• Nenhum resultado encontrado

Teoria da pré-ocupação (direito adquirido)

7 PROBLEMÁTICAS LEGAIS ASSOCIADAS AO ZONEAMENTO

7.3 Teoria da pré-ocupação (direito adquirido)

Outra questão que permeia o zoneamento ambiental trata-se do direito adquirido em matéria ambiental. De fato, é inevitável que a definição de zonas ambientais, com restrições mais ou menos rigorosas em relação ao exercício do direito de propriedade, gere conflitos entre os interesses da coletividade e os interesses do particular que tenha sido afetado pelo zoneamento ambiental posterior ao exercício de seu direito.

Em artigo reflexivo sobre o tema, Rodrigo Bernardes Braga afirma que a tese de que inexiste direito adquirido em matéria ambiental ante a prevalência do interesse público foi difundida pela esmagadora doutrina moderna. Porém, opina referido autor, tal tese caiu em vala comum. Em suas palavras, esta frase,

tomada como a expressão final sobre o assunto, pouco ou nada acrescenta, porque não examina situações específicas e peca pela generalização. Neste setor do conhecimento jurídico, cremos não há lugar para superficialidades. Não nos parece crível que o direito ambiental, com a sua extraordinária capacidade de inovar institutos e teorias, possa contentar-se com explicação WmRVLPSOHVDVVLP´(BRAGA, 2004, p. 83)

De fato, a doutrina especializada defende de maneira prevalecente que o direito adquirido não tem força face à superveniência de normas ambientais que estabeleçam padrões e condicionantes mais rigorosos, dado o seu caráter de ordem pública. Senão vejamos alguns posicionamentos:

Edis Milaré (MILARÉ, 2007, p. 427-428) afirma que a irretroatividade da lei,

assegurada pela Constituição Federal através da proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada,

pode levar à falsa conclusão de que, licenciada ou autorizada determinada obra ou atividade que, posteriormente se revelasse prejudicial ao meio ambiente, nenhuma alteração ou limitação poderia ser imposta, em homenagem àquelas garantias e ao princípio da livre iniciativa, também resguardado constitucionalmente. Criado estaria, por assim dizer, o direito adquirido de continuar a empreender, com base em licença pretérita (ato jurídico perfeito), não obstante a poluição causada. Daí dizer a doutrina que VH HVWDULD DVVLP LQVWLWXFLRQDOL]DQGR R µGLUHLWR DGTXLULGR GH SROXLU¶ HP detrimento do direito ecologicamente equilibrado, inscrito no art. 225 da CF. Da mesma forma, poder-se-ia entender que atividades preexistentes à institucionalização do procedimento licenciatório em matéria ambiental estariam acobertadas pelo direito adquirido, prescindindo da respectiva licença. Isso, entretanto, não acontece. A uma, porque a ordem econômica e a livre iniciativa são norteadas pela defesa do meio ambiente, assim como o exercício do direito de propriedade. A duas, porque as normas editadas com o escopo de defender o meio ambiente, por serem de ordem pública, têm aplicação imediata e se aplicam não apenas aos fatos ocorridos sob sua vigência, como também às conseqüências e aos efeitos atuais e futuros dos fatos ocorridos sob a égide da lei anterior (facta pendentia). Essas normas só não atingirão os fatos ou relações jurídicas já definitivamente exauridos antes de sua edição (facta praeterita).

Paulo Affonso Leme Machado p FDWHJyULFR DRDILUPDU ³QmR Ki GLUHLWR DGTXLULGR GH

SROXLU´ (MACHADO, 2000, p. 167)

José Afonso da Silva (SILVA, p. 301-302) opina que,

havendo modificação do zoneamento, milita presunção iuris et de iure (porque não comporta discussão do mérito, nem na via judicial nem na administrativa, para afastar a presunção) de que tal mudança se fez em atendimento ao interesse coletivo, e é, sem sombra de dúvida, correta a tese de que não se verifica direito adquirido (que é de natureza individual, particular) em prejuízo do interesse coletivo, público. Se, portanto, não houver na lei superveniente ressalva de direito ao uso não-conforme, que passa a ser tolerado, ao Poder Público cabe a faculdade ± se não o dever ± de impor a cessação do uso incompatível com o novo zoneamento. Leve-se em conta, acrescenta Silva, que não se está tolhendo ao particular o exercício do direito de livre iniciativa, mas restringindo-a no interesse público, pois não se lhe está impedindo, em absoluto, o exercício do uso implantado, que poderá continuar noutra zona.

A jurisprudência ambiental49 também não diverge de tal pensamento. Confira-se:

TJ/SP Meio Ambiente. Agravo de Instrumento. Pretensão à revogação de liminar concedida em ação civil pública. Construção que estaria conforme lei de zoneamento da época. Suspensão de seus efeitos em ADIN ocorrida posteriormente à concessão do alvará. Não colhe a pretensão de revogação de liminar na tentativa de concluir edificação em área cujo zoneamento vem sendo discutido através de ação civil pública ambiental e ação direta de inconstitucionalidade, porquanto o dano ambiental terá dimensões muito maiores do que a espera que o particular deverá experimentar, até que seja julgado o mérito da ação, fatores que afastam o reconhecimento do µSHULFXOXPLQPRUD¶HGRµIXPXVERQLMXULV¶SDUDRFDVRHVSHFtILFR5HFXUVR ao qual se nega provimento. (Agravo de Instrumento nº 535.539-5/4-00), 30/03/2006, Câmara Especial do Meio Ambiente, Rel. Des. Regina Capistrano)

