• Nenhum resultado encontrado

CONCEITOS E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA LMPV

2. LEITURA MUSICAL À PRIMEIRA VISTA – LMPV

2.2 CONCEITOS E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA LMPV

sistematicamente desenvolvem um trabalho apoiado nos métodos ativos como preparação para o ensino de instrumento" (FONTERRADA, 2005, p. 108). Essa constatação pode ser um dos fatores que levam os músicos a acreditarem que ser proficiente na leitura musical à primeira vista é apenas um processo limitado à decodificação ou interpretação de signos, mesmo com toda a dificuldade que estes apresentam (FIREMAN, 2010).

2.2 CONCEITOS E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA LMPV

A expressão leitura musical à primeira vista remete-nos à idéia de que o performer deve tocar uma partitura que nunca tenha visto. De acordo com o Dicionário Oxford de Música, a leitura musical à primeira vista é a técnica de executar uma peça musical desconhecida tendo como referência apenas a notação musical, sem o auxílio da audição de uma gravação ou de outro intérprete que toque a música. Pace (1999), Fireman (2008) e Bucher (2009) também concordam com essa definição, e acrescentam que a leitura musical à primeira vista é uma habilidade de ler e tocar obras musicais sem provar ou praticar preliminarmente no instrumento (PACE, 1999).

Em inglês, a terminologia correlata para designar a atividade de leitura musical à primeira vista é encontrada nos diversos referenciais como sight-reading (para revisão ver Lehmann e McArthur, 2002), tendo como definição o ato de tocar, por partituras, música desconhecida7.

A habilidade de ler música à primeira vista tem sido foco constante em pesquisas de psicólogos e pedagogos da música desde a década de 1970. Inicialmente, as pesquisas de John Sloboda8 (1974a; 1977; 1993) e Sloboda et al. (1998), buscavam compreender quais habilidades físico-motoras eram responsáveis pelo alto desempenho de músicos durante a leitura musical à primeira vista, com especial foco sobre os movimentos oculares relacionados aos erros de leitura. Em seu livro “A Mente Musical” Sloboda (2005) discorreu sobre os processos de aprendizagem da leitura musical, tecendo um paralelo entre linguagem verbal e a música. O segundo capítulo destinado a essa discussão, quase em sua totalidade, é organizado em torno da subdivisão da linguagem e da música em três componentes: fonologia, sintaxe e semântica. A respeito da linguagem musical, objeto da leitura musical à primeira vista, o autor declara:

7 “Sight-reading: playing unfamiliar music from scores” (SOLOMON, 2002).

8 John Sloboda é professor internacionalmente conhecido por suas pesquisas no campo da psicologia da música. É autor de mais de 100 publicações na área, tendo como importantes referências para a área os livros: A Mente Musical (1985), Explorando a Mente Musical (2005) e Psicologia para Músicos (2007). Em 2008, tornou-se professor emérito na Keele University, onde atuou como professor e pesquisador durante 34 anos no Departamento de Psicologia.

'%

A fonologia se refere à maneira como uma variedade potencialmente infinita de sons é ‘recortada’ em um número finito de categorias sonoras discretas, que constituem as unidades comunicativas básicas. A sintaxe concerne a maneira como essas unidades são combinadas em sequências [...] A semântica preocupa-se com a maneira como as sequências construídas veiculam sentido. Combinações particulares e fixas de unidades fonológicas podem ter significados fixos, mas é característica tanto da linguagem quanto da música que o significado também seja veiculado pela ordenação e combinação dos elementos em sequências mais longas (SLOBODA, 2008, p.17, tradução nossa).

Isto significa dizer que a um determinado estímulo visual inédito resulta uma série de movimentos necessários à produção do som através do instrumento musical ou do canto. Pode-se deduzir, portanto, que tal ineditismo ocorre parcialmente, uma vez que parto do pressuposto de que haja para o leitor certo grau de familiaridade com a simbologia da escrita musical. Além disto, o músico necessita decodificar a notação em movimentos, presumindo-se que existam expectativas de certos padrões motores inerentes à manipulação de um instrumento musical, para que seja possível a expressão musical de uma determinada linguagem. Assim, a leitura musical à primeira vista tem seu início efetivo não somente a partir do momento em que o indivíduo consegue decifrar os símbolos musicais, mas também quando este consegue prever os aspectos aurais e motores da obra, conferindo a eles significado.

