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4 Resultados e discussão

4.1 Complexos proteassomo bacterianos: expressão, purificação, cristalização e estrutura

Visando a obtenção das estruturas dos proteassomos de S. tropica buscamos estabelecer os protocolos de expressão e purificação para então tentar obter cristais difratáveis.

Para a expressão dos complexos 20S partimos do protocolo de expressão descrito na literatura (KALE et al., 2011). Mantivemos o meio de expressão, porém devido ao seu baixo rendimento, substituímos a cepa BL21(DE3) pela cepa Rosetta 2, a qual apresenta expressão aumentada de tRNAs de códons raros (AUA, AGG, AGG, AGA, CUA, CCC, GGA e CGG). Na Tabela 5 podemos ver que o genoma de S. tropica é rico em códons raros, particularmente os genes codificantes do proteassomo apresentam uma taxa ainda maior destes códons.

Tabela 5. Uso de códos raros em E. coli, S. tropica e em seus genes codificadores do proteassomo 20S. Em

vermelho estão destacados os códons raros que são mais frequentes em relação à frequência normal em E. coli.

Amino ácido

Códon E. coli (‰)* S. Tropica

(‰)** α – número total e (‰) β – número total e (‰) SalI – número total e (‰) Arg AGG 2,1 2,2 0 0 1 (3,55) Arg AGA 3,6 0,8 0 0 0 Ile AUA 6,8 0,7 0 0 2 (7,09) Leu CUA 4,2 3,6 0 0 1(4,16) Pro CCC 5,4 18,1 4 (14,44) 3 (10,60) 7 (24,82) Gly GGA 9,5 7,6 2 (7,07) 2 (7,07) 1 (7,22) Arg CGG 5,9 39,09 12 (43,32) 10 (35,46) 6 (21,35)

Fonte: *(http://www.genscript.com/cgi-bin/tools/codon_freq_table), **(http://www.kazusa.or.jp/codon/cgi- bin/showcodon.cgi?species=369723)

Após o estabelecimento do protocolo de expressão aprimoramos também o protocolo de purificação. Inicialmente as células eram purificadas em tampão 0,1M Tris pH 8,0 e 0,5M NaCl. Porém, após uma purificação inicial em tampão Tris realizamos um ensaio de Thermal Shift buscando o agente tamponante ideal para o complexo αβ assim como o melhor pH.

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Foi verificado que o proteassomo apresenta maior estabilidade em pHs próximos da neutralidade, já que pHs abaixo de 5,5 e acima de 7,5 apresentam um efeito desestabilizante ao proteassomo. Dentre os aditivos testados os que apresentaram melhores efeitos foram: glicerol (6%), isopropanol (10%), cloreto de cálcio (0,2M), DMSO (10 e 13%) e MPD (2%). Em contrapartida Zinco (6mM), PEG de baixo peso molecular (16%), arginina (50 e 100mM) e concentrações altas de MPD (superiores a 16%), ureia (1M) e DMSO (20%) mostram-se agentes desestabilizantes de proteassomo αβ de S. tropica.

Dessa forma, nas purificações seguintes substituímos o agente tamponante Tris utilizado na cromatografia de afinidade, pelo HEPES pH 7,5 (Figura 9). Embora pH mais ácidos apresentaram uma melhora na estabilidade da proteína, para a purificação utilizando coluna do tipo Ni-NTA o pH da solução tamponante não pode ser muito ácido, pois isso levaria a protonação das histidinas impedindo a ligação da proteína à resina. Porém, a diminuição do pH também é capaz de reduzir a ligação de proteínas inespecíficas, já que a ligação máxima ocorre em pH 8,0 (BORNHORST e FALKE, 2000). Dessa forma optamos pelo tamponante HEPES pH 7,5 para a etapa de afinidade, já que o tampão MES tem sua faixa de tamponamento até 7,1 e o HEPES apresentou melhor estabilidade que o Tris no TSA.

Figura 9. Cromatografia de afinidade dos complexos αβ e αSalI. A. Purificação do complexo αβ em tampão

Tris. B. Purificaçãodo complexo αβ em tampão HEPES. C. Purificação do complexo αSalI em tampão HEPES.

Pode-se verificar que nas frações de eluição a 250 mM há eluição das subunidades alfa (~27 kDa) e beta/salI (<27 kDa), com um grande excesso de alfas, provavelmente livres.

