• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

3. O Direito à Moradia na África do Sul 42.

Não se pode iniciar um tópico acerca do direito à moradia na África do Sul sem antes analisá-lo sob a ótica histórica desse país, marcada por episódios que vão, desde um colonialismo de exploração ao apartheid vivenciado durante tanto tempo - acesso à propriedade, à moradia era racialmente determinado nesse período.

3.1 Período Pré-Apartheid

Primeiramente, é importante expor que a África do Sul é um país localizado na região austral africana, com população atual de cerca de 56,4 milhões de pessoas e taxa de crescimento populacional de 1,08% ao ano.88Além disso, o primeiro contato com

colonizadores datam de 1488, um período que obteve duração de metade do século XVII até o fim do século XX.

O poder colonial se firmava por meio de três características básicas: a criação de políticas e atos econômicos que permitiram a superioridade dos colonizadores em relação às populações nativas; os colonizadores limitaram o acesso a terra, à água e ao gado e os diversos grupos nativos (posteriormente também os estrangeiros) foram transformados em força de trabalho. Logo, o poder político, econômico e militar da minoria branca determinou o destino da sociedade sul-africana por quase 350 anos.89

87 DO VALLE, Vanice Regina Lírio. Controle Judicial de Políticas Públicas: Sobre os riscos da vitória da semântica sobre o normativo. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 396, julho/dezembro de 2013.

88 Countrymeters - População da África do Sul. Disponível em: <http://countrymeters.info/pt/South_Africa>. Acesso em 20. set. 2018.

89 VISENTINI, Paulo F. e PEREIRA, Ana P. A nova África do Sul: política, diplomacia e sociedade (1994- 2010). África do Sul: História, Estado e Sociedade, organizado por Paulo Gilberto Fagundes Visentini e Analúcia Danilevicz Pereira. 1ª ed. Brasília: FUNAG, 2010, cap.3, p.65-98.

Nesse sentido, o que sustentava todos os aspectos econômicos na África do Sul era a escravidão, bem como a servidão que contavam com a crescente discriminação e exploração na região. Os colonizadores holandeses acabaram instituindo um sistema mercantil entre os séculos XVII e XVIII e mais tarde os britânicos um sistema capitalista no século XIX90.

A dominação britânica foi sucedida por uma espécie de “colonialismo interno” com o controle político pelos Afrikaners - Sul-africanos descendentes de alemães, franceses e, principalmente holandeses91- criando um sistema de opressão institucionalizado contra a maioria negra e, em menor medida, mestiça e asiática, que foi tolerado pelo Ocidente durante a Guerra Fria. 92

Nesse sentido, fundada como um porto colonial britânico, a cidade de Port Elizabeth, por exemplo, representou um dos principais locais na África do Sul, onde o desenvolvimento da segregação espacial ocorreu por meio de contornos raciais.93 Em 1834, missionários fundaram uma espécie de conjunto habitacional numa área separada, perto do centro da cidade para as comunidades indígenas sob seus cuidados.94

Além disso, muitos africanos quando não eram abrigados por seus empregadores se viam na obrigação de se mudarem para uma área regulamentada pela administração da cidade e construir suas próprias moradias.95 Inclusive, em 1883, foi instituída uma lei na região que

autorizava as realocações dos moradores. 96

90 “Quando os holandeses fecharam a Companhia das Índias em 1795, as forças inglesas tomaram o controle da região do Cabo. Os britânicos devolveram o poder aos holandeses no breve período de 1803 a 1806, mas depois resolveram tomá-lo novamente.” História da África do Sul. Disponível em: < http://www.africadosul.org.br/historia>. Acesso em 20 set. 2018.

91 RICHARD, Katherine Schulz. Afrikaners: Afrikaners are Dutch, German, and French Europeans Who

Settled in South Africa. Disponível em: <https://www.thoughtco.com/afrikaners-in-south-africa-1435512>.

Acesso em 20 Set. 2018.

92 VISENTINI, Paulo F. e PEREIRA, Ana P. A nova África do Sul: política, diplomacia e sociedade (1994- 2010). África do Sul: História, Estado e Sociedade, organizado por Paulo Gilberto Fagundes Visentini e Ana lúcia Danilevicz Pereira. 1ª ed. Brasília: FUNAG, 2010, cap.3, p.65-98.

