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2. O processo de construção de estratégias: uma diversidade de abordagens

2.6 Considerações Finais

Conforme visto, a literatura sobre o processo de formação de estratégias é bastante ampla, com uma vasta diversidade de abordagens e definições. A título de considerações finais, é interessante apresentar uma perspectiva histórica sobre como as abordagens evoluíram ao longo dos anos e como esta evolução aponta para a convergência entre as diferentes abordagens.

A figura 2.6 a seguir ilustra como foi o desenvolvimento de todas essas escolas ao longo dos anos, mostrando que, embora as abordagens prescritivas apresentem uma grande predominância em termos de publicações, principalmente antes da década de 80, as diferentes abordagens descritivas começam a ganhar espaço a partir desse período.

Fonte: Minzberg et al (2000) pag.190.

FIGURA 2.6: Evolução histórica das escolas descritivas

Mesmo sendo predominantes até os dias atuais, as escolas prescritivas foram objeto de muitas críticas e Mintzberg (1996, 2004) um dos críticos mais contundentes. Este autor identifica três aspectos críticos, considerados como pressupostos para as escolas clássicas de planejamento, que ele denomina de as “três falácias” do planejamento estratégico: predição, desligamento e formalização.

A predição se refere ao fato do planejamento trabalhar com um curso de ação inflexível baseado em suas análises e previsões sobre como se comportará o ambiente no futuro. O resultado do plano dependerá fortemente de quão bem foram feitas estas previsões. Nos últimos trinta anos, fatores como inovações tecnológicas, crises econômicas e o rearranjo mundial das instalações produtivas deixam evidente que

o ambiente se transforma rapidamente, impossibilitando as organizações de realizarem previsões precisas de longo prazo.

A segunda falácia – desligamento – refere-se à separação entre quem pensa e quem executa as atividades, não existindo ligação entre os estrategistas e os objetos de suas estratégias. Assim, todo acúmulo de conhecimento advindo da aprendizagem do dia-a-dia, seja na produção ou no contato direto com os clientes, não é levado em consideração no processo de construção de estratégias. Para Mintzberg, uma estratégia apropriada não pode ser concebida se não houver compreensão e apreciação do que está ocorrendo.

A terceira falácia se refere à formalização: o planejamento formal desencoraja a criatividade, imobiliza a estratégia em um curso fixo de ação. No processo de formalização, os dados perdem muito de sua riqueza e as necessidades dinâmicas do processo parecem ser violadas. Sistemas formais podem processar uma maior quantidade de informações, mas, no entanto, não podem internalizá-las, compreendê-las e sintetizá-las. O planejamento altamente detalhado feito a partir do desdobramento das estratégias de longo prazo em ações operacionais acaba criando um sistema inflexível de ações, o que impede a criatividade e a possibilidade de adaptações frente às novas condições do ambiente.

Entretanto, fica evidente que com a evolução da teoria clássica sobre planejamento, estas três falácias são superadas. Ao rebaterem as críticas, os autores clássicos passam a defender que o processo de construção de estratégias deve ser visto como algo mais complexo do que um processo analítico. Neste sentido, observa-se que o próprio Ansoff (1965), ao fazer uma atualização de seu livro Corporate Strategy, reconhece que este estaria desatualizado, por causa de sua preocupação quase que exclusiva com o raciocínio analítico:

“A experiência dos últimos trinta anos mostrou que o planejamento estratégico funciona muito mal, quando funciona, ao ser limitado à tomada analítica de decisões, sem o reconhecimento da grande influência exercida pela liderança, pela estrutura de poder e pela dinâmica da organização da empresa, tanto sobre as decisões quanto a sua implantação.” (Ansoff, 1991, pg.11).

Em livro mais recente, A Nova Estratégia Empresarial, Ansoff (1991) procura superar esta deficiência acrescentando uma segunda parte ao livro original, na qual apresenta as variáveis políticas, sociológicas e psicológicas inerentes ao trabalho da administração, compondo um processo de planejamento aliado à administração, denominado de Gestão Estratégica.

A partir da compreensão que diferentes variáveis, como o jogo de poder interno, o processo de aprendizagem, as mudanças no ambiente e a cultura organizacional irão influenciar consideravelmente a estratégia implementada pela organização, a nova tendência da literatura clássica sobre planejamento estratégico recomenda que estas variáveis sejam consideradas e trabalhadas durante o processo de formulação das estratégias. Ou seja, a evolução da teoria clássica passa a incorporar os elementos enfatizados pelas abordagens descritivas, verificando-se então certa convergência entre as abordagens prescritivas e descritivas.