Zoneamento. Indústria. Artefatos de plásticos. Atividade poluente. Inexistência do direito adquirido. Segurança negada. Voto vencido. (RT 516/59, Relator Des. Almeida Camargo; j. 6.4.78). (FREITAS, 2009, p. 60)

Desfazimento de Ato Administrativo. Lícito ao Poder Público desfazer de ofício o ato administrativo, ao constatar sua inconveniência ou inoportunidade. Com razão maior, quando a aprovação de loteamento importaria em sacrifício ao meio ambiente. Superveniência de ordem constitucional a conferir singular tutela à natureza. Legitimidade do ato da administração. Apelo do Ministério Público provido. Se o empreendedor de loteamento aprovado à luz de legislação longeva não cuidou de registrar o empreendimento no Serviço Delegado de Imóveis da circunscrição imobiliária, sequer permitiu a configuração do ato jurídico perfeito invocado após revogação do decreto municipal pela Administração. Ausente ato jurídico perfeito, por conseqüência também inexiste o direito certo e líquido,

amparável na via da segurança. Não existe direito adquirido a maltratar a natureza, e os paradigmas clássicos foram relativizados por uma ordem constitucional que protegeu, de maneira singular, o meio ambiente, após constatação de que o ritmo da destruição comprometeria, de imediato, a qualidade de vida da população e, a médio prazo, a própria subsistência de vida no planeta. O Município adquiriu, a partir de 5.10.1988, a categoria de ente federativo e daí resulta a sua legitimidade para, ao lado da União, dos Estados e do Distrito Federal, exercer sua obrigação de tutelar o meio ambiente; lícita a adoção de critérios mais apurados de proteção, assim como já ocorria anteriormente, com a disciplina urbanística. O Município não pode flexibilizar as restrições postas pela lei federal e estadual, mas pode e deve torná-las mais severas, em atenção ao seu peculiar interesse, à luz de longeva interpretação do alcance da autonomia local. (Apelação Cível nº 514.456-5/1. Câm. Especial do Meio Ambiente. Apte. Ministério Público. Apdo. Carlos Augusto Wiegand Garnhan. Recorrente: Juízo Ex Officio. Rel. Des. Renato Nalini). (FREITAS, 2009, p. 65)

TJ/RS Agravo Interno. Apelação Cível. Ação desconstitutiva. Auto de infração. Direito Administrativo e Ambiental. Construção em solo não edificável e interferência na paisagem. Lei Municipal nº 4.392/99. Regulamentação superveniente à autorização. Aplicabilidade. Inexistência de direito adquirido contra o zoneamento ambiental. Escoamento dos efluentes para a areia da praia. Princípio da prevenção. Proteção do Meio Ambiente. Regularidade do procedimento. (...) 2. O exame das provas constantes nos autos, em especial as fotografias, pareceres e perícia, indica que o quiosque de propriedade da autora está construído sobre solo não edificável, a saber, sobre a areia que margeia uma das praias da Laguna dos Patos, assim considerada pela Lei Municipal nº 4.392/99. 3. O Município de Pelotas, ao editar a Lei nº 4.392/99, promoveu o zoneamento ambiental na área da Laguna dos Patos, de modo a proibir construções no local, salvo os casos excepcionados pelos arts. 3º e 4º, dentre os quais não se enquadra a demandante. 4. Conquanto a autorização para a exploração do comércio no local tenha sido concedida anteriormente pelo Município de Pelotas, o zoneamento ambiental, ainda que superveniente, deve prevalecer sobre as situações constituídas anteriormente, pois não existe direito adquirido a poluir e nem sequer o meio ambiente é bem disponível que possa ficar ao alvedrio do administrador municipal. (...) (ASNC nº 70021183124/2007, 2ª Câmara Cível, 21/11/2007, Rel. Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano) )

Não obstante o entendimento majoritário sobre o tema, Rodrigo Bernardes Braga (2004, p. 91) ainda defende que

caso o zoneamento e as condições de uso do solo tenham sido alteradas por lei superveniente, determinar a Administração a retirada da licença durante o seu prazo de vigência e remeter o interessado às vias ordinárias para postular indenização, ao argumento de que atende a conveniência e oportunidade, seria, sem embargo de doutas opiniões em contrário, desqualificar, sobretudo, o direito de propriedade, com assento constitucional (CF, art. 5º, XXII), tisnando uma das garantias fundamentais do indivíduo, erigida a condição de cláusula pétrea e disseminando a desapropriação indireta.

Como se vê, o tema, de fato, não é inteiramente pacífico. De todo modo, pensamos que a questão do direito adquirido em matéria ambiental não deverá prevalecer diante do zoneamento ambiental. Assim, uma vez estabelecidas as zonas ambientais e suas

respectivas restrições de uso e ocupação do território, deverá o particular, afetado nos atributos de seu direito de propriedade, adequar-se à nova realidade normativa.

Isso não significa dizer, no entanto, que o particular, em todos os casos concretos, ver- se-á desprovido de direitos, como que atingido por um imenso azar de ter sua propriedade inserida em uma zona ambiental de extrema restrição.

Apesar de prevalecer o entendimento de que não há direito adquirido face a novas regulamentações ambientais de ordem pública, deverá ser concedido ao particular o justo equilíbrio da nova realidade jurídica através de indenização, notadamente nos casos em que o seu direito de propriedade sofrer tamanha restrição, capaz, inclusive, de descaracterizá-lo.

O tema sobre o direito à indenização ou não nas hipóteses de restrições administrativas, como no caso de superveniência de zoneamento ambiental, porém, também é árido e sobre ele não há uma resposta definitiva.