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3. Do erro ortográfico

3.6. Importância da consciência metalinguística

Neste momento do nosso trabalho, parece-nos pertinente uma breve reflexão sobre a concepção de sujeito aprendente que surge na sequência dos princípios da aquisição e aprendizagem da competência ortográfica explicitados anteriormente. Trata- -se de um sujeito activo na construção dos seus conhecimentos e, como tal, no dizer de O. Figueiredo, “a aprendizagem tem de ser vista como um processo de apropriação dos

saberes que se inter-relacionam com os conhecimentos adquiridos, num processo

complexo de construção e reconstrução” (2004: 17). É, por conseguinte, por meio da língua, enquanto objecto de aprendizagem (nos diferentes níveis fonológico, fonográfico, morfológico, sintáctico, lexical, textual, discursivo) e veículo dos conhecimentos, que o sujeito estrutura para a sua própria construção (Idem). Deste modo, torna-se necessário que se saiba adequar, como refere O. Figueiredo, “as

experiências de aprendizagem aos estádios de desenvolvimento cognitivo dos alunos

em contextos significativos e em actividades que privilegiam o desenvolvimento da

personalidade dos alunos” (Idem: 18).

E. Ferreiro & A. Teberosky (1999) já preconizavam, da mesma forma, uma perspectiva construtivista da aprendizagem, ao afirmarem que a uma visão que concebe a criança como sujeito passivo que aguarda um reforço externo, há que dar lugar a uma perspectiva em que a criança aparece como um sujeito que procura activamente compreender a natureza da linguagem que se fala à sua volta e que formula hipóteses, procura regularidades, põe à prova as suas antecipações e cria a sua própria gramática (Idem). Partindo de um marco piagetiano de referência, as autoras defendem que os estímulos não actuam directamente; estes são transformados pelos sistemas de assimilação dos sujeitos; tal facto coloca o sujeito de aprendizagem no centro do processo (Idem). A escrita surge, assim, enquanto objecto de conhecimento e o sujeito de aprendizagem, enquanto sujeito cognoscente. Esta atitude prevê um sujeito activo

140 que, no dizer das autoras, “compara, exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses, reorganiza, etc., em ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva (segundo seu nível de desenvolvimento) ” (Idem: 32). Por outro lado, estas mesmas autoras partem igualmente do pressuposto de que a criança chega à escola com um notável conhecimento da sua língua materna, isto é, um saber linguístico que utiliza inconscientemente, sem saber, nas suas trocas comunicativas quotidianas (Idem). Caberá, por conseguinte, à escola estimular situações de aprendizagem que vão permitindo que esse sujeito activo e cognoscente se vá tornando cada vez mais consciente da sua língua e dos processos de regularidade e irregularidade de que esta se reveste.

Para que esse saber linguístico inconsciente se torne consciente, torna-se, então, necessário que seja posta em prática no aprendente uma estratégia metalinguística, na qual, no dizer de L. Barbeiro, se integra “a própria construção do conhecimento acerca de como a língua funciona, a capacidade de operar de forma consciente com as suas unidades e propriedades e não apenas a utilização de metalinguagem, que nem sempre está presente” (2007: 150-151). Tal pressuposto implica o desenvolvimento do conceito de consciência metalinguística. Este conceito deverá ser entendido, segundo L. Barbeiro, “como a reflexão ou o controlo deliberado, incidindo estes processos cognitivos sobre a linguagem (sobre as suas unidades ou sobre as relações em que é interveniente), com vista a uma tomada de decisão e consequente operação no âmbito do processo de escrita” (1999: 25). Nesta sequência, de acordo com M. F. Azevedo, “para poder regular o seu processo cognitivo, o aluno deve ser capaz de o avaliar, deve reflectir sobre a actividade mental que está a exercer ou que acaba de exercer” (2000: 117). Assim, a metacognição levá-lo-á a reflectir sobre os seus acertos e desacertos, o que o fará localizar, identificar e rectificar possíveis erros (Ibidem).