A convergência entre as diferentes abordagens tem apontado para a necessidade de processos de construção de estratégias mais participativos, pois, enquanto a abordagem descritiva já pressupunha a participação, a abordagem prescritiva, ao incorporar as contribuições advindas das abordagens descritivas, também passa a apontar no mesmo sentido.

Em relação à abordagem descritiva, verifica-se que diversas escolas já traziam esta preocupação explícita com o aspecto coletivo da estratégia, suscitando o debate sobre a importância de processos mais participativos. Verificou-se que a escola da aprendizagem enfatiza que não apenas o líder, mas sim o sistema coletivo deve aprender. A escola política, por considerar a estratégia como um processo de negociação e jogo de poder interno das organizações, deixa evidente que o aspecto coletivo irá configurar a estratégia implementada. Além destas, a escola cultural também deixa evidente o aspecto coletivo do processo ao compreendê-lo como o resultado da interação social, baseados nas crenças e interpretações comuns aos membros de uma organização. Para a escola cultural a formação de estratégia torna-se a administração da cognição coletiva.

A evolução da abordagem prescritiva passa a reforçar também para a necessidade da utilização de processos mais participativos, pois somente a partir do envolvimento dos diferentes níveis organizacionais é que os aspectos culturais, políticos

e o conhecimento advindo do processo de aprendizagem, podem ser incorporados ao processo de construção de estratégias. Diversos autores destacam que a participação tende a gerar estratégias mais eficazes na medida em que o envolvimento não apenas aumenta o engajamento na implementação, mas possibilita a construção de estratégias mais adequadas ao ambiente no qual a organização está inserida, reduzindo-se a diferença entre as estratégias elaboradas e as realmente implementadas.

Uma tentativa de síntese do que foi discutido até aqui nos levaria a compreender que a literatura sobre planejamento estratégico, embora ainda bastante difusa em um grande leque de abordagens, tem apontado para a convergência das diversas abordagens, pois somente a partir da compreensão das contribuições das diferentes escolas pode-se compreender este complexo processo de formulação e/ou formação de estratégias. Verifica-se ainda que, como decorrência desta evolução, a participação é vista como uma forma de incorporar as contribuições das diferentes abordagens ao processo, buscando-se estratégias mais eficientes e eficazes.

Como decorrência desta nova tendência, observa-se que a figura tradicional do planejador tem sido gradativamente substituída pela do moderador. Um profissional que, dominando um conjunto de habilidades que pode ser bastante enriquecido pelas perspectivas das diferentes escolas, atua como facilitador dos processos de planejamento procurando conduzi-los de forma a criar condições para que os envolvidos com as decisões e sua implementação possam de fato entrar em um processo de reflexão, que tenha como resultado a formulação de um conjunto de estratégias.

Naturalmente, à luz do que foi discutido, este conjunto de estratégias pode, dependendo do contexto, ser mais ou menos detalhado. E, também em função desse mesmo contexto, pode, na medida em que se busca implementá-lo, alterar-se de forma significativa, independentemente das intenções que lhe configuraram o perfil inicial. Pode nem mesmo ter sido objeto de um processo de formulação, mas de uma mera adaptação ao que veio emergindo dentro da organização. Obras como a de Eden & Ackerman (1998), como veremos no próximo capítulo, voltam-se explicitamente para estas questões, propondo técnicas que procuram instrumentalizar formas de se incorporar os aspectos das abordagens descritivas nos processos de

formação/formulação de estratégias e de considerar as estratégias que emergem dentro das organizações. Tudo isso dentro de uma perspectiva participativa.

É importante salientar que, se na literatura de administração a participação surge como um elemento de aprimoramento dos processos decisórios (o que de fato é), em outros contextos, como os de movimentos de caráter mais comunitário, é vista sob a ótica emancipatória destas comunidades. Em outras palavras, a participação não é apenas uma forma de se conseguir aumentar o engajamento, facilitar o processo de aprendizagem e construir estratégias mais adequadas à realidade; a participação é vista como uma forma de distribuição de poder e de emancipação das pessoas envolvidas nos processos.

Dessa maneira, diversos métodos vêm sendo utilizados, tanto nos meios empresariais como em movimentos de organização popular, buscando estruturar a participação dentro do processo de formulação de estratégias. Para isto, estes métodos apresentam uma série de técnicas e ferramentas que procuram facilitar o processo de comunicação e estruturar o processo de forma à construção de estratégias adequadas às organizações e aos meios que estas se encontram. Alguns destes métodos serão abordados no capítulo seguinte.

3. Planejamento Estratégico Participativo