legitimou a escravidão e o colonialismo (BORRILO, 2009, p. 31).

Sendo assim, pode-se verificar que a lógica discriminatória funciona fabricando diferenças para justificar a exclusão de uma ou mais parcelas da sociedade e a hegemonia de outra. Determinados direitos são negados, apresentando como justificativa a orientação sexual.

[...] os argumentos atualmente propostos contra o casamento homossexual veiculam os mesmos preconceitos que aqueles outrora utilizados nos Estados Unidos para proibir os casamentos inter-raciais. O problema da homofobia ultrapassa a questão gay e se inscreve na mesma lógica de intolerância que, em diferentes momentos da história, produziu a exclusão de escravos, judeus e protestantes; até atores de comédias já tiveram negado o direito ao casamento com base nessa lógica (BORRILLO, 2009, p. 32).

Para Borrillo (2009), a homofobia pode ser interpretada em pelo menos dois níveis. O primeiro deles, o individual, é manifestado por uma espécie de rejeição, enquanto que o segundo, o social, diz respeito à supremacia heterossexual. Desta forma, um mesmo indivíduo pode até não demonstrar nenhum sentimento de rejeição aos homossexuais, como é o caso da categoria denominada “simpatizantes”, porém, podem não considerar o tratamento igualitário como um elemento importante e necessário.

(21)

A construção da masculinidade adota como um de seus pilares a própria homofobia. Essa característica não discrimina exclusivamente homossexuais, mas todos aqueles que não se enquadram nos papéis sociais criados para os diferentes sexos biológicos. Neste contexto, vale a pena destacar que tais papéis são inseridos em lógicas antagônicas e complementares. O masculino depende do feminino para existir. “Numa sociedade androcêntrica como a nossa, os valores masculinos são cultuados, e sua ‘traição’ resulta nas condenações mais severas. O cúmulo da falta de virilidade consiste em se aproximar da feminilidade” (BORRILLO, 2009, p. 35).

A homofobia constitui uma ameaça aos valores democráticos de compreensão e respeito pelo outro, no sentido de que promove a desigualdade entre os indivíduos em função de seus desejos, encoraja a rigidez dos gêneros e favorece a hostilidade ao outro. Como problema social, a homofobia deve ser considerada um delito suscetível de sanção jurídica (BORRILLO, 2009, p. 43).

Cotidianamente banalizadas, a violência e a discriminação contra homossexuais são percebidas como algo corriqueiro e “natural”. Trata-se de uma forma de violência perpetrada contra todos aqueles que se distanciam de alguma forma da norma sexual vigente. Mesmo quando ainda sob suspeita, as repressões, sobretudo verbais são imediatamente aplicadas e a coerção que delas emana indica que os comportamentos devem obedecer às regras ditadas pela heteronormatividade e pelo sexismo, isto é, às construções sociais acerca do masculino e do feminino enquanto categorias complementares e contrárias. Há, portanto, um “conjunto de códigos culturais e estruturas sociais que, ao transmitirem seus valores, fortalecem os preconceitos e a discriminação de gays e lésbicas” (BORRILLO, 2009, p. 44). Só o fato de se supor automaticamente que todo indivíduo é heterossexual já consiste numa violência simbólica que não dá sequer a chance de existir a outras manifestações da sexualidade. É o que costuma ocorrer, por exemplo, em consultas médicas ou quando professores e familiares sempre perguntam ao homem pela namorada ou esposa e às mulheres pelo marido ou namorado.

HISTÓRICO DO CONCEITO

Fenômeno recentemente nomeado, a homofobia somente surge nos dicionários no final da década de 90 (BORILLO, 2009). De acordo com Magnavita (2006), o termo foi cunhado pelo psiquiatra George Weinberg, no livro Society and the Healthy Homosexual para definir todo o complexo emocional que seria a razão da violência perpetrada contra homossexuais. Contudo, o conceito pode ser expandido para se compreender outras formas de

(22)

exclusão e discriminação de homossexuais, incentivadas desde a fase de educação/socialização de meninos e meninas. Para Borrillo (2009, p. 20), o conceito inicial da homofobia “se mostrou extremamente limitado, não abrangendo toda a extensão do fenômeno”. Um dos pilares constitutivos da homofobia é o heterossexismo, através do qual se estabelece uma hierarquia entre as diferentes manifestações da sexualidade existente. No topo da pirâmide, coloca-se a heterossexualidade, atribuindo-lhe um caráter natural e inato.

