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CAPÍTULO I DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

4. Complicações da extrema judicialização das questões habitacionais 50.

Primeiramente, é necessário expor que existe a diferença entre Direito à Moradia e Política Pública habitacional, ainda que ambos os conceitos estejam realizados. Isso a fim de deixar evidente ao leitor o objetivo da presente pesquisa, de aferir como duas Cortes Constitucionais se propõem a efetivar o referido Direito.

Diante disso, O Direito à Moradia, conforme exposto no decorrer deste capítulo, não significa somente um lugar de abrigo, mas precisa ser compreendido como um direito à moradia adequada e digna, garantindo plena proteção e desenvolvimento de outros direitos e da dignidade da pessoa humana. Assim, é dever do Estado atuar como prestador deste Direito e quando ele opta por não agir – enfrentando o problema do déficit habitacional existente – ele, consequentemente, acaba permitindo o agravamento da situação.

Nesse sentido, é preciso definir que Políticas Pública são programas de ação governamental que resultam de processos juridicamente regulados. Esses processo podem ser processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial e objetivam coordenar os

119 LEAL, Saul Tourinho. África do Sul Connection 40. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/Africa/103,MI227170,21048-Africa+do+Sul+Connection+n+40>. Acesso em 20 set. 2018.

meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.120

Dessa maneira, embora as políticas públicas façam parte de atos discricionários, os objetivos delas são juridicamente vinculantes e isso tende a diminuir a margem de liberdade deixada ao Poder Executivo. Em caso de discricionariedade excessiva ou insuficiente, o Poder Judiciário é acionado para analisar a escusa do descumprimento e, se for o caso, impelir o Estado a cumprir a medida necessária e de forma adequada para a concretização do direito.121 É essa atuação que é o objeto de estudo, sem adentrar ao mérito de controle jurisdicional das Políticas Públicas.

Outrossim, existe uma tese que, de acordo com Tushnet, afirma que há dois modelos de se enxergar direitos: direitos fortes e tribunais fracos ou direitos fracos e tribunais fortes.122 No Brasil, o Direito à Moradia, segundo Vanice do Valle pode ser qualificado inicialmente como direito forte, eis que revestido de eficácia imediata, mas na realidade, ele não se apresenta como tal, devido à falta de densidade na cláusula constitucional correspondente, que não esclarece qual seja o agir estatal que a dimensão objetiva desse mesmo direito reclame.123

Nesse sentido, é necessário lembrar que os Direitos Fundamentais sociais que, outrora, na década de 1990, não estavam colocados como uma questão relevante ou prioritária para o STF passam a ser protagonistas de alguma maneira. Assim, a partir dos anos 2000 estes direitos passaram a ter algum destaque na Corte.

No plano mais concreto das instituições brasileiras, a intensa verticalização da jurisdição constitucional contribuiu tanto para a proteção dos Direitos Fundamentais. No entanto

120 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 39.

121SOARES, Christiane Júlia Ferreira. Direito à Moradia e Políticas Públicas Habitacionais: uma crítica da atuação do Estado na efetivação do direito fundamental. Disponível em: < http://www.fumec.br/revistas/pdmd/article/view/5055/2605>. Acesso em 18 nov. 2018.

122 TUSHNET, Mark. Weak courts, strong rights. Judicial review and social welfare rights in comparative

constitutional law. United States: Princeton University Press, 2008.

123 DO VALLE, Vanice Regina Lírio. Direito à Moradia no Brasil e na Colômbia: uma perspectiva comparativa em favor de um construtivismo judicial. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b6090cd636e93a4a>. Acesso em 04 out. 2018.

dependendo da forma como se da a atuação do Judiciário brasileiro, isso também pode de maneira paradoxal debilitar essa proteção.124

Isso ocorre porque a crescente judicialização das questões habitacionais acaba demandando a atuação das Cortes Constitucionais e a consequente confiança na capacidade decisória e deliberativa das mesmas. A impugnação judicial de uma decisão administrativa traz implícita ou explicitamente essa confiança – ou, em alguns casos, a esperança – de que o judiciário possa oferecer uma solução melhor que a adotada pela administração pública.125

No entanto, existe um complicador nessas decisões acerca da prestação de políticas públicas, como as de promoção do Direito à Moradia. Frequentemente, quando não se é possível chegar a uma solução ideal para determinado problema, o first-best, é melhor que ao menos se pense na melhor solução possível para determinada questão, o second-best. Entretanto, não sendo as Cortes Constitucionais ou o poder judiciário os mais capacitados tecnicamente para lidar com determinados assuntos, esse second-best pode seguir preceitos errados.

A fim de exemplificar de maneira clara o disposto no parágrafo anterior, no presente estudo, se sabe que a solução ideal para a entrave da falta de moradia é a construção de casas em locais adequados que promovam uma situação de vida digna aos seus habitantes, ou seja, a criação de moradias adequadas para todos os cidadãos. Entretanto, o Estado não tem recursos financeiros para arcar com todos os custos que tal medida demandaria. Dessa maneira, as instituições vão pensar em meios de garantir o Direito da melhor forma possível, o second-

best.

Ocorre que quando uma Instituição não tem a devida capacidade institucional de lidar com assuntos muitos específicos, ela pode partir de uma lógica equivocada para a resolução de um litígio. Então a Corte Constitucional brasileira, nesse exemplo, não sendo o órgão mais capacitado para a efetivação do Direito à Moradia poderia construir um ideal de second-best

124 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. O judiciário como impulsionador dos direitos fundamentais: entre fraquezas e possibilidades. Revista da Faculdade de Direito-RFD-UERJ - Rio de Janeiro, n. 29, jun. 2016. P. 141 125 SOUZA, Fábio. Quem deve decidir? Confiança na Aptidão Decisória como critério de definição dos limites do controle judicial das decisões administrativas. Alteridade. Curitiba. 2018. P. 102.

que segundo autores como Sustein e Vermule126 estaria baseado na lógica da proximidade com a first-best decision, o que nem sempre é verdade. Podendo assim, haver resultados incoerentes e inseguros por falta de capacidade institucional do julgador.

Dessa forma, segundo esses autores, a melhor decisão possível não deriva necessariamente de uma aproximação com a melhor decisão. Uma instituição mais capacitada tecnicamente para lidar com as questões habitacionais, então, poderia ser capacitada para ter essa visão e fazer um esforço que partisse de uma lógica diferente, com critérios distintos daquele que indica a aproximação em relação a melhor decisão abstratamente considerada e assim concretizar a melhor decisão possível.

126 SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. Interpretation and institutions. In: Public law and legal theory working paper nº 28. The Law School – The University of Chicago, 2002. Disponível em: < https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=320245> . Acesso em 18. set. 2018.

CAPÍTULO II - O ESTUDO COMPARADO COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE