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6. A PRÁTICA DA AVALIAÇÃO DE IMPACTOS CUMULATIVOS SOBRE A

6.1. Potenciais impactos cumulativos sobre componentes ambientais relacionados à

6.1.2. Componente ambiental relevante: vegetação

A mudança de uso do solo para a implantação das áreas de cultivo de cana-de-açúcar também pode impactar espécies vegetais em fragmentos florestais devido à supressão de indivíduos arbóreos nas áreas agrícolas.

A supressão de árvores isoladas nos canaviais tem sido uma prática comum do setor, por serem consideradas obstáculos à mecanização da colheita de cana-de-açúcar. Entretanto, a manutenção de indivíduos isolados na paisagem tem sua importância, pois exercem a função de trampolins ecológicos ou pontos de ligação, aumentando a permeabilidade da matriz cana- de-açúcar, favorecendo os fluxos biológicos e contribuindo para a conservação da biodiversidade, visto que a áreas de cultivo apresentam diversidade reduzida de organismos, além de baixa similaridade florística e fisionômica com o habitat natural (VON GLEHN, 2008).

Nesse sentido, as árvores isoladas podem ser caracterizadas como pequenas áreas de habitat dispersas em uma matriz, sendo importante para a locomoção de espécies em uma paisagem fragmentada, bem como para a disseminação de sementes, possibilitando o estabelecimento de espécies vegetais (METZGER, 1999).

Sendo assim, as árvores isoladas têm importante valor ecológico, pois beneficiam a diversidade de vegetais na paisagem; fornecem habitat para animais, como pássaros e morcegos, que também utilizam as árvores isoladas para a dispersão de sementes; aumentam a fertilidade do solo; e contribuem para a conectividade da paisagem (MANNING; FISCHER; LINDENMAYER, 2006; MANNING; LINDENMAYER, 2009).

Diante do apresentado, a ausência de árvores isoladas em uma paisagem fragmentada pode ocasionar a redução de populações de vegetais e isolamento reprodutivo em fragmentos florestais, além do aumento da endogamia, com a consequente perda da variação genética e redução do valor adaptativo, visto que há uma redução na habilidade de se adaptar às mudanças ambientais que ocorrem. Ademais, a perda da diversidade genética pode aumentar a suscetibilidade de extinção de algumas populações (FRANKHAM; BALLOU; BRISCOE, 2008).

As principais consequências genéticas para as populações de pequeno tamanho são o aumento da deriva genética (mudança aleatória na frequência de alelos) e da endogamia (pela autofecundação ou por meio de cruzamentos endogâmicos). A deriva genética, por alterar a distribuição da variação genética, e a endogamia, pelo aumento da homozigose, podem influenciar os padrões de diversidade genética e os valores adaptativos das populações reduzidas em fragmentos florestais. Assim, ressalta-se que os animais que utilizam as árvores isoladas para forrageamento têm importante função na dispersão de sementes em fragmentos vegetais isolados, favorecendo o fluxo gênico de populações vegetais, com o consequente aumento da variabilidade genética (ELLSTRAND; ELAM, 1993). Como exemplo, as aves frugívoras têm grande destaque no processo de dispersão de sementes, e de modo consequente, na manutenção de população vegetais. A alteração nesse processo ou função desempenhada pode ocasionar impactos tardios sobre as características de um ecossistema ao longo do tempo (TREWEEK, 1999).

Desse modo, há uma relação positiva entre a abundância e a riqueza de aves frugívoras e a manutenção de populações vegetais em fragmentos florestais, como também a recuperação de áreas degradadas (GARCÍA; MARTÍNEZ, 2012), pela função ecossistêmica desempenhada pelas aves com a dispersão de sementes.

Considerando que as áreas de cultivo de cana podem ser caracterizadas como um ambiente de menor riqueza e abundância de espécies, quando comparadas com outros ambientes como as pastagens, que apresentam significativa abundância e riqueza de espécies (PENTEADO, 2006), faz-se necessária a adoção de iniciativas que conciliem a mecanização das áreas de cana com a manutenção dos indivíduos arbóreos isolados.

Outra fonte geradora de impacto que pode afetar os componentes ambientais relacionados à vegetação, além da fauna terrestre, é a queimada da palha da cana-de-açúcar que, quando do seu alastramento, tem como principal consequência a perda de habitats e refúgio para as espécies e perda de cobertura vegetal.

O fogo pode ser considerado uma reação química que altera a estrutura da vegetação, tornando-se um problema quando escapa de seu propósito, podendo causar graves danos ambientais (COCHRANE, 2003), como destruir fragmentos florestais adjacentes às áreas de cultivo de cana. Além disso, a queimada da cana pode ocasionar tanto a perda de habitat como a morte de animais, os quais utilizam os canaviais para a nidificação ou alimentação, (PACHECO; SANTOS, 2013).

O Protocolo Agroambiental estabelecido em 2007 entre o governo, usinas e fornecedores de cana-de-açúcar, teve como propósito desenvolver ações que estimulem a sustentabilidade da cadeia produtiva de açúcar, etanol e bioenergia, considerando dentre outros pontos, a necessidade da antecipação dos prazos de eliminação da queima da palha da cana visando a redução dos impactos ambientais e sociais do setor, tendo como base o estabelecido pela Lei Estadual n° 11.241/2002, regulamentada pelo Decreto Estadual n° 47.700/2003. A mesma estabeleceu que o método de pré-colheita deveria ser eliminado gradativamente até 2021, em áreas mecanizáveis, e até 2031, em áreas não mecanizáveis, com declividade superior a 12% e/ou menor de 150 hectares.

Considerando os desafios atuais, foi firmado um novo acordo em 2017, o Protocolo Etanol Mais Verde, que definiu dez Diretrizes Técnicas que devem ser atendidas pelas usinas e fornecedores de cana signatários. Em relação à queimada da cana, a diretriz determina a necessidade de eliminar o emprego do fogo nas áreas mecanizáveis e não mecanizáveis, antecipando os prazos para a eliminação gradativa da queima. Assim, as unidades de processamento da cana devem considerar os seguintes prazos: (i) nas áreas mecanizáveis, com declividade até 12%, antecipação de 2021 para 2014; e (ii) nas áreas não mecanizáveis, com declividade superior a 12%, de 2031 para 2017. Já os fornecedores de cana: (i) nas áreas

mecanizáveis, com declividade até 12%, superiores a 150 hectares, antecipação de 2021 para 2014; (ii) nas áreas mecanizáveis, com declividade até 12%, inferiores a 150 hectares, antecipação de 2031 para 2017; (iii) nas áreas não mecanizáveis, com declividade superior a 12% antecipação de 2031 para 2017. Ainda, ressalta-se que os novos signatários do protocolo devem atender à exigência de realizar a colheita da cana integralmente sem o uso da queima da palha de cana (SÃO PAULO, 2017).

De modo complementar, é definido que os fornecedores de cana que detenham um total de até 150 hectares de área de colheita poderão apresentar um plano de adequação de metas, diante da impossibilidade técnica e econômica para a realização de 100% de colheita crua, contendo um cronograma de adequação da técnica da colheita.

A continuidade da previsão do fim da queima da palha é uma importante iniciativa que tende a minimizar os impactos sobre a biodiversidade provenientes das áreas de cultivo de cana, e assim, reduzir o potencial de formação dos impactos cumulativos relacionados.