A ideologia que sustenta a superioridade da raça branca é designada sob o termo “racismo”; àquela que promove a superioridade de um gênero sobre o outro, dá-se o nome de “sexismo”. Já o anti-semitismo se refere à opinião que justifica a inferiorização dos judeus, e a xenofobia remete à antipatia por estrangeiros. Portanto, é tradicionalmente em função do sexo, da cor de pele, da opção religiosa ou da origem étnica que se instaura um mecanismo intelectual e político de discriminação. O sistema a partir do qual uma sociedade organiza um tratamento segregacionista segundo a orientação sexual pode ser denominado de “heterossexismo” (BORRILLO, 2009, p. 19 e 20).

Desta forma, o heterossexismo é construído principalmente com base numa suposta “normalidade”, atribuindo às outras formas de expressão da sexualidade um caráter desviante, anormal e, por conseguinte, não legítimo. Assim como o racismo e o anti-semitismo, trata-se de desqualificar os indivíduos que se distanciam do modelo escolhido como referência. Verifica-se que este mesmo modelo é colocado num patamar superior, outorgando transformar as diferenças em desigualdades.

A homossexualidade é um dado presente em diferentes culturas e períodos da história. Na maioria das vezes, existindo sob o manto da clandestinidade/invisibilidade, e sendo repudiada, escrachada e alvo de violências quando manifestada socialmente.

Na Europa dos séculos XVI, XVII e XVIII, não apenas a Espanha, Portugal, França e Itália católicas mas também a Inglaterra, Suíça e Holanda protestantes puniam severamente a sodomia. Seus praticantes eram condenados a punições capazes de desafiar as mais sádicas imaginações, variando historicamente desde multas, prisão, confisco de bens, banimento da cidade ou do país, trabalho forçado, passando por marca com ferro em brasa, execração e açoite público até a castração, amputação das orelhas, morte na forca, morte por fogueira, empalamento e afogamento (TREVISAN, 2007, p. 127).

Sabe-se que, na Grécia Antiga, as relações sexuais existentes entre homens eram constituídas de forma hierárquica. Nelas, permitia-se que o erastes (o adulto) exercesse poder sobre seu efebo (o jovem) (VEYNE apud PALMA, 2006). Caso a relação se caracterizasse como ameaça à hierarquia social da época, era imediatamente repudiada. Para os antigos romanos, a afeminação era algo completamente desprezível. Atualmente, homossexuais, mesmo que por diferentes razões, sofrem de aversão à condição de passivo nas relações sexuais (MAGNAVITA, 2006).

(23)

Trevisan (2007) relata, por exemplo, como a homossexualidade foi tratada durante o período de atuação da Inquisição no Brasil. O réu era submetido à confissão e interrogatório, sob acusação de crime de sodomia feita por testemunhas sigilosas. Em casos como este, a punição era considerada de necessidade extrema. No caso de dúvidas, podia-se recorrer à sessões de tortura para forçar a “confissão”.

Neste período, era comum se denominar o sexo anal praticado entre homens de “uso do ofício de fêmea”, fazendo alusão justamente à condição das mulheres de, em relações heterossexuais, serem penetradas. Sendo assim, o indivíduo penetrado era encarado como uma espécie de substituto da mulher na relação sexual. Termos como este exemplificam que a linguagem é um local onde se podem observar relações de gêneros e como elas se estendem e se aplicam em relações homoafetivas. Nesta perspectiva, constata-se que, desde a referida época, o homossexual é visto semelhantemente às mulheres, ou seja, aqueles que são penetrados (TREVISAN, 2007).

