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CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.6. BIOMOLÉCULAS ASSOCIADAS À PAREDE CELULAR E SEU USO NA PRODUÇÃO

2.6.5. Componentes da cutícula das plantas

A cutícula das plantas está composta por cutina e cera. As ceras podem estar embebidas dentro da cutina continuando como uma camada amorfa na superfície da planta, ou a cutina pode estar embebida na cera. Também a cera pode ficar em camadas dando uma estrutura lamelar a cutícula. A cutina é composta pelas famílias de ácidos graxos C16 e C18 na forma hidroxilada. A família C16 predomina em órgãos vegetais que se expandem rapidamente, enquanto que em órgãos de crescimento mais lento uma

mistura das duas famílias é encontrada. (POST-BEITTENMILLER, 1996;

KOLATUKKUDY, 1980).

Dentre os componentes da cutícula das plantas, somente as ceras têm sido utilizadas como barreiras contra a migração de umidade na elaboração de filmes e coberturas comestíveis. Já os ácidos graxos C16 e C18 presentes na forma hidroxilada na

cutina das plantas (KOLATTUKUDY, 1980) não foram utilizados, mas os ácidos graxos palmítico (C16), esteárico (C18) e oléico (C18) vem sendo amplamente utilizados na produção de filmes comestíveis emulsionados. A seguir são detalhados aspectos gerais relacionados às ceras e aos ácidos graxos bem como uma breve descrição dos trabalhos desenvolvidos em filmes com estes materiais.

2.6.5.1. Ceras

As ceras são misturas complexas de ácidos graxos de cadeia muito longa (>C18), hidrocarbonos, alcoóis, aldeídos, cetonas, ésteres, triterpenos, esteróis, e flavonóides (POST-BEITTENMILLER, 1996). As proporções destes componentes variam entre espécies vegetais. A mesma planta pode mostrar diferenças de órgão para órgão, de tecido a tecido, e no desenvolvimento. As principais ceras disponíveis comercialmente incluem as ceras de abelha, de carnaúba, candelilla, ouricuri e óleo de jojoba (GUNSTONE, 1997a).

A cera de carnaúba (Copernica cerifera), “rainha das ceras” é obtida das folhas de uma espécie de palma que cresce no continente sul-americano. Esta planta, de lento crescimento, floresce nas regiões nordestinas do Brasil atingindo uma altura de 7 a 11 metros. A planta também cresce em quantidades menores no sul do Brasil e ao norte do Paraguai e Argentina. A árvore exsuda a cera através de suas folhas (forma de leque) durante os meses secos do ano. A natureza provê a cera para prevenir a excessiva evaporação de água da planta. As folhas são coletadas nos meses de setembro até fevereiro e secadas ao sol. A extração pode ser feita por simples golpe das folhas para remover a cera crua, ou fervendo as folhas em água para posterior extração da cera acumulada na superfície da água. Diferentes tipos de ceras podem ser obtidos dependendo da idade das folhas, da parte onde é extraída a cera e os cuidados usados no processamento (CARNAÚBA, 2008; LAMBENT TECHNOLOGIES, 2008).

A cera de carnaúba é solúvel em muitos solventes orgânicos polares. Contém principalmente ésteres de cera (84 – 85%), ácidos livres (3 – 3,5%), resinas (4 – 6%), álcoois (2 – 3%), e hidrocarbonos (1,5 – 3,0%). Tipicamente, a cera de carnaúba tem um valor de acidez de 2,9 a 9,7, um valor de éster de 39 a 55, um valor de saponificação de 79 a 95, um valor de iodo de 7 a 14, e uma faixa de fusão de 78 a 85°C. Os usos da cera de carnaúba são variados. É usualmente utilizada em cosméticos e pela indústria de

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alimentos, em recobrimentos de papel e na produção de tintas. Na indústria de alimentos, é um componente menor em doces, gomas e recobrimentos de frutas (LI; PARISH, 1997).

As ceras já utilizadas como componentes de filmes e coberturas comestíveis foram: ceras vegetais naturais (de jojoba, carnaúba e candelilla), ceras animais naturais (de abelha e de baleia) e ceras não naturais (parafina, mineral, microcristalina e de polietileno oxidado ou não) (MORILLON et al., 2002). As ceras podem ser utilizadas como único componente do filme ou em mistura com outros componentes como polissacarídeos e proteínas.

