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2. LEITURA MUSICAL À PRIMEIRA VISTA – LMPV

2.3 ASPECTOS COGNITIVOS DA LEITURA MUSICAL À PRIMEIRA VISTA

2.3.3 Componente Mnemônico

participantes que relataram praticar essa habilidade com alguma frequência. Banton concluiu que a ausência de um treinamento em leitura gerou uma necessidade excessiva de controle dos movimentos das mãos no instrumento, impedindo que os olhos se mantivessem apenas na partitura enquanto as mãos exploravam livremente o teclado.

Palmer e Meyer (2000) ao realizarem uma pesquisa que utilizou um paradigma de transferência20 de movimentos no aprendizado de melodias desconhecidas dos participantes, constataram que informações relativas aos padrões motores de uma determinada sequência de notas e seus aspectos conceituais da notação musical foram preservados de forma independente na memória. Concluíram também que quanto maior a idade e a experiência musical adquirida, mais os músicos tendem a se guiar pelo aspecto conceitual da partitura do que no aspecto motor. Esse estudo demonstrou que, quando o padrão de digitação ou de notas foi similar entre duas melodias, mais rapidamente os indivíduos conseguiram executá-las, sendo que os participantes iniciantes dependeram mais da transferência motora do que os músicos experientes. A produção dos movimentos para os experts mostrou-se independente do processo de transferência, e mais relacionado com os aspectos abstratos e conceituais da representação gráfica das notas. Complementarmente, outro estudo de Meyer e Palmer (2003) concluiu que uma sequência de movimentos é armazenada na memória independentemente da duração entre eles.

2.3.3 Componente Mnemônico

Este componente trata do reconhecimento e da relação dos padrões visuais com os padrões aurais e motores. A revisão de literatura apresentada até o momento permitiu constatar que os pré-requisitos necessários para o desenvolvimento da LMPV (referências aurais, motoras, conhecimento de linguagem e estilo) utilizam amplamente os diferentes níveis estruturais da memória. Dessa forma, abordarei tangencialmente os aspectos relacionados à estruturação da memória. O termo “memória”, tanto quanto “memorização”, são categorias definidoras de pesquisas na área de Práticas Interpretativas cuja temática é a investigação de processos de memorização de música, conforme Gabrielsson (2003).

De modo geral, a memória humana armazena uma informação específica de duas formas interdependentes: a partir das memorizações de curto prazo, e de longo prazo (BARETTA,

20 De acordo com Meyer e Palmer (2003) acessar informações armazenadas na memória a partir de experiências prévias, permite o leitor à primeira vista transfira o aprendizado passado para a obra que está lendo pela primeira vez. Segundo os autores, as informações relacionadas a uma sequência de movimentos são armazenadas na memória independentemente do timing entre os mesmos, e quanto maior a semelhança de uma sequência de movimentos entre dois materiais musicais, mais fácil é a execução devido à transferência de informação motora (PALMER; MEYER, 2000).

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2003). A memória de curto prazo possui uma capacidade reduzida de armazenamento de informações. As informações ali processadas permanecem em uma escala de tempo pequena cuja duração pode variar entre 4 a 30 segundos (COWEN apud SNYDER, 2009). Nas habilidades de leitura musical à primeira vista e de improvisação, a memória de curto prazo desempenha uma importante função, pois “através dela as informações recebidas pelos sentidos do tato, audição e/ou visão são armazenadas, processadas e relacionadas com conhecimentos já existentes na memória de longo prazo” (SNYDER, 2009, p.124). A memória de longo prazo é ilimitada e capaz de armazenar diferentes tipos de informações. É neste nível da memória que se armazenam as informações relacionadas com o exercício de tocar uma música do início ao fim. Sua função é fornecer uma moldura comportamental, criando uma memória geral dos eventos necessários à realização do discurso musical (motores, auditivos). A memória de longo prazo é associativa, ou seja, um grupo de itens é relacionado por associação, que se estruturam como um único item na memória de longo prazo. Dessa estruturação associativa cunhou-se o termo chunk, cujo conceito é: três ou quatro itens contidos na memória de longo prazo e relacionados entre si por associação (MILLER apud SNYDER, 2009). Se a informação de entrada for exclusivamente tátil e auditiva, esta será essencial na construção da representação mental da música, entretanto, Snyder (2009) acredita que a aprendizagem não será efetiva excluindo-se a utilização da memória visual da notação musical (SNYDER, 2009, p. 128).