Na esteira da discriminação, tem-se o momento de surgimento e proliferação da Síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), mais conhecida no Brasil como AIDS, no final da década de 80 e início da de 90, quando era comum se ouvir falar a respeito, sobretudo no discurso religioso, de uma certa incompatibilidade entre a “natureza” e as práticas homossexuais. O vírus era, então, uma espécie de castigo divino ou da própria natureza contra os costumes “não-naturais”, isto é, divergentes da heterossexualidade.

[...] aceitando esse raciocínio, é espantoso que não se tenha ocorrido nenhum surto de pragas sexuais em vários povos antigos, por exemplo, ou em tribos indígenas de todo o mundo, inclusive brasileiras, praticantes seculares e reiteradas dessa ‘ruptura de equilíbrio natural’ entre pessoas do mesmo sexo. Convém lembrar que argumentos equivalentes em oportunismo foram usados para explicar a eclosão da sífilis no continente europeu, em fins do século XV, quando se supunha que até mesmo a masturbação provocava a nova doença (TREVISAN, 2007, p. 25).

A associação de doenças de grandes proporções e efeitos em larga escala a segmentos da sociedade não é algo novo. Para Sontag (apud ARRUDA, 2007), da Antiguidade aos dias recentes, diversas doenças, sobretudo aquelas que se desconhecem a origem, são utilizadas como metáforas para atitudes, posicionamentos e práticas reputadas como moral ou socialmente erradas. A peste bubônica, a tuberculose, a sífilis e o câncer são exemplos de doenças que foram oportunamente reaproveitadas para condenar tudo aquilo que se considerava errado ou não era socialmente aceito. Para o câncer, era comum se afirmar que a vítima era culpada pela patologia, pois se tratava de uma doença desenvolvida em pessoas reprimidas. No caso da Aids, os homossexuais foram o principal alvo, cuja punição derivava do “erro” que cometiam contra a própria natureza.

(24)

Assim como inúmeras pesquisas foram desenvolvidas acerca da inferioridade intelectual das mulheres e da tendência à criminalidade dos negros, sobretudo no século XIX, quando da criação das teorias raciais, os trabalhos científicos que tomaram como objeto a homossexualidade, na tentativa de encontrar possíveis causas, evidenciam que até a própria ciência parte do pressuposto de que algo lhe parece estranho. Por essa razão, merece ser investigado. “Quando se questiona a origem de algo diferente, fica sugerida a idéia de um desvio da normalidade” (TREVISAN, 2007, p. 33). Esta postura frente à homossexualidade é reflexo do ponto de vista heterossexual dominante. A primeira é questionada, enquanto que a segunda é encarada com naturalidade.

[...]por que não se pensou em investigar as raízes genéticas da atração pelo sexo oposto? Se é útil buscar, por exemplo, as origens cromossômicas do prazer sadomasoquista, conviria fazê-lo igualmente em relação ao sexo papai-mamãe – caso contrário já se estará pré-determinado que uma situação deve ser investigada porque se desvia dos parâmetros normais (TREVISAN, 2007, p. 33).

Além de pesquisas que indicavam a existência do desvio e procuravam explicar possíveis razões, representantes de diversos setores da sociedade, tais como médicos, psicólogos e religiosos etc., consideravam necessário intervenções no sentido de reverter o quadro e possibilitar que os homossexuais abandonassem seus desejos e práticas e assumissem a sexualidade imposta como “normal”, a heterossexualidade. Sendo assim, não havia limites para garantir a eficácia do tratamento. Desta forma, utilizava-se desde a aplicação no indivíduo de sucos de vários órgãos de animais até cirurgias para reforçar a virilidade (TREVISAN, 2007).