Esta dimensão da consciência linguística do aprendente incide sobre vários aspectos do sistema linguístico, e está relacionada, segundo L. Barbeiro, com as seguintes vertentes:

141 Dito de outro modo, só através de um metadiscurso em que se fale da própria linguagem e das regras que subjazem ao sistema linguístico é que se torna possível que essa consciência metalinguística que se pretende desenvolver no aprendente se torne cada vez mais uma competência deliberada e reveladora de uma profunda reflexão sobre a língua. De salientar que, embora nos primeiros anos de escolaridade o recurso a essa metalinguagem ainda não esteja dominada, o sujeito vai construindo a sua própria percepção das regras ou das não-regras do sistema linguístico, caminhando progressivamente para uma apropriação de um metadiscurso sobre a língua.

Como já tivemos oportunidade de referir várias vezes, a ortografia assume-se como uma tarefa complexa em que nela intervêm vários factores de decisão: a fonologia, a morfologia, a sintaxe, a semântica e, ainda que de uma forma mais indirecta, o critério frásico-entonacional, como é o caso da pontuação. Portanto, o saber escrever correctamente as palavras implica também o saber reduzir as escolhas e a eliminar a polivalência. Neste sentido, e de acordo com S. Bousquet et al., “il est nécessaire de développer l’activité métalinguistique explicite afin d’entrainer à des raisonnements sur les formes et à une surveillance plus réfléchie des choix” (1999: 34). E estes autores acrescentam:

Como se pode depreender pelo exposto, torna-se importante que as práticas pedagógicas levadas a cabo na sala de aula promovam trocas que favoreçam a tomada de consciência e a reflexão dos alunos sobre os seus conhecimentos efectivos, a sua percepção sobre os mesmos e aquilo que o aluno deverá fazer para os melhorar.

“1) consciência das respectivas unidades;

2) consciência dos requisitos relativamente à combinação das unidades – que conduz à capacidade de efectuar avaliações e correcções com base na ordem , na presença vs. ausência de unidades, na co-ocorrência de elementos;

3) consciência da existência da linguagem e das suas unidades como entidades diferentes dos estados de coisas que descrevem ou dos objectos que designam;

4) consciência da existência não apenas de unidades linguísticas – referidas em 1) -, mas também de termos metalinguísticos, ou seja, termos designadores de entidades do sistema linguístico, e da possibilidade de utilização metalinguística de termos normalmente com valor referencial extralinguístico, para referirem a própria entidade linguística que constituem, e com os quais se pode construir um discurso sobre a própria linguagem;

5) consciência de características especificas, quanto aos limites e funções, de determinadas formas de materialização da linguagem.” (1999: 32-33).

“Non pas que l’apprenant porte en lui, dans les recoins de son intelligence de la langue, la vérité orthographique, mais le travail d’explication qu’on lui demande de fournir, dans la mesure de ses possibilites, est un exercice de mise en relation de systèmes de représentation divers et un ajustement progressif aux normes spécifiques de l’orthographe. Cette approche est compleméntaire d’autres procédés pédagogiques, y compris ceux qui privilegient la mémorisation; elle en marque aussi les limites, pour l’élève lui-même, qui apprend à comprendre ce qu’il sait, ce qu’il croit savoir, ce qu’il sait partiellement, ce qu’il ne sait pas encore mais peut savoir.” (Ibidem).

142 Num estudo longitudinal levado a cabo por L. Rego & L. Buarque (1997) foram observadas 46 crianças brasileiras que, no início do estudo, apresentavam uma média de idades de sete anos e dois meses e, no final, uma média de oito anos e sete meses. Esta investigação teve por base a observação do modo como a consciência sintáctica e a consciência fonológica contribuem para a aquisição das regras ortográficas. Nesta sequência, a ortografia das crianças foi testada por meio de três tipos de tarefa: o ditado de palavras e de pseudo-palavras, o ditado de palavras e de pseudo-palavras tendo em vista completar um texto e o ditado de palavras para completar frases. Assim, as crianças foram avaliadas no início do primeiro ano de escolaridade quanto à sua consciência fonológica e quanto à sua consciência sintáctica e foram também testadas quanto à sua capacidade ortográfica no final do primeiro e no final do segundo ano de escolaridade. Através dos resultados obtidos os autores concluíram que a aquisição de regras ortográficas que envolvem análise gramatical é facilitada pelo desenvolvimento da consciência sintáctica, ao passo que a consciência fonológica contribui especificamente para a aquisição de regras ortográficas que envolvem apenas uma análise do contexto grafo-fónico. Deste modo, a consciência fonológica e a consciência sintáctica contribuiriam para a aprendizagem de regras ortográficas específicas: a aquisição de regras de contexto seria facilitada pelo desenvolvimento da consciência fonológica (por exemplo, o som /g/, como em “gato”; quando ocorre antes de /e/ e /i/ é representado pelo dígrafo “gu”, como em “guerra”), ao passo que aspectos ortográficos relacionados com a morfossintaxe estão associados à consciência sintáctica (por exemplo, o ditongo /iw/ é sempre grafado com “iu” no verbo, podendo ser grafado “io” e “il” nos substantivos como em “navio” e “barril”) (Idem).