93 PHILIP, David. Homes Apart South Africa’s segregated cities. Ed. Anthony Lemon. 1991. P. 44. 94 Ibidem. p. 43.

95 Ibidem.

96 STRAUSS, Margot. A right to the city for South Africa’s urban poor. Disponível em: < file:///C:/Users/Thatyane/Downloads/strauss_right_2017.pdf>. Acesso em 20 set. 2018.

Na virada do século, a disseminação de doenças infecciosas por toda a parte urbana influenciou o estabelecimento de instituições e marcos legais que aumentaram a tensão racial. O desenvolvimento residencial era segregado em termos do “pânico moral e histeria racial” dos brancos que cada vez mais relacionavam a presença de pessoas negras em áreas urbanas com pobreza, doença e crime.97 Isso resultou inclusive em uma série de remoções forçadas de

pessoas negras nas áreas urbanas da África do Sul.

Nesse período, é importante destacar também que fatores como a industrialização, o desenvolvimento econômico e a rápida urbanização facilitaram grande parte dessa segregação.98 Grande parte da população migrava para as cidades a fim de alcançarem melhores condições de vida. Portanto, o controle espacial representa uma significante parte da história Sul-Africana.

3.2 A questão da habit ação e o Apartheid

No século XX, a África do Sul vivenciou uma cruel ideologia conhecida como

apartheid, em um período entre 1948 e 1994 e isso muito influencia não somente na temática

da moradia, como na dos Direitos Sociais em seu todo. Durante esse período, a discriminação racial era institucionalizada.

Primeiramente, é importante mencionar que a utilização da palavra raça iniciou atrelada a uma conotação negativa, usada para fazer referência ao que era julgado como algo ruim e discriminado: os judeus e os mouros.99 Além disso, diversos episódios de crueldade por questões raciais ocorreram e ocorrem no mundo, o apartheid foi um deles.

O início se deu com os jovens afrikaners que iam estudar na Europa e voltavam repletos de ideias baseadas na ideologia de pureza racial vindas do nazismo. Embora não tivessem a intenção de extermínio de raças, havia a certeza, por parte desse grupo da população de que o

97 MAYLAM, Paul. Explaining the Apartheid City: 20 Years of South African Urban Historiography. Journal

of Southern African Studies, v. 21, n. 1, Special Issue: Urban Studies and Urban Change in Southern Africa. mar.

1995. pp. 19-38. Taylor & Francis, Ltd. Disponível em: < http://abahlali.org/files/maylam.20yearson.pdf>. Acesso em 20 set. 2018.

98 STRAUSS, Margot. A right to the city for South Africa’s urban poor. Disponível em: < file:///C:/Users/Thatyane/Downloads/strauss_right_2017.pdf>. Acesso em 20 Set. 2018.

99 Alguns autores inclusive narram que nessa classificação da espécie humana, encontravam-se seis “raças”: “a europeia, ameríndia, asiática, selvagem e monstruosas. LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações internacionais. Barueri, SP: Manole, 2005, p. 55.

fato de brancos e negros possuírem culturas e crenças diferentes era a razão pela qual eles deveriam viver de forma separada. Pensamentos como esse foram disseminados por praticamente todo o país e quase todos os afrikaners.

Em 1948, o Partido Nacional, composto por integrantes adeptos da separação racial, venceu as eleições, e o novo Primeiro Ministro passou a ser Daniel François Malan.100 Suas propostas de campanha eleitoral eram: acabar com os últimos laços entre a União da África do Sul e a Coroa Britânica e estabelecer constitucionalmente um desenvolvimento separado entre brancos, coloureds101 e negros.

Essa divisão ia muito além da determinação da utilização de espaços públicos e privados. A legislação do apartheid previa e regulava diversas ações cotidianas dos sul- africanos negros, que iam desde a sua circulação no país,102até a regulação de sua vida familiar e a disposição de terras.

Durante esse período, houve uma concentração de desigualdade, pobreza e privação dos negros de frequentarem determinadas áreas reservadas a negros, gerando assim uma separação espacial e social até hoje permanecem em grande parte da África do Sul. Uma considerável variedade de estatutos aplicáveis a terra – esta demarcada e controlada – foram redigidos.