[...] a homossexualidade desfruta do triste privilégio de ter sido combatida simultaneamente durante os dois últimos séculos como pecado, crime e doença. Se ela escapava à Igreja, acabava caindo sob o jugo da lei laica ou nas rédeas da clínica médica. Essa atrocidade deixou marcas profundas nas consciências de gays e lésbicas, a ponto de freqüentemente internalizarem a violência cotidiana – da qual são as primeiras vítimas – como algo normal e até mesmo inevitável (BORRILLO, 2009, p. 33).

A produção de sentidos acerca da homossexualidade é fortalecida desde o período de socialização de meninos e meninas até a fase adulta. A divisão binária, baseada nos gêneros construídos historicamente, determina modos de se comportar, agir e até mesmo como pensar. Neste contexto, é comum verificar crianças sendo ensinadas e reproduzindo os limites impostos pela rigidez dos papéis atribuídos aos diferentes sexos. Constroem-se, assim, conceitos para a masculinidade e a feminilidade que devem ser seguidos e policiados. Caso não sejam obedecidas as regras impostas pela heteronormatividade, ativam-se, sobretudo através da linguagem, mecanismos para indicar o que pode e o que não pode ser feito. Sendo

(25)

assim, a homossexualidade costuma ser vista como um desvio daquilo que desde criança se aprende: os comportamentos e atitudes masculinos e femininos.

SOCIALIZAÇÃO DE GÊNEROS

O processo de socialização é o meio pelo qual o indivíduo aprende a ser um membro da sociedade. Nele, há a imposição de padrões sociais à conduta individual. A socialização é vista acima de tudo como uma série de controles exercidos de fora e apoiada por algum sistema de recompensas e castigos. A linguagem é o veículo de socialização e reflete e reforça as visões de um determinado grupo em momento histórico específico, é um meio altamente eficaz de socialização de meninos e meninas. Isto se deve ao fato da linguagem ser um importante indicador e reforçador de valores. Pode-se afirmar que a linguagem a que crianças estão expostas contribui substancialmente para a formação do modo como elas passam a ver a si próprias, aos outros e ao mundo. Através dela, atribui-se significados e se organiza as diferenças biológicas entre os sexos, dando-lhe um sentido que é social e não natural.

Sendo assim, aprende-se desde cedo que existem certos privilégios atribuídos aos indivíduos pertencentes ao sexo masculino, dentro da própria estrutura familiar, e que, ao crescer, costuma-se a aceitar como se fosse natural que os desdobramentos desses privilégios alcancem o espaço público: na escola, no trabalho, na política, nas leis. Cria-se, então, uma representação de mundo em que as relações assimétricas entre os gêneros aparecem como algo inevitável e tanto homens quanto mulheres aprendem, por vezes de forma violenta, a desempenhar tais papéis.

É patente que homens e mulheres são criados de forma diferente, em consonância com o que a sociedade patriarcal define como identidade feminina e masculina, obedecendo, na maioria das sociedades ocidentais, a um princípio de estereótipos que, gradativamente, vai amadurecendo diferenças psicológicas. Eles e elas passam a agir, pensar, comportar-se, falar, discutir e enfrentar problemas de forma também diferente.

O rigor dos limites de gênero, além de ensinar como meninos e meninas devem se comportar, discrimina também expressões da sexualidade diferentes da heterossexualidade. Vincula-se, de forma coercitiva, obrigatória e normativa, o sexo biológico a performances de gênero e a uma única expressão da sexualidade, a heterossexual. Nesse constructo binário, somente existem duas possibilidades: ser feminino ou ser masculino.

Nossa sociedade é não apenas heterossexual, mas marcadamente heteronormativa. Nos livros didáticos, o caráter heteronormativo das relações sociais está presente nos

(26)

padrões de representação de gênero e de organizações familiares, nos discursos sobre afetos e também na ausência do tema da diversidade sexual. A heteronormatividade impõe um silêncio sobre essa temática: não há gays nas obras literárias, não há relações homossexuais nos textos de orientação sexual e, muito precocemente, as crianças aprendem a indexar o universo social pela dicotomia de gênero[...] O silêncio é a estratégia discursiva dominante, tornando nebulosa a fronteira entre heteronormatividade e homofobia (LIONÇO e DINIZ, 2009, p. 52).