Tendo em vista a verificação de até que ponto a reflexão metalinguística influi na ortografia, C. Silva (2007) realizou um estudo partindo da hipótese de que a evolução do desempenho ortográfico em relação a sílabas complexas será mais acentuada em crianças que foram objecto de um programa de treino baseado em treino fonémico e na reflexão metalinguística do que nas crianças que foram submetidas a programa de treino baseado no ensino das relações grafo-fonéticas e na sua exercitação com cópias de palavras, ou seja, a um programa de ensino mais tradicional. Deste modo, foram constituídos três grupos: dois experimentais e um de controlo. No Grupo Experimental 1 as crianças foram incentivadas a analisar palavras cujas sílabas iniciais apresentavam os grupos CVL versus CLV (ex.: calções e claque) ou os grupos CVR versus CRV (ex.: barco e braço). De seguida, as crianças completavam palavras em

143 textos com lacunas mobilizando as estruturas silábicas trabalhadas anteriormente. Por fim, as crianças eram convidadas a escrever histórias a partir de imagens que obrigavam igualmente à mobilização das estruturas silábicas em questão. No Grupo Experimental 2 foi realizado o ensino explícito das correspondências grafo-fonéticas presentes nas palavras com sílabas iniciais CVL versus CLV e CVR versus CRV. De seguida, as crianças foram convidadas a escrever uma lista em que copiavam essas mesmas palavras estudadas. As crianças do grupo de controlo realizaram desenhos, interagindo com o experimentador. Dos resultados obtidos, a autora destacou a eficiência do programa de treino a que foi submetido o Grupo Experimental 1 que permitiu que as crianças evoluíssem ortograficamente nas palavras com estruturas silábicas complexas e concluiu que “o treino fonémico, ao favorecer a tomada de consciência dos segmentos da sílaba, terá contribuído decisivamente para uma atitude mais analítica face ao oral no momento da escrita” (Idem: 177). Deste modo, o treino da consciência fonológica facilita a aprendizagem das correspondências grafo-fonéticas, pelo que os resultados sugerem que a aquisição da ortografia não se pode limitar à apreensão destas correspondências e à sua aplicação mecânica à escrita (Idem). Assim, as dificuldades de aprendizagem neste domínio poderão ser mais facilmente ultrapassadas se os programas de intervenção integrarem actividades de reflexão metalinguística sobre a estrutura da fala e sobre as restrições do código, uma vez que o desenvolvimento do conhecimento ortográfico parece implicar uma gradual e explícita consciência da estrutura fonológica das palavras e das restrições contextuais e morfossintácticas associadas ao funcionamento da linguagem escrita (Idem).

Para concluirmos, não poderíamos deixar de referir a ligação que, de acordo com L. Barbeiro (1999), se poderá fazer entre a consciência metalinguística e os objectivos gerais da aprendizagem. Segundo este autor, o desenvolvimento da consciência linguística pode ser feito no domínio afectivo, proporcionando o estabelecimento de uma relação personalizada do sujeito com a língua e a sua aprendizagem, facilitada igualmente pela própria segurança dada pela sensação de se saber, a qual está fortemente relacionada com o conhecimento efectivo (Idem). Por outro lado, a consciência das formas de linguagem e do seu contributo para a construção do significado favorece os objectivos a atingir no domínio cognitivo. A dimensão analítica da consciência metalinguística é demonstrada através da reflexão acerca da linguagem, o que, por sua vez, se deve apoiar no funcionamento da língua como instrumento de comunicação, estabelecendo-se a relação entre a consciência metalinguística e o(s)

144 uso(s) da linguagem (Idem). Por último, em termos de domínio social, o papel da consciência metalinguística é importante na afirmação dos alunos enquanto cidadãos ou consumidores e no desenvolvimento de relações interculturais em sociedades em que as trocas interétnicas são cada vez mais constantes, constituindo a língua uma das marcas mais visíveis da diversidade (Idem).