As ceras de carnaúba e de cana-de-açúcar foram utilizadas por Ferreira (2006) na produção de filmes à base de gelatina em diferentes valores de pH. A adição de ceras em pH ácido (5,5) provocou uma diminuição nos valores de permeabilidade ao vapor de água (PVA) e tensão na ruptura (TR) e um aumento nos valores de elongação, solubilidade em água, opacidade e de adsorção de água dos filmes. Já os filmes produzidos em pH básico (8,5) apresentaram, de forma geral, baixos valores de PVA, RT e solubilidade, e altos valores de elongação em relação aos produzidos em pH ácido. Tanada-Palmu (2003) utilizou cera de abelha em mistura com os ácidos graxos palmítico e esteárico na elaboração de filmes à base de glúten de trigo. Os lipídios foram dispersos na solução aquosa de glúten e secados para obtenção de um filme emulsionado, e espalhados sobre o filme de modo a formar uma camada para obtenção de um filme bicamada. Tanto os filmes emulsionado como os filmes bicamada ficaram opacos. O filme bicamada apresentou a menor permeabilidade ao vapor de água, porém a tensão na ruptura e a elongação foram baixas.

2.6.5.2. Ácidos graxos

O número de ácidos graxos naturais conhecidos excede a 1000, embora somente um número relativamente pequeno, talvez 20 – 50 sejam de interesse comum. Os ácidos graxos são ácidos carboxílicos com cadeia linear hidrocarbonada (geralmente com número par de átomos de carbono) e um grupo terminal carboxil. Contudo, podem ser encontrados ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono, com cadeias ramificadas ou com unidades cíclicas. A cadeia hidrocarbonada pode conter uma (monoenóico ou monoinsaturado) ou mais do que uma (polieonóico ou poliinsaturado)

fornece uma torção rígida de 30° na cadeia hidrocar bonada, enquanto que uma configuração trans resulta em uma cadeia estendida. Além do grupo carboxil e as duplas ligações, os ácidos graxos raramente contém outros grupos funcionais. Contudo, se sabe que os ácidos também podem conter grupos fluoro, hidroxi, ceto, ou epóxi ligados à cadeia hidrocarbonada (GUNSTONE, 1997b).

Entre os ácidos graxos saturados os mais comuns são o ácido esteárico (C18:0) e o ácido palmítico (C16:0), e entre os insaturados o ácido oléico (C18:1). O ácido palmítico (ponto de fusão 63,1°C) está presente em óleos de p eixes (10-30%), óleo de palma (30 – 60%), em gorduras láteas e corpóreas dos animais terrestres (acima de 30%), e virtualmente em todas as gorduras vegetais (entre 5 – 50%). O ácido esteárico (ponto de fusão de 69,6 °C), embora menos comum que o ácido p almítico, é o maior componente de gorduras de animais ruminantes (5 – 40%), e um componente significativo em um número de gorduras vegetais (gorduras sólidas de origem vegetal) como manteiga de cacau (30 -35%), gordura de Illipe ou Borneo (40%), e manteiga de shea (~45%). O ácido esteárico é também facilmente obtido da hidrogenação dos ácidos linolênico, linoléico e oléico (GUNSTONE, 1997b).

Os ácidos graxos foram utilizados em diferentes trabalhos e a maioria deles foram revisados por Morillon et al. (2002). Trabalhos mais recentes avaliaram o efeito da concentração e grau de insaturação dos ácidos graxos sobre a tensão superficial da solução filmogênica e sobre as propriedades mecânicas, de permeabilidade ao vapor de água, e opacidade dos filmes à base de isolado protéico de soro de leite (FERNÁNDEZ et al., 2007). Os resultados obtidos mostraram que a tensão superficial foi significativamente reduzida pela adição de ácidos graxos insaturados (ácidos oléico e linoleico). Por outro lado, o efeito maior sobre a redução da permeabilidade ao vapor de água foi atingida com o ácido esteárico. A adição deste resultou em uma diminuição da elongação e um incremento da tensão na ruptura. Já, o conteúdo de ácidos graxos insaturados não modificou a elongação e reduziu ligeiramente a tensão na ruptura dos filmes.

Davanço et al. (2007) utilizaram os ácidos graxos esteárico e capróico na produção de filmes à base de gelatina. Os ácidos graxos foram incorporados na solução filmogênica em diferentes valores de pH e utilizando os surfactantes dodecil sulfato de sódio (SDS) e Tween 80. Os autores reportaram que a adição de ácido esteárico foi mais eficiente em reduzir a permeabilidade ao vapor (PVA), que o uso de SDS reduziu a PVA

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dos filmes, e que o ajuste do pH produziu filmes com superfícies mais homogêneas para os filmes produzidos na ausência de surfactantes.

Bertan et al. (2005) utilizaram os ácidos graxos esteárico e palmítico para dissolver a oleo-resina de breu branco "Brazilian elemi" utilizada na produção de filmes compostos à base de gelatina utilizando triacetina como plastificante. Os filmes produzidos com os ácidos graxos e a oleo-resina apresentaram melhores propriedades de barreira ao vapor de água quando coMParados com aqueles produzidos a partir de gelatina e triacetina. Já a resistência mecânica dos filmes diminuiu com a adição dos lipídios e a opacidade e matéria solúvel incrementaram.

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