Borrillo (2009) explicita que no processo de socialização masculina, por exemplo, o aprendizado do papel se dá por meio da oposição freqüente à feminilidade e a tudo que remete a ela. A virilidade é, portanto, uma construção, cujo defeito maior é justamente resultar na homossexualidade. Sendo assim, ser homem é estar associado a características como a rudeza, grosseria e competitividade, entre outros. Além disto, significa também se afastar da sensibilidade, passividade, vulnerabilidade e doçura, aspectos reputados com freqüência como inerentes ao “sexo frágil”, o sexo feminino.

É verdade que na socialização masculina, para ser um homem, é necessário não ser associado a uma mulher. O feminino se torna até o pólo de rejeição central, o inimigo interior que deve ser combatido sob pena de ser também assimilado a uma mulher e ser (mal) tratado como tal (WELZER-LANG, 2001, p. 5).

Mais uma vez se pode efetuar um paralelo e entender porque determinados homens, mesmo mantendo relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, se consideram heterossexuais. A defesa de tal postura apresenta freqüentemente como argumento o fato de assumirem o papel ativo nas relações, ou seja, penetram e não se deixam ser penetrados. A passividade é interpretada como feminização do indivíduo. Não se quer dizer com isto que exista obrigação em assumir uma identidade homossexual, mas é interessante observar como costumam se distanciar de tudo aquilo que possa remeter à homossexualidade. Para Welzer-Lang (2001), os meninos são educados para se afastarem de tudo aquilo que possa fomentar a associação com o dito “universo feminino”. Nesse sentido, a educação com base nos gêneros “inculca nos pequenos homens a idéia de que, para ser um (verdadeiro) homem, eles devem combater os aspectos que poderiam fazê-los serem associados às mulheres” (WELZER-LANG, 2001, p. 3). Dentro ainda desta lógica, é comum considerar que os homossexuais são versões “imperfeitas” das mulheres.

[...]nossa cultura machista atribui a designação homossexual aos que são visivelmente afeminados ou, ao menos, portadores de algum grau de afetação comportamental. Para o senso comum, a relação homossexual é um mero substituto da relação tradicional macho-fêmea e ao homossexual típico cabe representar o papel feminino-passivo (TAVARES, 2009, p. 51).

No processo educacional dos meninos, por exemplo, a figura estigmatizada do homossexual serve como uma espécie de contra-imagem. Representam, portanto, tudo aquilo

(27)

que os meninos devem se afastar e repudiar para que possam crescer e se tornarem homens “de verdade”. A construção da própria masculinidade é atravessada diretamente pela necessidade de reconhecimentos. O indivíduo quer, assim, que a sociedade reconheça nele os aspectos atribuídos à masculinidade e concomitantemente não o confunda em hipótese alguma com o homossexual.

O veado representa tudo aquilo que o verdadeiro homem não deve ser [...]Expressões como ‘você se comporta como uma bicha’ ou ‘você parece maricas’ são ditas imediatamente aos primeiros sinais de comportamento inaceitavelmente feminino e estão, de fato, entre as primeiras sanções empregadas na socialização do gênero entre homens jovens (PARKER apud ARRUDA, 2007, p. 209).

Essa diferenciação da identidade masculina, marcada essencialmente por aquilo que se afasta do “feminino”, está atrelada a amplas relações de poder. “A identidade e a diferença, não são, nunca, inocentes” (SILVA apud NUSSBAUMER, 2001, p. 55). Sendo assim, no local onde diferenças são demarcadas é também o espaço onde o poder se configura, seja incluindo ou excluindo segmentos sociais ou indivíduos, demarcando fronteiras, estabelecendo classificações (bom, mau; civilizado, selvagem; normal, anormal etc.). O processo de normalização de uma determinada identidade é uma das manifestações mais sutis de poder e criação de hierarquias. Escolhe-se a(s) identidade(s) que será tida como norma e estabelece-se, assim, formas privilegiadas de hierarquização.