Desta forma, a cromatografia de exclusão molecular seria essencial para a purificação do complexo 20S puro e adequado para cristalização. A cromatografia de exclusão molecular foi também aprimorada, substituindo a coluna HiLoad 16/60 Superdex 200 pela coluna HiPrep 16/60 Sephacryl S-400. A última apresenta uma capacidade de separação de proteínas de 20 KDa a 8 MDa, enquanto a primeira tem um limite de 10 a 600 KDa, sendo que o complexo 20S apresenta um peso molecular superior a 700 KDa.

α

β α

β

α Sa l I

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Na cromatografia de exclusão molecular pudemos trocar pelo tampão ideal (MES pH 6,5) já que nesta etapa a protonação das histidinas não afetaria a cromatografia, pois a cromatografia de exclusão molecular não é dependente da cauda de histidina (Figuras 10 e 11). Após a cromatografia de exclusão molecular as frações mais puras – contendo o complexo de interesse – foram concentradas até concentrações entre 15 a 30 mg/mL.

Para verificação da homogeneidade das proteínas, realizamos ensaios de Dynamic Light Scattering (DLS), nos quais pudemos verificar que os complexos proteicos estavam monodispersos e com o tamanho esperado (Figura 12).

Figura 10. Cromatografia de exclusão molecular do complexo αβ. A. Em azul, a absorção a 280 nm, em

vermelho, as frações de eluição, em destaque na caixa vermelha a região de eluição do complexo 20S, o segundo pico corresponde às subunidades alfa livres.. B. SDS-PAGE das frações cromatográficas.

Figura 11. Cromatografia de exclusão molecular do complexo αSalI. A. Em azul, a absorbância a 280 nm; em

vermelho, as frações de eluição; em marrom, a condutividade (mS); em destaque na caixa vermelha a região de eluição do complexo 20S, o segundo pico corresponde às subunidades alfa livres. B. SDS-PAGE das frações da cromatografia.

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Figura 12. DLS dos proteassmos αβ (A) e αSalI (B). As medidas foram realizadas em um Zetasizer Nano

(Malvern – LEC, LNBio), amostras a 2mg/mL, a 20°C.

O processo de purificação do proteassomo αβ apresentou um rendimento máximo de 5 mg de proteína pura cada litro de cultura. Por outro lado, o proteassomo αSalI apresentou um rendimento de apenas 0,4 mg por litro, supomos que haja um menor rendimento para a expressão da subunidade SalI pela maior presença de códons raros, além do pró peptídeo ter baixa semelhança ao da subunidade β podendo assim podendo ter uma auto clivagem menos eficiente.

As proteínas então foram submetidas a testes de cristalização na facility de cristalização de macromoléculas do LNBio, utilizando os kits iniciais para cristalização: Crystal Screen I &

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II, Wizard I & II, JCSG+ (Sparte matrix screens), Precipitant Synergy™, PACT (Rational screens) e Salt Rx (Single-precipitant Grid Screens). O proteassomo αSalI foi submetido apenas aos kits Crystal Screen I & II e PACT devido ao seu baixo rendimento. Dado o insucesso nos kits triados e a dificuldade da obtenção de grandes quantidades do proteassomo αSalI focamos no complexo αβ em um primeiro momento, uma vez que as condições de cristalização do complexo αβ poderão auxiliar na obtenção da condição de cristalização ideal para o αSalI.

Para o complexo αβ purificado foram também realizados ensaios de cristalização em uma matriz focada partindo das condições de cristalização dos complexos proteassomo de M. tuberculosis e R. erythropolis. Estas condições continham 0,1 M Citrato de trisódio (pHs variando de 4 a 6,8), PEG6000 (concentrações variando de 8 a 23%), na ausência ou presença de 100 mM Glicina ou 100 mM NaCl. Alguns cristais foram obtidos, particularmente nas condições utilizando o aditivo glicina, porém os cristais apresentaram baixo poder de difração, com pontos de difração predominando na baixa resolução (dados não mostrados).

Foram obtidos cristais do proteassomo αβ nos kits do RoboLab: Crystal Screen, Preciptant Synergy, PACT e Wizard I e II (Figura 13). Os cristais de proteassomo não fluorescem em luz UV devido à ausência de triptofanos em sua estrutura. Dessa forma, para confirmar se os cristais obtidos eram de sais ou de fato da proteína era necessário o uso de fontes ionizantes. Os cristais do complexo  obtidos nas diferentes condições de cristalização foram testados na linha MX-2. Incialmente, foram obtidos pequenos cristais na condição de cristalização B11 do kit Crystal Screen I (Figura 13A) (0,2M Cloreto de magnésio,; 0,1M HEPES pH7,5; 30%(v/v) PEG400), os quais apresentaram padrão de difração em baixíssima resolução, porém que nos permitiu assegurar que eram cristais de proteína (dados não mostrados). Em seguida foram obtidos cristais maiores e com morfologia 2D (placas) na condição C8 do kit Preciptant Synergy (20,1%(v/v) PEG 1500 6,7%(v/v) isopropanol; 0,1M cloreto de cálcio; 0,1M Imidazol H6.5). Estes cristais difrataram a 6,5 Å (Figura 13B). Mais tarde, foram obtidos cristais na condição B11 do kit PACT, os quais demoraram mais de 5 meses para se formarem. Esta condição foi refinada, variando a faixa de pH do agente tamponante assim como a concentração do agente precipitante, podendo-se obter cristais mais rapidamente (cerca de 3 dias). Estes cristais apresentaram melhora no padrão de difração – apesar de bastante anisotrópico como usualmente ocorre em cristais do proteassomo – tendo difração máxima em 3,6 Å (Figura 13C).