Fica assim perceptível a mais-valia que o despertar progressivo de uma consciência metalinguística no aluno, perspectivado enquanto sujeito activo e responsável pela sua aprendizagem, aporta aos contextos de sala de aula e favorece as aprendizagens verdadeiramente significativas e, como tal, duradouras. O desenvolvimento da consciência ortográfica do aluno permitir-lhe-á transpor essa capacidade a outros domínios linguísticos. Assegura-se, assim, o carácter aglutinador da língua relativamente ao domínio da representação, identificação e expressão pessoal de cada indivíduo, integrado num macrocontexto social portador da diversidade e da diferença e, por isso, cada vez mais reivindicador de uma cidadania responsável e de respeito pelo outro.

CAPÍTULO III

146

1. Introdução

presente trabalho teve como impulso motivador o constatar de uma inquietação que frequentemente verificamos junto dos professores em geral e mais particularmente junto dos professores de Língua Portuguesa: os nossos alunos escrevem mal, nomeadamente no que se refere à ortografia. Esta inquietação levou-nos a colocar uma outra questão, não menos perturbadora: Então que fazemos nós, professores de Língua Portuguesa, para melhorarmos essa situação? Como é que os professores, nomeadamente os de Língua Portuguesa, fazem o tratamento, remediação ou prevenção do erro ortográfico? Assim, delineada a matriz orientadora da nossa investigação, julgamos ter encontrado o(s) problema(s) / ponto(s) de partida do nosso trabalho e o seguinte corpo de hipóteses que enunciamos de seguida:

• Quais as representações e as práticas pedagógicas dos professores de Língua Portuguesa dos 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico relativas aos erros ortográficos? • Que factores influenciam as suas representações e as suas práticas relativas aos erros

ortográficos?

• De que forma essas representações variam em função do ciclo de ensino e do tipo de alunos com quem trabalham?

H1 – Existem concepções pedagógicas relativas aos erros ortográficos diferentes entre os professores do 1º ciclo e os professores de Língua Portuguesa dos 2º e 3º ciclos do ensino básico.

H2 – Existem práticas pedagógicas relativas aos erros ortográficos diferentes entre os professores do 1º ciclo e os professores de Língua Portuguesa dos 2º e 3º ciclos do ensino básico.

O

- O Senhor Professor não acha que o meu filho é muito criativo?

- Sim, sim. Sobretudo na ortografia…

(Ouvido de passagem)

147 H3 – Há diferenças entre as concepções e as práticas pedagógicas dos professores de Língua Portuguesa relativas ao erro ortográfico que relevam do tipo de Agrupamento onde trabalham.

Nesta sequência, foram formuladas as seguintes perguntas de investigação:

1. Como é que os professores de Língua Portuguesa se representam o erro ortográfico? 2. Como é que os professores de Língua Portuguesa categorizam os erros ortográficos? 3. O que é que os professores de Língua Portuguesa consideram como causas dos erros ortográficos?

4. Que estratégias de correcção são utilizadas pelos professores de Língua Portuguesa? 5. Que tarefas pedagógicas são adequadas à promoção da competência ortográfica?

