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Compatibilização do zoneamento ambiental municipal, estadual e federal

7 PROBLEMÁTICAS LEGAIS ASSOCIADAS AO ZONEAMENTO

7.1 Compatibilização do zoneamento ambiental municipal, estadual e federal

Como já visto no Capítulo 4 deste trabalho, para fins de uniformidade e compatibilização com as políticas federais, a União poderá reconhecer os ZEEs estaduais, regionais e locais, caso cumpram determinados requisitos estabelecidos na regulamentação do ZEE.

Além disso, o Decreto Federal nº 4.297/2002 estabelece que os ZEEs estaduais que cubram todo o território do Estado e tenham sido concluídos ante da vigência de referido Decreto, serão adequados à legislação ambiental federal mediante instrumento próprio firmado entre a União e o Estado interessado.47

Sem prejuízo da obrigatoriedade de conformação técnica dos ZEEs estaduais e locais com as políticas federais, a partir da regulamentação do ZEE estabelecida pelo Decreto Federal nº 4.297/2002, existe em Direito Ambiental uma discussão recorrente que também atinge o debate ora travado, constituída pelos conflitos normativos ambientais diante da competência federativa estabelecida pela Constituição Federal de 1988.

A questão que se coloca, ao tratamos do zoneamento ambiental, é: as normas sobre o planejamento territorial sócio-econômico-ambiental dos Estados podem ser mais ou

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menos restritivas que as diretrizes gerais federais? E as do Município, em relação às normas estaduais e também federais?

Sobre o tema, Paulo José Leite Farias (1999, p. 357) escreve:

No caso do direito ambiental, as normas estabelecem restrições ao exercício dos direitos subjetivos, principalmente o direito de propriedade, calcadas nas normas constitucionais que impõem a proteção ao meio ambiente, especialmente as do art. 225 da Carta Magna de 1988, com seus incisos e parágrafos.

Articulando-se tais limitações constitucionais com os princípios da competência concorrente e residual (art. 25, §1º e, em relação aos Municípios, art. 30, inciso II), entende-se que a lei estadual pode estabelecer limitações ao exercício dos direitos, com vistas na proteção ambiental, ainda que não previstas na legislação federal, desde, é claro, que tais restrições sejam compatíveis com as liberdades públicas constitucionais. Ainda que haja expressa autorização federal, mediante lei, se a lei estadual, considerada constitucionalmente válida por não afrontar as regras constitutivas da competência, ao contrário, impede tal conduta, prevalecerá a lei estadual. Trata-se, em nossa opinião, de situação característica em que o conceito de norma específica, cuja competência em matéria ambiental é atribuída ao Estado-membro, para atender a peculiaridades locais, poderá determinar a inaplicabilidade da lei federal em Estados-membros, onde haja leis em contrário.

No entanto, pondera referido autor, as autonomias regionais não podem destruir a unidade do conjunto e, em matéria ambiental, esse papel preponderante da União, é indiscutível e desejável. Não há como planejar a proteção do meio ambiente a não ser numa visão global.

De toda forma, conclui Paulo José Leite Farias (1999), se por um lado as autonomias regionais podem ser mais exigentes em favor da proteção ambiental, elas também poderiam ser menos exigentes ou simplesmente ineficazes. Nesta última hipótese, porém, defende o autor, deve ser aplicada a norma da Constituição total, por meio do princípio in dubio pro natura, ou seja, prevalece a norma geral que seja mais restritiva.

Paulo de Bessa Antunes (2007), ao discutir a competência concorrente em matéria ambiental, reconhece que a jurisprudência de nossos tribunais superiores tendem a não

admitir que os Estados façam exigências que extrapolem as exigências das normas federais e sejam menos restritivas. Dessa forma, ressalta o autor, é voz corrente que o Estado teria o poder de legislar sobre matéria ambiental desde que estabelecesse maiores exigências ambientais do que as formuladas pela norma federal.

Antunes (p. 301-303), porém, ID] FUtWLFDV D HVVD µPi[LPD¶ SRLV FRQVLGHUD TXH (i) os padrões e parâmetros ambientais devem ser estabelecidos em função da capacidade de suporte, variável conforme o local; (ii) poder ser mais exigente apenas implica o direcionamento da indústria para locais menos exigentes ou, na equivalência das exigências, para locais próximos ao mercado fornecedor e consumidor; (iii) os locais já poluídos têm sua situação agravada, pois é certo que ali a atividade é permitida, com SDGU}HV ³PHQRV H[LJHQWHV´, o que atrai novos empreendimentos; e (iv) a idéia de ser ³PDLVH[LJHQWH´GHPRQVWUDXPDFUHQoDLQJrQXDQRSDGUmR³SROXLomR]HUR

Não obstante, referido autor também admite que se os Estados pudessem estabelecer QRUPDVDPELHQWDLVPDLVEUDQGDVKDYHULDXPYHUGDGHLUR³VXEVtGLRDPELHQWDO´HVWDGXDOH a prática de concorrência desleal pelos Estados, de modo semelhante com o que ocorre na esfera tributária, o que, a nosso ver, deve ser rigorosamente evitado no processo de implementação do zoneamento ambiental.

