• Nenhum resultado encontrado

4. Economia Solidária

4.2 Economia Solidária: Teoria e Prática

4.2.5 Complexo Cooperativo de Mondragón: Um exemplo de prosperidade?

Segundo Singer (2002), trata-se provavelmente do maior complexo cooperativo do mundo que combina cooperativas de produção industrial e de serviços comerciais com um banco cooperativo, uma cooperativa de seguro social e diversas cooperativas dedicadas à realização de investigação tecnológica. A primeira cooperativa do complexo surgiu em 1956, com o nome de Ulgor, a partir de uma fábrica falida de fogões. Em uma época de grande expansão industrial em poucos anos a cooperativa tornou-se um dos cem maiores empreendimentos da Espanha.

Para limitar o tamanho das cooperativas, decidiram criar indústrias que produzissem insumos para Ulgor sob a forma de cooperativas independentes; formou-se então o primeiro grupo cooperativo. Em 1959, foi criado o banco cooperativo, denominado de Caja, para garantir a independência das cooperativas ante aos bancos. A Caja passou a prestar serviços de assistência social -- saúde, pensão e aposentadorias-- aos trabalhadores da cooperativa.

Desde antes a criação da primeira cooperativa, o mentor do projeto, padre Arizmendi, e seus discípulos tinham uma preocupação muito grande com o progresso técnico, por isso iniciaram a criação de uma escola técnica. Em 1968, criou-se o departamento de pesquisa, o que acabou acarretando posteriormente na formação da Universidade de Mondragón, que em 2001 possuía 3700 alunos. O grande investimento na educação e inovação técnica é provavelmente um dos aspectos que explicam o grande sucesso do complexo cooperativo.

Segundo Gallo (2003), além da educação, outros fatores influenciam na prosperidade do complexo, tais como:

• Laços múltiplos de mútua dependência entre produção, consumo, crédito e educação.

• Inserção em grupos econômicos que seguem a lógica da integração vertical.

• Existência de cooperação entre o Estado e os grupos de Mondragón

• Política de evitar o crescimento desmedido das suas cooperativas Este complexo é geralmente citado como um exemplo de como as cooperativas podem ser competitivas no mercado capitalista, ou seja, de que pode-se combinar um modelo de autogestão e conseguir eficiência de mercado internacional. Conforme aponta Singer (2002):

“O que torna Mondragón ainda mais notável é a aplicação coerente dos princípios do cooperativismo a todas estas sociedades: elas não empregam assalariados, a não ser em caráter excepcional” (Singer,

2002 pg.98).

Entretanto, não há consenso a respeito desta visão sobre Mondragón defendida por Singer (2002). Alguns autores questionam o quanto o complexo

cooperativo segue fielmente os princípios cooperativistas. Ortellado (2003), analisando os estudos sobre Mondragón realizados por Whyte & Whyte (1988) e Kasmir (1996), apresenta de como se dão as relações de trabalho no complexo cooperativo na prática.

Ortellado (2003) defende que é necessário olhar além dos direitos dos trabalhadores e verificar como se dá o funcionamento real, como são as relações entre os trabalhadores do chão de fábrica e os de gerência. Embora na teoria sejam todos trabalhadores iguais, verificou-se que na prática não o são. As diferenças encontradas baseavam–se essencialmente nos seguintes critérios: controle sobre o trabalho, classificação da atividade e diferença de renda.

Em relação á democracia interna verificou-se a realização de apenas uma assembléia anual, a qual era vista com indiferença pelos trabalhadores e acabava na prática a ser apenas um espaço de ratificação das decisões tomadas pela direção.

Em relação à autogestão, verifica-se que este princípio essencial da economia solidária acaba muitas vezes não sendo respeitado em Mondragón. A experiência cotidiana mostra a divisão existente entre gestores de um lado e trabalhadores de outro. Segundo Ortellado (2003), se não se abolir a distinção entre as tarefas de direção e tarefas de execução não se pode gerir democraticamente a produção. Um órgão eleito do chão de fábrica é apenas um ex-trabalhador.

Em relação à autogestão, é interessante observar a posição de Antônio Machado Lozano, Presidente da União de Cooperativas de Ensino da Espanha e Presidente da Confederação Espanhola de Empresas de Economia Social, que coloca:

“Os sócios por definição não têm que saber administrar a empresa, mas sim trabalhar em sua profissão; para administrar estão os profissionais da Direção de empresas, os economistas, os engenheiros, advogados, etc. e quando um sócio pretende compreender e dar sua aprovação ao que os gerentes fazem, produz-se uma quebra no funcionamento correto.” (LOZANO, 1997, pg. 136).

Nesta afirmação o autor deixa clara a necessidade de se separar quem planeja o trabalho e quem executa, o que vai contra os princípios da economia solidária, apontados por diversos autores, como Singer (2000), Gaiger (2003) e Eid (2003).

Além da autogestão, outros aspectos abordados por Ortellado (2003) foram em relação à desigualdade de renda e a precarização das condições de trabalho.

Embora quando fundada a primeira cooperativa do complexo, a Ulgor, foi definido que a variação entre a maior e a menor retirada não deveria exceder a razão de 1/3, diversas modificações ocorreram e em 1980, a diferença já era de 1/12. Após a reestruturação de 1990 que centralizou e profissionalizou a gestão do complexo, as diferenças são parecidas com as empresas capitalistas.

Quanto à precarização do trabalho dois aspectos merecem ser mencionados:

1. Indicadores mostram que há um enorme aumento no número de contratados assalariados, tendo já sido superadas as restrições iniciais de 10% de trabalho não cooperativado.

2. A expansão do grupo tem se dado com o deslocamento dos elos da cadeia produtiva para países periféricos que apresentam custos menores como a Argentina, o México, a Tailândia e o Egito. Nenhuma destas novas empresas fundadas em outros países é cooperativa.

Verificam-se distintas interpretações sobre o complexo cooperativo de Mondragón; muitas vezes citados como o exemplo da forma que a economia solidária pode ser competitiva no mercado capitalista e outras, como exemplo de como alguns princípios da economia solidária, como a autogestão e a democracia, não conseguem ser mantidos quando se está inserido em uma economia de mercado.

Ponderando-se os dois extremos, deve-se ter claro que esta experiência é inovadora e representativa merecendo ser amplamente estudada e debatida. Dela podem-se tirar exemplos da maneira que as cooperativas podem sobreviver e se expandirem em uma economia de mercado, como por exemplo, através das redes de cooperativas nos diversos elos da cadeia produtiva. Também se deve compreender os caminhos que levaram às contradições com os princípios cooperativistas, para que se possa buscar alternativas passíveis de conciliar a competitividade externa, como a democracia e autogestão interna. O que, sem dúvida, é um grande desafio a ser enfrentado.

No mundo todo existem outras experiências representativas no campo da economia solidária, como: Os Kibutzim Israelenses (Gomide, 2003), O Kholkoz Soviético e a Comuna Popular Rural Chinesa (Eid, 1998), o Grameeen Bank (Singer, 2002) e a União Geral de Cooperativas em Moçambique (Gallo, 2003). Entretanto

devido à amplitude do assunto, este trabalho se restringe a apresentar o desenvolvimento da economia solidária no Brasil. O qual, como pode ser visto na próxima seção, é bastante diversificado.