No capítulo II do nosso trabalho demos conta de algumas teorias, de base fundamentalmente psicolinguística, que se debruçam sobre os processos e os mecanismos cognitivos implicados na aquisição e aprendizagem da ortografia. Foram então apresentados os modelos teóricos que estão na base da aquisição ortográfica, nomeadamente as diversas etapas que correspondem a diferentes momentos de aquisição da ortografia. Assim, ficaram explanadas as relações existentes entre competência ortográfica e consciência fonológica, bem como a sua ligação com a leitura e de que modo a competência ortográfica se manifesta como uma área particular que pode ser englobada na competência linguística em geral. Nesta sequência, dos vários estudos empíricos dos quais demos conta, verificamos de que modo as dificuldades específicas e características da língua portuguesa têm implicações e se repercutem na aprendizagem da língua, de que forma a aprendizagem escolar favorece a aprendizagem da competência ortográfica, tendo ficado igualmente patente nesses estudos a preocupação de se realizar uma radiografia sobre o desempenho que os alunos de língua materna demonstram a nível da competência ortográfica em Portugal. Desta forma, pareceu-nos haver uma tendência comum nos trabalhos empíricos referidos: o estudo da ortografia teve como enfoque principal o aprendente, o falante de língua materna, considerando os mecanismos de aquisição dos sujeitos bem como os tipos de erros orográficos mais comuns entre os falantes de língua portuguesa distribuídos pelos vários níveis de ensino. Este denominador comum (o aprendente) evidenciou um nicho de investigação que está agora em aberto e que coloca a tónica sobre as representações que

148 os professores de português construíram sobre o erro ortográfico, bem como sobre as suas convicções relativas à promoção da competência ortográfica nos aprendentes de língua materna. Esta situação não apareceu evidenciada nos estudos anteriormente referenciados.

Um outro factor que se apresenta associado a este tipo de representações prende- -se com o reconhecimento da necessidade de o professor, nomeadamente o de Língua Portuguesa, ser encarado como um artesão que obrigatoriamente tem de dominar a sua arte para que esta possa ser efectivamente transmitida de modo fiel e ser perene no tempo. Neste sentido partilhámos das afirmações de A. Gomes quando diz, a propósito da formação de professores, o seguinte (1990a: 48):

Depreende-se, pois que a mestria linguística de um professor deve ser a base de toda e qualquer acção científico-pedagógica, tanto mais que, no dizer de P. Lefrançois & I. Montésinos-Gelet, “la maîtrise de la langue est une compétence incontournable pour tout futur enseignant (…) puisque l’enseignant sert de modèle linguistique à de très nombreux élèves” (2004:1). Esta mestria linguística deverá também contemplar a capacidade de produção de um texto escrito e as operações pré e pós textuais a ela associadas. Nesta sequência, M. Cabral considera que “a primeira competência para ensinar a escrever estará estreitamente associada ao domínio profundo da escrita por parte de quem ensina” (2004: 277). Será curioso referir que neste trabalho M. Cabral fez uma análise das concepções de avaliação da escrita partilhadas por um grupo de alunos dos cursos de formação de professores de línguas e literaturas, tendo chegado à conclusão de que nem todos os participantes no estudo têm o hábito de reler os textos que escrevem e que os que o fazem, na sua grande maioria, realizam-no com o objectivo de verificarem incorrecções ortográficas e desvios sintácticos. Como tal, o acto de reescrita não parece constituir um procedimento normal no processo de construção de textos dos alunos inquiridos (Idem). Provavelmente tais conclusões não seriam preocupantes se não se tratasse de alunos que posteriormente irão ser professores (Idem).

“(…) é impensável, hoje, assumirmos a defesa de um neo-alfabetismo linguístico ou literário, como inadmissível seria encontrar um mecânico que não soubesse mecânica (e, para desgraça nossa, quantas vezes isso acontece). Se um mecânico destes rapidamente seria posto perante o dilema da incompetência ou da desonestidade (se não reparasse o carro por não saber, seria incompetente; se o não fizesse por má fé, seria desonesto), que dizer dos utentes (e, a fortiori, dos professores) de algo tão relevante como a língua materna?”

149 Estudar as representações mentais que os professores constroem sobre os erros ortográficos obriga-nos, ainda, a estabelecer o conceito. Numa linha de inspiração construtivista, a representação mental poderá ser definida como “um quadro organizador de conhecimentos que são actualizados através da atribuição de significações a situações particulares” (Morgado, 1994: 458), que depois condiciona a acção do sujeito, ao mesmo tempo que lhe permite a construção mais elaborada da representação. Neste sentido, “a representação conduz pois à interpretação da situação inicial mas, porque é antecipadora do fim a atingir, guia igualmente o sujeito na acção