Embora a definição mais utilizada para leitura musical à primeira vista seja a descrita por Gabrielsson (2003), que refere-se à habilidade de tocar música através da partitura sem nenhuma prática prévia do material pelo músico, combinando leitura e produção de movimentos com o objetivo de criar uma execução musical, Thompson e Lehmann (2004), embora concordem com a definição anterior, propõem outro entendimento que também define a habilidade de ler música à primeira vista. Os autores acreditam que qualquer execução musical pela leitura direta da partitura pode ser considerada como sendo ‘leitura musical à primeira vista’. A partir dessa definição, os autores atribuíram a essa habilidade uma função de ferramenta, através da qual o músico pode nortear o seu estudo, ou sua interpretação. Dessa forma, serve também como um auxílio no processo de recordação dos aspectos aurais, motores e expressivos da obra musical, e também como ferramenta de apoio para a execução de uma obra preparada em um curto espaço de tempo.

Segundo Lehmann e McArthur (2002), há o entendimento de que a leitura musical à primeira vista também possa ocorrer sem haver obrigatoriamente o som como resultante, (como por exemplo, a partir da leitura silenciosa). Neste cenário toma-se como exemplo a figura do regente9. Considerando que este nem sempre tem a orquestra a sua disposição, pode utilizar a

9 Assim como a LMPV pode auxiliar regentes em seus estudos técnicos, o referencial teórico deste estudo reconhece que há outros tipos de LMPV. A LMPV coletiva, quando ocorre em grupos como a orquestra, por exemplo, apresenta outras variáveis que podem interferir no desempenho da LMPV, visto que a LMPV acontece

'&

leitura como uma ferramenta para o ensaio dos movimentos apropriados a sua condução, utilizando a notação musical com o recurso de treinamento dos padrões motores e de geração de expectativas aurais.

Para Lehmann e Kopiez (2009), “leitura musical à primeira vista é a execução – vocal ou instrumental – de longos trechos musicais não (ou pouco) ensaiados, a um andamento aceitável e expressão adequada” (LEHMANN; KOPIEZ, 2009, p.334, tradução nossa10). Essa definição é ainda mais específica, pois considera também o andamento e expressividade como elementos importantes a serem contemplados durante a primeira leitura. Dentro dessa perspectiva, amplia-se o hall de faculdades cognitivas e fisiológicas necessárias ao proficiente leitor, tornando o desenvolvimento dessa habilidade ainda mais desafiador. Isso posto, Lehmann e McPherson (2002) postulam que o performer deve dominar outras habilidades durante a leitura musical à primeira vista, tais como percepção, cinestesia, memória e gerenciamento na resolução de problemas (LEHMANN; McPHERSON, 2002). Essas outras habilidades que envolvem a ‘expressão adequada’ mencionada anteriormente como necessária por Lehmann e Kopiez, e que contemplam aspectos como a compreensão de estilos, de linguagens, de padrões motores, e da própria simbologia da notação musical adotada em uma determinada linguagem musical, são pré-requisitos para alcançar um grau satisfatório de leitura. Portanto, nesta pesquisa, considera-se a leitura musical à primeira vista uma performance11cuja interpretação é feita simultaneamente à leitura de uma obra desconhecida e que pressupõe uma exequibilidade momentânea e primeira de uma obra musical, sem preparação prévia ao instrumento, ou seja, executada pela primeira vez. As capacidades e habilidades cognitivas que estão incorporadas ao ato de ler à primeira vista, são geralmente adquiridas a partir da experiência12 e compreensão prévia de elementos musicais e técnico-instrumentais, e contribuem significativamente para a melhor ou pior performance, a maior ou menor capacidade de leitura, e uma coerente interpretação musical.

ao mesmo tempo com vários instrumentistas, como a manutenção do andamento, e as interações entre vários sujeitos realizando uma tarefa de LMPV. No entanto, essa variedade de contextos práticos de LMPV não serão abordadas nessa pesquisa.

10 Sight-reading is the execution — vocal or instrumental — of longer stretches of non- or under-rehearsed music at an acceptable pace and with adequate expression (LEHMANN; KOPIEZ, 2009, p.334).

11 Performance aqui é entendida como execução instrumental; a ação de tocar um instrumento.

12 De acordo com Sloboda (2012), quanto maior a experiência de leitura musical adquirida, maiores serão as chances de realizar uma LMPV satisfatoriamente. De acordo com a definição de LMPV adotada por esta pesquisa, que pressupõe a leitura e execução aprima vista, entendemos que ter fluência na leitura musical apenas, não garante a execução fluente, uma vez que a técnica instrumental auxiliará a execução do que se lê.

''