Bem recentemente foram obtidos cristais na condição G7 do kit Wizard I e II (1M citrato de trisódio, 100 mM Tris-HCl pH 7,0 e 200 mM cloreto de sódio). Estes cristais apresentaram melhora significativa da difração, com resolução máxima de 2,8 Å (Figura 13D).

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Dois conjuntos de dados de cristais da condição G7 Wizard I e II foram coletados na linha MX-2 do LNLS. Para estas coletas foi utilizado glicerol 13% como crioprotetor. No primeiro conjunto de dados foram coletados 180°, sendo uma imagem para cada 0,2°, exposta por 4,8s, totalizando 900 imagens de difração. Para o segundo conjunto foram coletados 360°, sendo uma imagem para cada 0,2°, exposta por 4,8s, totalizando 1800 imagens de difração. Os dados foram processados utilizando o pacote XDS. Os parâmetros da coleta e estatística do processamento dos dados encontram-se na Tabela 6.

A análise da cela unitária indicou a presença de 14 subunidades do proteassomo (um anel de 7 subunidades α e um anel de 7 subunidades β) na unidade assimétrica, assim como observado para o proteassomo de Rhodoccocus (o qual foi utilizado como modelo de faseamento). No momento da redação deste documento foram realizadas tentativas de substituição molecular com o programa Phaser (MCCOY et al., 2007), utilizando um modelo de homologia da subunidade alfa e beta. Este modelo foi obtido com o servidor Phyre2 a partir da sequência primária da subunidade alfa e da subunidade beta (KELLEY et al., 2015). Como comentado anteriormente, o proteassomo procariótico contém apenas um tipo de subunidades alfa e um tipo de subunidades beta. Desta forma, para a substituição molecular, realizamos a busca por 7 subunidades alfa e 7 subunidades beta na unidade assimétrica, o que repr esentaria um anel alfa e um anel beta. Neste caso em particular um eixo de simetria geraria o outro par de anéis, formando o complexo  de S. tropica. A substituição molecular foi também realizada utilizando as partícula 20S dos proteassomo de M. tuberculosis (PDBid 3MI0) e R. erythropolis (PDBid 1Q5Q) como modelos (ensambles), os quais apresentam 55 e 65% de identidade ao proteassomo  de S. tropica. Foram também construídos os anéis alfa e os anéis beta da partícula 20S do proteassomo de S. tropica, com base na partícula 20S de R. erythropolis. Estes últimos também foram usados como modelos em nossas tentativas de substituição molecular.

Foi possível encontrar uma boa solução para o faseamento da estrutura do proteassomo de S. tropica por substituição molecular utilizando a busca por 7 subunidades alfa e 7 subunidades beta. As coordenadas resultantes desta solução estão compostas por 1 anel alfa e 1 anel beta, como previsto (Tabela 6).

Estas coordenadas foram então utilizadas para o refinamento de corpo rígido da estrutura. Neste caso, o programa phenix.refine foi utilizado e cada uma das 14 subunidades foram definidas como corpos rígidos. Os valores do Rfactor e Rfree obtidos neste primeiro

refinamento foram respectivamente: 37% e 38% para o conjunto 1 (resolução = 2,9 Å) e 35% e 36% para o conjunto 2 (resolução = 3,0 Å).

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Como perspectiva deste trabalho continuaremos o refinamento e realizaremos a análise desta estrutura inédita, bem como a comparação desta com estruturas do proteassomo já disponíveis. Também, os protocolos de cristalização e determinação estrutural utilizados neste projeto para este complexo bacteriano, poderão também ser utilizados como base para novas tentativas de obtenção de cristais e da estrutura do complexo 20S do proteassomo resi stente αSalI.

