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3 COMPETÊNCIA PROFISSIONAL: DEFINIÇÕES, CONCEPÇÕES E

3.1 Competência ou competências?

De início, cremos que uma das razões da variabilidade do significado da noção de competência é a diversidade dos contextos e dos campos de conhecimento em que ela é usada. Assim, na tentativa de identificar primeiras pistas ao uso corrente da palavra competência no Brasil, procuramos o seu significado em alguns dicionários da língua portuguesa:

 s.f. 1. Faculdade que a lei concede a um funcionário, juiz ou tribunal para apreciar e julgar certos pleitos ou questões. 2. Capacidade, aptidão. 3. Alçada, jurisdição (FERREIRA, 2002).

 s.f. 1. Atribuição, jurídica ou legal, de desempenhar certos encargos ou de apreciar ou julgar determinados assuntos. 2. Capacidade decorrente de profundo conhecimento sobre um assunto; aptidão (LARROUSSE, 2002).

A título de comparação, no contexto inglês, Fleury e Fleury (2001) apresentam que o dicionário Webster (1981, p. 63) define competência, como: “qualidade ou estado de ser funcionalmente adequado ou ter suficiente conhecimento, julgamento, habilidades ou força para uma determinada tarefa”. Na França, na definição do dicionário Le Robert (2006) temos: “n.f. 1. Conhecimento aprofundado, reconhecido, que confere o direito de julgar ou de decidir em certas matérias. Capacidade, qualidade/ cont. incompetência. 2. Aptidão legal, aptidão de uma jurisdição a instruir e julgar um processo. Atribuição, domínio (...)”.

De outro modo, Isambert-Jamati (1994, p. 119-120) destaca o uso do termo “competência” (no singular) no fim da Idade Média aos juristas. Assim, estes declaravam que tal tribunal era competente para um dado tipo de julgamento. “Por extensão, segundo o dicionario Littré, o termo veio a designar de maneira mais geral a capacidade reconhecida de se pronunciar nesta ou naquela matéria”. Deste modo, aquele que “é reconhecido como

competente, em relação a alguém que não o é, ou que o é menos, é aquele que domina suficientemente a área na qual intervém para identificar todos os aspectos de uma situação nessa área e para revelar eventualmente as disfunções dessa situação” (idem).

Segundo Ropé e Tanguy (1994) no Larousse Comercial (editado em 1930) – “competência é o conjunto de conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que habilitam para a discussão, a consulta, a decisão de tudo o que concerne seu ofício (...). Ela supõe conhecimentos fundamentados (...). Geralmente, considera-se que não há competência total se os conhecimentos teóricos não forem acompanhados das qualidades e da capacidade que permitem executar as decisões sugeridas”. Para Rios (2002, p.151) o que se constata no uso da palavra competência no singular é uma espécie de alargamento da extensão do termo para “designar uma multiplicidade de objetos/ conceitos”; enquanto, quando é utilizada no plural, “algumas vezes substitui, isto é, toma o lugar de ‘saberes’, ‘habilidades’, ‘capacidades’, que designam elementos que devem estar presentes na formação e na prática profissional dos profissionais de educação”.

Rovai (2010, p.17) coloca o termo no plural – competências – como empregado para “designar os conteúdos específicos de cada qualificação ocupacional”, enquanto competência, no singular designa um conjunto de “qualidades a serem desenvolvidas pela pessoa em seu processo de formação profissional, fruto de interações entre uma estrutura bem organizada de conhecimentos e a experiência prática, que a capacita a agir com criatividade diante de situações-problema inusitadas, na área de sua especialidade”. Zarifian (2001) indica que competência no singular define uma postura gestionária do trabalhador, de comprometimento com os objetivos da organização produtiva com seus próprios objetivos; enquanto competência no plural remete aos conteúdos das atividades de trabalho, em que predominam os conhecimentos técnico-científicos condensados no funcionamento dos instrumentos e dos processos, os protocolos técnicos e todo o conjunto de símbolos e procedimentos que definem a atividade profissional. A seguir apresentamos outras tentativas de situar a noção de competência que ensejam diferentes perspectivas de abordagem sobre a mesma.

3.1.1 Definições sobre competência profissional

Alguns autores (Depresbiteris, 2001; Souza e Pestana, 2009) reconhecem três ordens de definições em torno da noção de competência: conjunto de tarefas, conjunto de atributos e conjunto estruturado, holístico e integrado.

A competência compreendida como um conjunto de tarefas na visão de Depresbiteris (2001) se apresenta como “um conjunto de tarefas independentes, e que se apresentam bem detalhadas, não havendo interesse pelas relações que existem entre elas. A competência é analisada pela observação direta do desempenho”. Souza e Pestana (2009) realçam nesta abordagem a evidência do “saber fazer”. A competência vista como um conjunto de atributos mostram os atributos gerais indispensáveis para o desempenho efetivo de profissionais, considerados excelentes, e que são subjacentes às competências. Para Depresbiteris (2001) - os conhecimentos, práticas e atitudes. Segundo Souza e Pestana (2009) - o saber, o saber-fazer e o saber ser. No entanto, esta abordagem desconsidera o contexto em que as competências são aplicadas. Por fim, sobre a qual somos mais favoráveis, a competência compreendida como um conjunto estruturado, holístico e integrado – que combina a perspectiva de um conjunto de atributos com o contexto. A competência é relacional, é uma combinação complexa de atributos (conhecimentos, atitudes, valores e habilidades) necessários para o desempenho profissional em situações específicas (Depresbiteris, 2001).