Nesse aspecto, as leis103 foram fundamentais para facilitar a realidade de uma minoria

branca da população: eles obtinham a maior parte das terras, enquanto a maioria da população, negra, era disposta em espécies de campos étnicos ou em homelands, dormitórios.104Estes espaços ampliavam ainda mais toda a segregação existente no país.

100 South African History Online. Daniel Francois Malan. Disponível em: <https://www.sahistory.org.za/people/daniel-francois-malan>. Acesso em 20 set. 2018.

101 Grupo étnico de pessoas miscigenadas com ancestrais da África subsaariana são descendentes de negros (khoisan e bantus), de brancos e às vezes também de asiáticos. Disponível em: < https://www.britannica.com/topic/Coloured>. Acesso em 20 set. 2018.

102 DA FONSECA, Danilo Ferreira. Direitos Humanos na África do Sul: entre o apartheid e o neoliberalismo. Projeto História, São Paulo, nº 51. 2014. P. 20.

103 “The Group Areas Act 41 of 1950, the Prevention of Illegal Squatting Act 52 of 1951, and the Physical Planning Act 88 of 1967 were instrumental in facilitating the restructuring of apartheid urban areas.” STRAUSS, Margot. A right to the city for South Africa’s urban poor. Disponível em: < file:///C:/Users/Thatyane/Downloads/strauss_right_2017.pdf> Acesso em 20 setembro 2018.

104 DUGARD, Jackie; CLARK, Michael; TISSINGTON, Kate e WILSON, Stuart. The right to housing in

South Africa. socio-economic rights in South Africa. Fundação de Direitos Humanos. Disponível em: <

É relevante observar que homelands eram estados independentes em que cada africano era atribuído para o governo de acordo com o registro da ordem a fim de que esses africanos fossem cidadãos da homeland e não da África do Sul. Restringindo, dessa maneira, seus direitos políticos.105

Nesse interim, é possível notar que a cor da pele definia o grau de importância do indivíduo na sociedade, sob uma ótica de supremacia branca. Havia uma Lei de Registro Populacional para dividir as pessoas pela raça e classificá-las no próximo censo, por um cartão de identidade, de modo que pais e filhos podiam ser distribuídos para bairros diferentes, de acordo com a raça que fosse definida.106

Essa política impactou tanto nas moradias dos sul-africanos que havia a Lei de Áreas de Agrupamento que dispunha que cada indivíduo deveria viver em um bairro de acordo com a sua raça, bem como impediu o acesso a determinados lugares de pessoas de algumas etnias de várias áreas urbanas.107

Não obstante, a supracitada lei ainda tornava legal a expulsão de milhares de pessoas de terras valorizadas e das suas casas nos centros das cidades, por todo o país - afastando para sempre famílias e amigos - à força, em áreas chamadas de townships, estas eram reservadas às comunidades não brancas nas periferias das cidades.108 Inclusive morar numa área sem

permissão era considerado crime.

Nesse sentido, os negros não podiam ser proprietários de terras, não tinham direito de participação na política e diante disso, eles acionaram o Congresso Nacional Africano - CNA, uma organização negra clandestina, que tinha como líder Nelson Mandela. O CNA optou pela

105 DEANA, Davidson F.; TOZZINI, Patrícia; ABIKO, Alex Kenya. Política Habitacional na África do Sul. Disponível em: <https://www.yumpu.com/pt/document/view/12940578/politica-habitacional-na-africa-do-sul- gestao-pcc-5839>. Acesso em 22 set. 2018.

106 CARVALHO, Larissa. 70 anos. Relembre o regime do Apartheid. Disponível em: < https://www.opovo.com.br/jornal/dom/2018/06/70-anos-relembre-o-regime-do-apartheid.html>. Acesso em 22 set. 2018.

107 Conferência Ministral da Organização da Unidade Africana em janeiro de 1981. Banjul, Gâmbia. Disponível em: < https://14minionuoua1981.wordpress.com/2013/08/01/as-leis-do-apartheid/>. Acesso em 22 set. 2018. 108 Estrutura do apartheid persiste ainda no District Six. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/estrutura- do-apartheid-persiste-ainda-no-district-six/a-19042026>. Acesso em 22 set. 2018.

luta armada contra o governo branco, o que fez com que Nelson Mandela fosse preso em 1962 e condenado à prisão perpétua. Isso tornou o apartheid mais forte e violento.