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Figura 13. Cristalização dos proteassomo de Salinispora tropica A. Primeiras formações cristalinas obtidas dos

proteassomo αβ e αSalI, obtidos através dos kits iniciais. B. Cristais obtidos com o screening de kits iniciais, o cristal apresentou uma difração de apenas 6,5 Å. C. Cristais obtidos após aprimoramento do processo de purificação e refinamento manual da condição B11 do kit PACT. Nesse momento os cristais passaram a apresentarm uma difração de 3,6Å. D. Após meses de incubação houve a formação de cristais na condição G7 do kit Wizard I e II (1 M citrato de trisódio, 100 mM Tris-HCl pH 7,0 e 200 mM Cloreto de sódio) com uma difração de 2,8Å.

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Tabela 6. Estatísticas do processamento dos dados de difração do cristal do proteassomo , obtido na condição de cristalização contendo 1 M citrato de trisódio, 100 mM Tris-HCl pH 7,0 e 200 mM cloreto de sódio. Os dados entre parêntese indicam a estatística para a faixa de maior resolução.

Parâmetro/Estrutura cristalina  cj1  cj2 Coleta de dados Linha MX2, LNLS MX2, LNLS Comprimento de onda (Å) 1,459 1,459 Extensão de resolução (Å) 30-2,8 30-2,9 Parâmetros cristalinos Grupo pontual C222 C222

Constantes da cela unitária a/b/c (Å)

Constantes da cela unitária α /β /γ (⁰) 143,05/ 176,01/ 325,55 90,0 / 90,0 /90,0

142,32/ 175,7/ 325,31 90,0 / 90,0 /90,0 Redução dos dadosa

Extensão de resolução (Å) 30-2,9 30-3,0

Alta resolução (Å) 3,0-2,9 3,2-3,0

No. Observações 492503 (28680) 1064420 (72419)

No. Observações únicasa 85553 (5779) 80649 (5779)

Completeza (%) 94,0 (86,5) 99,6 (97,2)

Rmerge (%)b 10,3 (84.9) 25,0 (175,9)

I/σ (I) 12,99 (1,71) 10,7 (1,4)

CC(1/2) 99.7 (73,6) 99.6 (68,6)

Faseamento

Número de subunidades na unidade assimétrica 14 14 % de solvente / Matthews coef./ probabilidade 56,06/2,80/ 0,99 56,06/ 2,80/0,99 TFZ/ LLG da melhor solução 46.3/ 2126 50.2/ 3151

Grupo espacial C2221 C2221

Dimensões da cela unitária (a/b/c) 141,77/175,14/324,48 142,32/175,70/325,31 Refinamento

Extensão de resolução (Å) 30,0-3,0 (3,08-3,00)

No. refl. grupo de trabalho 80533 (5379)

No. refl. grupo teste 1996 (136)

Número de átomos (todos) 23525

Número de átomos (solvente) 0

Completeza (%) 99,62 R-factor (%)c 35,14 (44,84) R-free (%)d 36,41 (47,68) RMS bond (Å) / (°)e 0,009/ 1,377 B-factor médio(Å2) 63,22 Ramachandran (%)f 94,07/ 5,15/ 0,79

a Pares de Friedel foram tratados como reflexões idênticas;

b Rmerge(I) = ΣhklΣj | [I(hkl)j - <I(hkl)>] |/Σhkl Ihkl , onde I(hkl)j é a medida da intensidade da reflexão hkl e <I(hkl)> é a média da intensidade;

c R-factor = Σhkl |(|Fo| - |Fc|)|/ Σhkl|Fo|, para o grupo de trabalho, correspondente a 95% dos dados; d R-free = Σhkl |(|Fo| - |Fc|)|/ Σhkl|Fo|, para o grupo teste, correspondente a 5% dos dados;

e Desvio dos comprimentos de ligações/ângulos ideais; f Número de resíduos em regiões favored/allowed/outliers

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A B

C D

Figura 14. Estrutura cristalográfica do proteassomo αβ de Salinispora tropica. A. Mapa de densidade

eletrônica faseado e refinado (refinamento inicial por corpo rígido do conjunto 2). B. Mapa sobreposto ao modelo atômico obtido (C-alfas). C. Mapa sobreposto ao modelo atômico obtido (todos os átomos). D. Unidade assimétrica do cristal ortorrômbico do proteassomo alfa-beta de Salinispora tropica com detalhes para o anel de subunidades alfa e entrada do canal do substrato (painel esquerda) e ao complexo 20S em visão lateral (painel da direita). Neste último caso a partícula 20S foi gerada por simetria, onde as subunidades simétricas são mostradas em cinza. As figuras foram geradas no programa Coot.

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