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2. Competência ortográfica: como se adquire?

2.3. Competência ortográfica e competência linguística

Neste momento pensamos estar em condições de apresentar uma definição mais sistematizada de competência ortográfica e verificar de que modo esta competência específica se insere no âmbito mais geral da competência linguística.

Morales Ardaya (2008) considera que escrever uma língua com correcção implica cinco aspectos diferentes: 1) o uso das letras ou grafemas; 2) o uso de sinais auxiliares (marcas de acentuação e diacríticos); 3) a adequada silabação dos vocábulos; 4) a adequada separação das palavras no texto, por meio de espaços em branco; 5) o uso de sinais de pontuação. Uma vez que a ortografia compreende vários aspectos, a competência ortográfica pode ser dividida em várias subcompetências: 1) competência ortografémica ou ortografemática (domínio das normas que regem o uso dos grafemas ou letras, o qual inclui o emprego adequado das maiúsculas); 2) competência ortotónica: domínio das normas que regem o uso dos acentos gráficos; 3) competência

92 ortossilábica: domínio das normas de silabação dos vocábulos, para os dividir no final de uma linha ou para aplicar as regras de acentuação gráfica (Idem).

De acordo com L. Barbeiro, o processo de escrita necessita de competências que “asseguram a materialização da linguagem sob forma gráfica (competências grafomotoras, na escrita manual) e competências que asseguram a codificação apropriada das unidades linguísticas na sua forma escrita (competências ortográficas) ” (2007: 19). Assim, as competências gráficas apresentam os aspectos mais directamente relacionados com o aspecto visual e a materialização do acto de escrever. Na fase inicial da escolaridade o aprendente necessita de adquirir competências relacionadas com 1) a ocupação do espaço na página, onde se incluem os aspectos relacionados a) com as margens, b) com o espaço que separa umas palavras das outras (e que concede à palavra uma autonomia gráfica), c) com as linhas que devem apresentar uma distância regular e progredir horizontalmente [da esquerda para a direita e verticalmente, de cima para baixo], d) com as relações de tamanho entre as letras (as vogais a, e, i, o, u, e as consoantes c, m, n, r, s, v, w, x, ocupam a zona média de escrita; as letras altas b, d, h, k, l, t, ocupam a zona média de escrita, prolongando-se na zona alta; as letras baixas p, g, j, q, y, z, ocupam a zona média e prolongam-se na parte baixa; a letra f distribui-se pelas três zonas); 2) a obtenção de um traço regular; 3) a forma caligráfica das letras; 4) o domínio progressivo do movimento contínuo da escrita (Idem). Além destas competências gráficas, e ainda na esteira deste autor, estão também presentes as competências ortográficas que dizem respeito à representação gráfica das unidades da linguagem oral. Deste modo, a competência ortográfica consiste (Idem: 33):

Nesta linha de raciocínio para o autor, estas competências gráficas não se podem limitar ao nível da palavra isolada, uma vez que existe a necessidade de se combinar as palavras em frases e de estas se agruparem para formar textos que implicam a concepção e selecção de conteúdos, a sua organização e expressão, tudo isto numa lógica de coesão e coerência (Idem). Estas constatações fazem-nos pensar na competência ortográfica como uma competência necessária, mas também específica de uma competência mais geral e alargada que é a competência linguística. Nesta sequência, torna-se precípuo perspectivar a competência linguística como um conjunto

“na capacidade do sujeito escrever as palavras, de acordo com as normas estabelecidas pela comunidade a que pertence. Essas normas seguem como princípio de base o princípio alfabético, ou seja, a unidade tomada como base para a representação escrita é o fonema. Todavia, tal princípio é actualizado ou levado à prática tendo em conta, designadamente, factores e regras contextuais, morfológicos e etimológicos.”

93 de habilidades distintas mas que se inter-relacionam entre si e que pode ser sintetizada, no dizer de I. Sim-Sim et al., da seguinte forma (1997: 24):

Uma definição mais operacional de competência linguística, porque mais especificamente referenciada ao domínio da oralidade e da leitura, é proposta por F. Viana (2002). Neste trabalho a autora propôs e validou um teste de identificação de competências linguísticas (TICL) com o intuito de “contribuir para uma identificação precoce de crianças em risco de apresentarem dificuldades no acesso à leitura e à escrita” (Idem: 210). Assim, o TICL tem por base quatro categorias: 1) conhecimento lexical, 2) conhecimento das regras morfológicas, 3) memória auditiva e 4) capacidade para reflectir sobre a língua e reconhecimento global das palavras. Embora estas categorias partam de uma análise da linguagem oral como preditora da capacidade leitora do indivíduo, parecem-nos pertinentes no âmbito do presente trabalho. Ou seja, pelo exposto no presente capítulo parece evidente que a competência ortográfica é uma habilidade específica da competência linguística em geral e que está directamente relacionada com uma aprendizagem formal, explícita e intencional. Por outro lado, adquirir a competência ortográfica implica um conjunto complexo de processos cognitivos e para os quais concorrem as diversas facetas da competência linguística: o desenvolvimento do conhecimento do princípio alfabético da língua, a segmentação fonológica das unidades sonoras da língua, o desenvolvimento de processos de leitura, a aquisição de competências motoras que desembocarão numa competência escrita mais complexa e elaborada (se nos reportarmos à linguagem presente nos programas oficiais de Língua Portuguesa, essa competência linguística está sintetizada no saber Ouvir/Falar, Ler e Escrever). Indicadores como o conhecimento lexical, o domínio de regras morfológicas, a memória auditiva, a reflexão sobre a língua e o reconhecimento global de palavras (Viana, 2002), permitem de antemão prever futuras lacunas a nível da aprendizagem da língua e revelam-se um bom preditor de como essas habilidades se vão repercutir na escrita ortográfica. Além do mais, parafraseando L. Barbeiro (2007), para que se possa proporcionar ao aluno um bom domínio da ortografia, é necessário que o professor conheça as características ortográficas da língua, as dificuldades de

“A capacidade de reconhecimento da informação linguística desdobra-se nas competências de

compreensão do oral (atribuição de significado a cadeias fónicas) e de leitura (extracção de

significado de cadeias gráficas). Por sua vez, a capacidade de produção de informação linguística desdobra-se nas competências de expressão oral (produção de cadeias fónicas dotadas de significado) e de expressão escrita (produção de cadeias gráficas dotadas de significado). Finalmente, a capacidade de elaboração sobre o conhecimento (intuitivo) da língua concretiza-se no conhecimento explícito da língua”.

94 aprendizagem que estas colocam ao aluno e as estratégias que poderão ser utilizadas para alcançar esse domínio. É com esta preocupação que iniciaremos o próximo subcapítulo.