Quando um expert desempenha uma atividade de LMPV, ele acessa uma função estrutural da memória humana denominada memória de trabalho. Essa função, utilizada em alto nível pelos experts, permite que durante a tarefa de LMPV eles acessem em alta velocidade qualquer informação ou conteúdo que estejam armazenados na memória de longo prazo. No entanto, isto só é possível dentro de um determinado estilo ou linguagem de domínio (THOMPSON, LEHMAN, 2004). Conforme citado anteriormente, leitores proficientes possuem a capacidade de reter uma quantidade maior de informação visual na memória. Logo, processam e relacionam uma quantidade maior destas informações de uma única vez, e com isso, podem antecipar uma série de aspectos motores e aurais adquiridos pela experiência musical também de uma só vez.

Nessa direção, o estudo exploratório de caráter experimental de Pike e Carter (2010) investigou a influência do processamento dos parâmetros ritmo e alturas por agrupamentos (chunking) durante a prática de LMPV. Os participantes dessa pesquisa eram alunos universitários com dois anos de estudo de piano, ainda em fase de desenvolvimento de suas habilidades motoras e de leitura musical, e foram divididos em dois grupos: controle e experimental. O grupo experimental foi dividido em dois subgrupos, onde foram aplicados exercícios rítmicos para um, e melódicos para o outro. Constataram-se diferenças significativas

entre o pré-teste e o pós-teste, havendo melhora no desempenho da leitura de ritmos e na fluência musical no subgrupo experimental que trabalhou aspectos relacionados ao ritmo. No outro subgrupo, cujos exercícios enfatizaram aspectos relativos às alturas, observou-se melhora no desempenho dos três aspectos (notas, ritmo e fluência musical). O grupo controle, não beneficiado com qualquer tipo de exercício prévio, apresentou melhora somente na leitura de notas. A partir disso, pode-se deduzir que dependendo do aspecto trabalhado durante um estudo prévio de LMPV, é possível alcançar diferentes tipos de ganhos, confirmando resultados anteriores que indicaram que um recurso visual está ligado a uma habilidade motora necessária à sua execução. Pike e Carter (2010) acreditam que o ritmo é um aspecto mais inerente ao indivíduo, e dessa forma, o enfoque dado às alturas traria maiores ganhos no que se refere à fluência musical envolvendo altura e ritmo.

Pastorini (2016) destaca que a memorização deliberada da informação visual está relacionada com a memória conceitual, qual seja, aquela que associa o conhecimento semântico das estruturas que delineiam a música. Por exemplo, reconhecer na notação musical um arpejo ou uma escala, prevendo o tipo de movimento e sonoridade através de um recall visual, auditivo e motor da memória de longo prazo (PASTORINI, 2016, p.13).

A partir do exposto sobre as diferentes características inerentes à LMPV, pode-se questionar, do ponto de vista da aprendizagem, se há uma sequência lógica para desenvolver essas ações a fim de que o indivíduo seja capaz de alcançar um nível satisfatório de execução dessa habilidade. Até o momento, pode-se concluir que só é possível manter um fluxo constante de movimentos a partir de previsões e expectativas sobre qual o tipo de movimento é necessário para gerar o som representado na sua forma gráfica. Para tal, é necessário que haja um grau de familiaridade com a simbologia gráfica da notação musical, que permita reconhecer os elementos estruturais constituintes de uma determinada linguagem musical, o que implica em reconhecê-la como tal. Assim, mesmo que na forma gráfica a música se apresente inédita para o leitor, será possível, por transposição associativa, relacionar, compreender e executar o novo texto musical, uma vez que a linguagem contida ali lhe seja familiar. Em outras palavras, a familiaridade com um determinado estilo permite que o músico crie expectativas aurais quando da audição (e mesmo da leitura) de uma obra composta dentro da mesma linguagem do referido estilo. O estudo apresentado por Banton (1995) averiguou também a influência da remoção do controle auditivo em uma tarefa de LMPV com pianistas, e concluiu que sua ausência não apresentou diferenças significativas se comparadas ao teste de leitura em condições normais. A hipótese levantada pelo autor diz respeito à finalidade com que este controle é utilizado, variando de acordo com o nível de habilidade do músico. Pianistas mais habilidosos tendem a utilizar esse tipo de controle para corrigir possíveis desvios no plano inicial de execução

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estabelecido, demonstrando ampla capacidade de representação mental do som. Pianistas menos habilidosos só alcançam esse tipo de controle enquanto a demanda de produção de movimentos está dentro de um limite aceitável (BANTON, 1995). Todas essas questões estão relacionadas à utilização da memória musical no que se refere ao conhecimento de estilos, textura musical, reconhecimento de padrões maiores, dentre outras, indicadas na partitura.

Uma vez que esta pesquisa engloba estudantes universitários em processo de formação técnico-musical, considerei importante fornecer um panorama sobre fatores que podem incidir no desempenho da leitura musical à primeira vista. Dentre eles destacam-se os aspectos relacionados à notação musical (elementos e estruturas musicais) e do processo de aquisição de leitura musical.