De fato, as decisões em torno do zoneamento ambiental, especialmente nas menores esferas federativas, não podem ser tomadas com base em interesses exclusivos das pessoas jurídicas de direito público, na administração de seu território. Nesse sentido, não vemos ainda como fugir ao princípio in dubio pro natura.

É possível, porém, que com o avanço do zoneamento ambiental por todo o país, determinadas restrições ambientais possam ser amenizadas para determinadas localidades em que o potencial de exploração de certas atividades econômicas seja extremamente preponderante. Essa discussão, no entanto, ainda requer experiência e amadurecimento. Não temos, no momento, elementos suficientes que permitam que a UHJUD GR ³QmR OHJLVODU GH PDQHLUD PHQRV UHVWULWLYD HP PDWpULD DPELHQWDO´ PXGH VHX rumo.

Patrícia Azevedo da Silveira (2002, p. 185-187) destaca em sua obra duas relevantes jurisprudências sobre essa questão, que demonstram a tendência atual apontada acima:

Agravo interposto pelo Município de Florianópolis contra decisão que não admitiu recurso extraordinário contra acórdão que julgou a ADIN Estadual nº 227.065 (Relator Min. Marco Aurélio)

³   Incide em inconstitucionalidade Lei de Município, situado na orla marítima, que institui normas e diretrizes menos restritivas que as existentes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como sobre a utilização de imóveis no âmbito de seu território. Possuindo a Assembléia Legislativa Catarinense competência legislativa concorrente e não tendo a União estabelecido princípios gerais, era plena a competência do Estado para dispor, como o fez, através do art. 25 do ADCT, fixando norma geral, protetora da natureza, do solo, do meio ambiente, do patrimônio urbanístico e paisagístico. Assuntos, a toda evidência, de interesse regional (fl 32). O Município de Florianópolis insiste na inconstitucionalidade do art. 25 das disposições transitórias da Constituição Estadual, por ferir o princípio da autonomia municipal, previsto no art. 30, inciso I e VIII, da Carta Federal. Salienta que no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n. 102, a Corte de origem concluiu pela desarmonia do preceito com o diploma maior. Assevera cuidarem as leis impugnadas de questões urbanísticas, de competência exclusiva do Município, e não relativa ao meio ambiente ou águas (...).

ADIN 26.089-0/5, datada de 04.11.1995, julgada procedente pelo TJ/SP, em que se sustentou a inconstitucionalidade de lei municipal frente à Constituição estadual, uma vez que aquela admitiu como passível de expansão urbana área de grande valor ambiental

³  no campo do ambiental e urbanístico, o Município deve atender ao ordenamento federal fixador de normas gerais e a legislação derivada da competência atribuída aos Estados-membros, nessas matérias. Tratando- se de competência vertical, presente se encontra a hierarquia legislativa, caso em que, regulando as três entidades (União ± Estado Membro ± Município), concorrentemente, a mesma matéria, a lei municipal cede à estadual, e esta à federal. (...) Todavia, ainda que o Município esteja legitimado a proceder ao zoneamento de seu território e ditar a política de expansão urbana dentro dele, não pode fazê-lo livremente, havendo restrições contidas nas Constituições )HGHUDOH(VWDGXDO´

José Heder Benatti (2003) faz interessante ressalva em torno do tema competência, que merece destaque para complementação do que foi dito acima. Para este autor, um dos caminhos para garantir a eficácia do zoneamento é a descentralização. Essa descentralização, no entanto, não pode ser resumida a uma transferência de funções do poder central para os poderes estaduais e regionais, nas quais o Governo federal toma as decisões para que as demais instâncias executem essas deliberações. Da mesma forma, não pode haver a substituição do centralismo federal pelo estadual ou municipal.

Para Benatti, no processo de descentralização deve-se ter clara a distinção entre descentralização e autonomia para assegurar uma participação democrática dos diferentes entes federados, com seus distintos órgãos e a sociedade civil organizada.(BENATTI, 2003)

Como se vê, a compatibilização das normas ambientais municipais, estaduais e federais, diante do sistema constitucional de competência concorrente, e, conseqüentemente, do zoneamento ambiental de cada esfera federativa, é um desafio presente, e muita discussão em torno das matérias competência concorrente, descentralização e autonomia, vinculadas à elaboração e implementação do zoneamento ambiental, ainda persistirá.