Já na década de 70, o regime do apartheid foi diretamente afetado devido ao fim do império português na África, haja vista que suas colônias conquistaram a independência, além da Revolução dos Cravos. A África do Sul estava fortemente envolvida nas lutas de independência de Angola e Moçambique e tendo esses países conquistado suas independências, a África do Sul se viu forçada a se envolver no conflito instaurado. Esse novo contexto levou o país a rever sua política externa dando início a um período conhecido como

détente.109

A transição do regime do apartheid a um regime democrático na África do Sul não foi dos mais pacíficos, mas pode ser considerado um grande momento político. A comunidade internacional e a Organização das Nações Unidas - ONU faziam pressão pelo fim da segregação racial. Em 1991, o então presidente Frederick de Klerk se viu em uma situação complicada a qual o levou a condenar oficialmente o apartheid e libertar os líderes políticos, entre eles Nelson Mandela.

O governo democrático assumiu o poder em 1994 e teve que gerir uma situação muito complexa. Se por um lado herdou a mais desenvolvida das economias africanas, herdou também grandes problemas socioeconômicos, incluindo um alto nível de desemprego, índices alarmantes de pobreza, alta concentração de renda, além de intensa violência.110

3.3 O Pós-Apartheid

O período de democracia que sucede o apartheid teve como seu marco inicial a abertura do parlamento em fevereiro de 1990 e a reabilitação do Congresso Nacional Africano

109 Representava a tentativa de desenvolver uma tática diplomática capaz de realçar o papel da África do Sul como mediador regional e também restabelecer a segurança no subcontinente africano mediante a organização de uma estrutura federativa de Estados negros, com governos moderados, mas dependentes política e economicamente de um único Estado branco, do qual emanariam a liderança e os recursos necessários para o desenvolvimento da África Austral. BAHIA, Luiz Henrique Nunes. A Política Externa da África do Sul: da internacionalização à globalização. In: GUIMARÃES, 2000. p. 130.

110 VISENTINI, Paulo F. e PEREIRA, Ana P. A nova África do Sul: política, diplomacia e sociedade (1994- 2010). África do Sul: História, Estado e Sociedade, organizado por Paulo Gilberto Fagundes Visentini e Analúcia Danilevicz Pereira. 1ª ed. Brasília: FUNAG, 2010, cap.3, p.65-98.

(ANC)111 e do Partido Comunista, entre outras organizações anti-apartheid. Em 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela foi libertado da prisão, num contexto em que se aboliam as leis remanescentes que apoiavam a prática segregacionista.112

Com a instituição de um governo democrático, a quinta Carta Magna do país foi elaborada pelo parlamento eleito em 1994 nas primeiras eleições pós-apartheid. Foi sancionada então a Constituição da República da África do Sul de 1996 pelo presidente Nelson Mandela em 10 de dezembro de 1996, tendo entrado em vigor em 4 de fevereiro de 1997.113

Como espinha dorsal da dimensão jurídico-política de uma nova África do Sul, a Carta Fundamental traz a pretensão de criar uma sociedade baseada em valores democráticos, justiça social e direitos humanos.114 Nesse sentido, a Constituição Sul-africana traz consigo a inclusão de um expressivo número de direitos fundamentais de natureza socioeconômicas, isso de modo a estimular uma mudança social por meio de processos políticos não violentos e fundados na Rule of Law.115

Nesse diapasão, ainda que a referida constituição garanta a todos o direito ao acesso à moradia adequada e estabeleça que o Estado deve ser responsável pela legislação e execução de Políticas Públicas que promovam esse direito. Nas principais cidades em áreas pós-

apartheid, as áreas urbanas, as classes médias embora mais diversificadas, os negros

111 O Congresso Nacional Africano (ANC) é um movimento e partido político da África do Sul que foi fundado em 1940, com a proposta de defender os direitos da população negra do país. Desde o fim do apartheid, em 1994, o ANC (African National Congress) é o principal partido político da África do Sul, sendo apoiado pela aliança com Congresso dos Sindicatos Sul-africanos e o Partido Comunista Sul-Africano. Nelson Mandela foi a figura mais influente do partido. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/congresso-nacional-africano- anc/t-36853558>. Acesso em 22. nov. 2018.