Dentro deste quadro educacional que permeia o cotidiano de lares, escolas e espaços públicos em geral, incentivam-se e enfatizam-se características da personalidade ligadas à competitividade, agressividade e inteligência etc. para os homens, enquanto que para mulheres a doçura e sensibilidade são preponderantes. “A homofobia, em particular a masculina, cumpre a função de ‘policiamento da sexualidade’, reprimindo qualquer comportamento, gesto ou desejo que ultrapasse as fronteiras ‘impermeáveis’ dos sexos” (BORRILLO, 2009, p. 36). São formas específicas de socialização, baseadas nas distinções criadas para os sexos biológicos e que são revertidas em mecanismos políticos de ação e reprodução social, permitindo a perpetuação e legitimação de desigualdades.

O ser biológico se divide em homem ou mulher com a mesma naturalidade com que a noite chega após o dia ou com que as estações se sucedem. Em conseqüência, somos naturalmente submetidos ao destino da natureza (macho/fêmea) e assumimos nossa vocação antropológica masculina ou feminina. O pensamento diferencialista tenta, assim, enraizar a diferença entre os sexos seja no biológico, seja no cultural: as mulheres, devido às suas capacidades maternais naturais, seriam mais altruístas, mais doces e menos ambiciosas que os homens; seriam também mais sensíveis e atenciosas para com os outros. Os homens, de natureza mais agressiva, seriam mais bem equipados para a vida exterior, o comércio e a política (BORRILLO, 2009, p. 37).

(28)

Toda suspeita de homossexualidade é encarada como uma traição imperdoável ao gênero “masculino”. Nesse sentido, Borrillo (2009) salienta que quando se chama alguém de “veado”, é uma forma de denunciar uma ausência de correspondência às características masculinas reputadas como “naturais”. Portanto, a homofobia é, neste contexto, uma manifestação do sexismo, isto é, da discriminação de indivíduos por causa do sexo biológico a que pertencem. Ela existe para vigiar e punir o transitar entre gêneros.

Ainda sobre o medo de ser confundido com homossexuais, pode se arriscar a afirmar também que as reações mais violentas da homofobia são, via de regra, desencadeadas por indivíduos que não admitem seus próprios desejos homossexuais. Nesta dimensão psicológica, a identificação oculta com a homossexualidade é ameaçada diante da figura do homossexual e que justamente por essa razão precisa ser eliminada. Nesse sentido,

a violência contra homossexuais não é outra coisa senão a manifestação do ódio de si mesmo ou, melhor dizendo, da parte homossexual de seu próprio eu, a qual se deseja apagar. A homofobia seria uma disfunção psicológica, fruto de um conflito mal resolvido durante a infância e gerador de uma projeção inconsciente contra indivíduos presumidamente homossexuais. Esse mecanismo de defesa permitiria a redução da angústia interior de se imaginar desejando um indivíduo do mesmo sexo (BORRILLO, 2009, p. 40).

Além do ódio advindo da sociedade em geral, constituída sob a supremacia da heterossexualidade, o homossexual experimenta também um ódio internalizado contra si próprio. Diante da predominância de ideais sexuais e afetivos exclusivamente heterossexuais, torna-se difícil evitar conflitos de ordem interior por não se enquadrar nestes modelos e não adotar tais valores.

O homossexual é criado em um ambiente onde a hostilidade costuma ser banalizada. Comentários, piadas, insultos contribuem para que aprenda rapidamente como não deve se comportar e o quanto deve se afastar de características femininas. Isto é válido também para as meninas. Quando extrapolam as barreiras impostas pela educação de gênero é primeiramente através da linguagem que a repressão costuma aparecer. “Muleque-macho”, “mocinha”, “maricas”, “menina-machão” são exemplos de adjetivos que são lançados imediatamente contra o homossexual para coibir e indicar quais caminhos não devem ser percorridos. Este processo educacional é fator gerador de quadros como depressão, culpa e vergonha, podendo chegar até mesmo ao suicídio.

Nesse sentido, costuma-se com freqüência optar pela negação da própria homossexualidade:

A aceitação da própria homossexualidade se coloca de forma tão problemática para esses indivíduos que um número considerável de gays se encontra em uma situação

(29)

de isolamento e angústia difícil de ser superada. A educação sexual e afetiva de gays e lésbicas se faz na clandestinidade; as referências literárias, cinematográficas e culturais são quase inexistentes (BORRILLO, 2009, p. 42).

Portanto, verifica-se que meninos e meninas são educados através de dispositivos que refletem a norma heterossexual, regulando, assim, corpos, sujeitos e subjetividades. Entretanto, a masculinidade e a feminilidade não são oriundas da natureza, e sim construções sociais que associam diretamente o sexo biológico às performances de gênero e às identidades sexuais (POCAHY, OLIVEIRA e IMPERATORI, 2009).

HOMOFOBIA NAS ESCOLAS

Dentre os muitos campos em que a homofobia e a heteronormatividade podem ser percebidas e analisadas em suas sutilezas, destaca-se o ambiente escolar. É um dos principais espaços de aprendizagem e socialização do indivíduo. É nele também que ainda são mantidas práticas educacionais que não refletem a diversidade social existente, mantendo, assim, a supremacia de um único modo de vida em detrimento de outros possíveis e de fato existentes.

Ademais, o ambiente escolar é um local onde diversas facetas do mundo são apresentadas. É um espaço de aprendizagem de novas práticas sociais que nem sempre respeitam e fomentam a reflexão sobre a diversidade sexual existente. Ao realizar uma pesquisa sobre a ausência de referencias diretas ou indiretas sobre este tipo de diversidade nos livro didáticos2, Vianna e Ramires (2009, p. 1), puderam inferir que:

[...]a ausência da diversidade sexual e, portanto, de famílias homoparentais nos livros examinados é expressão das relações de poder que sustentam um modelo ainda patriarcal e heterossexual de família. Além disso, a naturalização da heterossexualidade sustenta a possibilidade da homofobia e a legitima ao excluir outras formas de família para além do modelo hegemônico.

Diante da ausência reiterada de conteúdos e imagens que evidenciassem a diversidade sexual existente nas concepções de famílias, a alternativa encontrada na pesquisa foi buscar a homofobia numa leitura mais minuciosa, verificando também os espaços do “não-dito”. “Se, como se pode constatar, os indícios homofóbicos encontram-se, de modo geral, nas sutilezas e nas entrelinhas, a tarefa primordial foi buscar o não-dito, que pode ser tão ou mais devastador do que palavras explícitas” (VIANNA e RAMIRES, 2009, p. 73).

2

A pesquisa realizada, intitulada Qual a diversidade sexual dos livros didáticos brasileiros?, teve como objetivo analisar sob diferentes aspectos a qualidade discursiva sobre diversidade sexual enunciada em 67 dos 98 livros didáticos mais distribuidos pelo Programa Nacional do Livro Didático e pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio entre as escolas públicas do país.

Referências

Documentos relacionados

Desta forma, é de grande importância a realização de testes verificando a segurança de extratos vegetais de plantas como Manjerona (Origanum majorana) e Romã

Desse modo, a doença somente acomete aqueles que ainda são susceptíveis (Barcellos & Sabroza, 2001). Já os anos epidêmicos são caracterizados por um grande número de casos logo

Subordinada a Diretoria Executiva, tem como competência as atividades de desenvolvimento de protocolo, registros dos profissionais médicos veterinários e zootecnistas, registro

Ainda que das carnes mais consumidas nesta altura em Portugal, tanto os caprinos como os galináceos estão re- presentados apenas por um elemento, o que nos pode dar a indicação que

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

4 Este processo foi discutido de maneira mais detalhada no subtópico 4.2.2... o desvio estequiométrico de lítio provoca mudanças na intensidade, assim como, um pequeno deslocamento