A tendência em definir a noção de competência, em torno de um conjunto estruturado, holístico e integrado e da ênfase sobre o contexto, por exemplo, é remarcada por Demailly (1987) quando define a competência profissional como um conjunto de saberes e de aptidões praticamente exigidas pelas situações profissionais. Altet (2001, p. 33) apresenta a competência profissional como o « conjunto de saber, saber-fazer, saber-ser, mas também aos « fazer » e « ser » necessários ao exercício da profissão docente. O MEDEF, (2002, p.19) define que a competência profissional é “uma combinação de conhecimentos, de saber fazer, de experiências e comportamentos que se exerce em um contexto preciso”.

Salvo as perspectivas de definição então apresentadas sobre a noção de competência, ressaltamos uma outra que faz referência à “mobilização de recursos internos e externos”.

Os recursos internos concebidos como aqueles de ordem pessoal, incorporados ao profissional. Como explica Perrenoud (2000, p.28) os recursos internos são: “as informações, saberes, esquemas, capacidades, competências mais específicas, mas também posturas, normas, valores e atitudes”. Compreende-se que sem tais recursos, não existiria competência. Sobre os recursos externos, põe-se em relevo que o equipamento a ser mobilizado pelo profissional para construir suas competências não é unicamente constituído de recursos incorporados a sua pessoa21. Ele comporta igualmente recursos externos situados em seu

21

Segundo Le Boterf (1998, p. 98) “a elaboração de representações operatórias e a imagem que o sujeito tem de si-mesmo é o que permite ao profissional querer e saber mobilizar de modo pertinente um conjunto de conhecimentos, saberes, saber-fazer, de habilidades, de qualidades pessoais, de experiências”.

meio. Para Le Boterf (1998, p. 133) os recursos do meio são aqueles de ordem externa aos sujeitos, de modo objetivo. Eles podem ser constituídos de máquinas, instalações materiais, informações, redes relacionais. O autor discute que o profissional não é competente sozinho; “ele é competente com seus bancos de dados, suas ferramentas de trabalho, seus colegas, os experts que ele pode consultar, suas redes de recursos, seus equipamentos, a rede de clientela, seus suportes institucionais” (idem, p. 134). Assim, enfatiza Le Boterf (2000, p.17) para agir com competência, “uma pessoa deve cada vez mais combinar e mobilizar não somente seus próprios recursos (conhecimentos, saber-fazer, qualidades...), mas igualmente os recursos de seu meio: redes profissionais, redes de documentos, banco de dados,...”

Ainda segundo Le Boterf (2010) a competência não é uma soma ou uma simples adição de recursos; nem também a competência se reduz aos recursos. Ou seja, uma competência pressupõe a existência de recursos mobilizáveis, mas não se confunde com os mesmos. Como explica Ramalho et. al. (2004, p. 76) “uma competência não é um saber, um savoir-faire, nem uma atitude, mas ela se manifesta quando um ator utiliza estes recursos para agir em um contexto”. Neste sentido, na afirmação de Tardif (2006, p. 15): “uma competência é um saber-agir complexo apoiado na mobilização e na combinação eficaz de uma variedade de recursos internos e externos no interior de uma família de situações”. Na afirmação de Jonnaert et. al. (2005) a competência é um por em prática por uma pessoa em situação, em um contexto determinado, de um conjunto diversificado, mas coordenado de recursos. Este por em prática repousa sobre a escolha, a mobilização e organização destes recursos e sobre as ações pertinentes que eles permitem por em tratamento o sucesso desta situação. Reforça este autor a competência como o resultado do tratamento concluído de uma situação por uma pessoa ou por um grupo de pessoas em um determinado contexto

Esse tratamento se baseia no campo das experiências vividas pelas pessoas em outras situações mais ou menos isomorfas àquela que é objeto de tratamento. Esse tratamento se apoia em um conjunto de recursos, de restrições e de obstáculos e em ações. O sucesso desse tratamento depende da pessoa ou do grupo, de suas experiências de vida, de sua compreensão da situação, da própria situação e do contexto, dos recursos disponíveis entre as circunstâncias da situação. (JONNAERT et. al., 2010, p. 69).

Por fim, gostaríamos de salientar que esta última definição de competência é aquela que nós compreendemos como a que mais se aproxima de nosso estudo a ser realizado na perspectiva das representações sociais, na medida em que põe em evidência aspectos como os recursos internos e externos do grupo profissional, mas também, o contexto social, as situações vividas e experenciadas. De outro modo, concordamos com Ramalho et. al. (2004, p. 75) que qualquer competência, por mais simples que seja, “constitui-se numa totalidade de

diversas e complexas dimensões. Uma pessoa não tem uma competência técnica isolada das dimensões social, politica, ética, etc.”. Desta forma, em complementariedade ao que já apresentamos até o momento, consideramos pertinente ainda frisar algumas dimensões relacionadas à noção de competência.