112 DO VALLE, Vanice Lírio e HUNGRIA, Ana Luisa Hadju. Implementação gradual de direitos socioeconômicos: um exercício hermenêutico de construtivismo constitucional na Corte Constitucional Sul- Africana. Revista Jurídica Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro controle judicial de políticas públicas no brasil e no exterior. DGJUR – DIJUR. DGCOM. Edição Especial. 2013. P. 2.

113 DAVIES, Matthew. Mandela mudou economia da África do Sul, mas desigualdade avança. Bbc News. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131209_mandela_economia_rp>. Acesso em 22. Set. 2018.

114 DO VALLE, Vanice Lírio e HUNGRIA, Ana Luisa Hadju. Implementação gradual de direitos socioeconômicos: um exercício hermenêutico de construtivismo constitucional na Corte Constitucional Sul- Africana. Revista Jurídica Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro controle judicial de políticas públicas no brasil e no exterior. DGJUR – DIJUR. DGCOM. Edição Especial. 2013. P. 3.

115 KLARE, Karl. Legal Culture and Transformative Constitutionalism. South African Journal on Human

Rights. 1998. p. 146 e ss. Disponível em: <

continuam marginalizados economicamente e alienados culturalmente dos sistemas legais (acesso à moradia, currículos escolares, serviços básicos, como água e eletricidade).

Nessa perspectiva, inúmeras famílias nesse período posterior ao fim do apartheid passaram a viver em cabanas sem o mínimo de condições humanas de higiene, saúde e alimentação, e não tendo uma moradia digna oferecida e garantida pela Constituição Sul- africana. Assim, uma parcela da população resolveu invadir terrenos particulares para ali construírem suas moradias, ou barracos.116

No que tange ao texto constitucional, a Parte A da Seção 4 no Capítulo da Constituição elenca o direito à moradia, desenvolvimento urbano e rural, o desenvolvimento de um planejamento regional e outros direitos.117 Sendo importante destacar, no entanto, que os principais princípios, políticas e escolhas e leis de implementação para habitação estão contidas no Código Nacional de Habitação.

Cabe destacar ainda que a Corte Constitucional da África do Sul possui um objetivo considerado por muitos como sendo transformador. A constituição dessa nação possui uma seção hermenêutica que determina o modo de interpretação da declaração de direitos. Ela também busca promover valores que subjazem em sociedade aberta e democrática, baseada na dignidade humana, na igualdade e na liberdade. Além disso, em decisões que as Cortes se baseiam na Constituição, os juízes observam também a aplicação do direito internacional e o direito estrangeiro.118

Cabe destacar também que o constitucionalismo no país abraçou a cultura do ubuntu -

ubuntu ngumuntu ngabantu, motho ke motho lo batho ba bangwe – que significa que um ser

116 SIQUEIRA, Jeferson Nelcides De Almeida Dirceu Pereira. Direito À Moradia – Uma Visão Comparada da Suprema Corte Brasilieira e Sul-Africana a Partir do Grootboom Case. Eficácia de direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais. organização CONPED. P. 399. Disponível em: < https://www.conpedi.org.br/publicacoes/roj0xn13/e7x5ou99/7d3JkMhmsYf9r92s.pdf>. Acesso em 19 set. 2018. 117 DUGARD, Jackie; CLARK, Michael; TISSINGTON, Kate e WILSON, Stuart. The right to housing in

South Africa. socio-economic rights in South Africa. Fundação de Direitos Humanos. Disponível em: <

https://www.fhr.org.za/files/8515/1247/1750/Housing.pdf> . Acesso em 20 set. 2018.

118 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Perdão é argamassa social na África do Sul. Revista Consultor Jurídico. 2010. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2010-out-10/constituicao-estrutura-perdao- argamassa-social-africa-sul >. Acesso em 20 set. 2018.

humano é um ser humano por causa dos outros seres humanos.119 Isso influenciou diretamente dos casos envolvendo os Direitos Sociais e em especial casos emblemáticos na temática de Direito à moradia que serão estudados no último capítulo.

Portanto, esse breve aspecto histórico trazido para a pesquisa é essencial a fim de entender como a Corte Constitucional Sul-Africana tenta efetivar o direito à moradia. Isso ocorre porque todos os episódios marcantes nessa história apontam para um país que, assim como o Brasil, foi marcado por uma colonização de exploração e por outras influências. Além disso, as influências do regime de apartheid estão enraizadas na sociedade de hoje, existindo