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CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.3. FILMES À BASE DE MISTURAS DE PROTEÍNA E POLISSACARÍDEOS

2.3.1. Interações entre polissacarídeos e proteínas

As interações que ocorrem entre proteínas e polissacarídeos são interessantes para melhorar algumas características funcionais das proteínas. Em solução, as proteínas podem atrair ou repelir os polissacarídeos dependendo da sua origem, do pH, da força iônica, da temperatura, da concentração ou do cisalhamento a que são submetidas (DELBEN; STEFANCICH, 1997). Assim, quando dois polímeros diferentes são misturados eles podem formar sistemas de uma ou duas fases (Figura 2.1). No sistema de uma fase, os dois polímeros podem existir como moléculas individuais ou como complexos solúveis que são eventualmente distribuídos através do sistema inteiro. No sistema de duas fases, a solução se separa em duas fases distintas que tem composições biopolímericas diferentes (McCLEMENTS, 2006). A separação pode ocorrer através de dois mecanismos físico-químicos diferentes: separação segregativa e associativa, mecanismos que resultam da incompatibilidade ou complexação dos biopolímeros (McCLEMENTS, 2006; GILSENAN et al., 2003).

Incompatibilidade como um fenômeno geral é o resultado da inibição da formação de complexos proteína-polissacarídeo e depende de fatores moleculares e das condições do meio no qual os complexos são formados (EINHORN-STOLL et al., 2001). Termodinamicamente, a incompatibilidade ocorre entre polímeros de forma e estrutura diferentes cujas interações são entalpicamente desfavoráveis (GILSENAN et al.., 2003). Quando não há interações específicas entre os biopolímeros eles não podem ocupar o mesmo volume, isto significa que tais biopolímeros em solução mostram uma preferência a serem cercados pelo seu próprio tipo, aumentando a concentração dos biopolímeros

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nas diferentes fases (ZASYPKIN et al., 1997; TURGEON et al., 2003). A separação de fases resulta em duas fases aquosas, imiscíveis, uma rica em proteína e outra rica em polissacarídeos (Figura 2.1). As interações repulsivas são sempre não específicas e são essencialmente produzidas pelo efeito do volume excluído e as interações eletrostáticas. Estas interações fracas existem quando o pH da solução é mais alto que o pI da proteína (GIRARD et al., 2002).

Figura 2.1. Representação esquemática dos tipos de arranjos estruturais que podem ocorrer quando proteínas e polissacarídeos são misturados. Fonte: Adaptado de McClements (2006).

Proteínas e polissacarídeos neutros mostram incompatibilidade, contudo, eles podem formar complexos fracos em força iônica baixa e em pHs diferentes do pI da proteína. A natureza destes complexos ainda não é completamente entendida. Estes complexos não são estáveis em força iônica moderadamente alta nem na presença de uréia. Nesta conexão, os complexos parecem de perto com os complexos de proteína- polissacarídeo aniônicos. Esta similaridade é surpreendente sendo que os

polissacarídeo neutro-proteína são formados devido às atrações entre dipolos locais dos polissacarídeos e grupos carregados de macro-íons da proteína, ou devido à formação de bases instáveis de Shiff com a participação de grupos aldeídos dos polissacarídeos e grupos ε-amina da proteína (GRINBERG; TOLSTUGUZOV, 1997).

Também foi mostrado que a incompatibilidade entre proteínas e polissacarídeos neutros diminui com aumento do pH. Valores de pH acima do ponto isoelétrico intensificariam a repulsão eletrostática das moléculas de proteína carregadas prevenindo sua auto-associação. Pode ser assumido que esta dependência da incompatibilidade em função do pH reflete o incremento nas interações dipolo-carga das macromoléculas e a formação de complexos polissacarídeo neutro-proteína (GRINBERG; TOLSTUGUZOV, 1997).

A complexação resulta de uma forte atração entre os polímeros conduzindo à formação de duas fases sendo que uma das fases contém os dois polímeros e a outra fase contem apenas o solvente (sem os polímeros) (Figura 2.1). Normalmente, as interações envolvidas são do tipo eletrostático entre poliânions (tais como os polissacarídeos carregados negativamente) e policátions (tais como as proteínas abaixo do seu ponto isoelétrico) (GILSENAN et al., 2003). Contudo, existem outras interações de baixa energia não específicas tais como ligações de hidrogênio e interações hidrofóbicas, também, significativas na estabilização da interação (TURGEON et al., 2003).

TURGEON et al. (2003) verificaram que complexos de proteína de soro de leite/xantana induzidos eletrostaticamente poderiam ser estabilizados através de aquecimento moderado, indicando um papel possível das interações hidrofóbicas. Experimentalmente, também foi observado que o pH de coacervação da mistura beta- actoglobulina e pectina de alto grau de metoxilação diminui de 5 a 4,5 adicionando-se uréia à mistura (GIRARD et al., 2002). A influência de uréia nos complexos indica a importância das ligações de hidrogênio na formação dos complexos. Segundo Girard et al. (2002) as ligações de hidrogênio estariam envolvidas especialmente quando o pH é mais alto do que o pI da proteína, isto para pectinas de alto grau de metoxilação que tem um caráter aniônico fraco. Os grupos éster de pectina podem formar ligações de hidrogênio com os grupos hidroxila, amida, fenil e carboxíla da beta–lactoglobulina; por isso em pHs mais altos que o pI da gelatina, a interação entre pectina e beta– lactoglobulina aumenta com o grau de esterificação da pectina (GIRARD et al., 2002).

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Estas observações deveriam ser consideradas no intuito de avaliar os efeitos de interações não-coulômbicas (não eletrostáticas) sobre a associação de polissacarídeos e proteínas.

No nível molecular, tem sido observada mudança conformacional de proteínas como legumina do grão de fava e beta-lactoglobulina após interação com quitosana e goma acácia, respectivamente (TURGEON et al., 2003). Contudo, estados inalterados da proteína também são observados em outros sistemas. Estas mudanças conformacionais podem ser avaliadas por dicroísmo circular ou microcalorimetria.

No nível estrutural, o coacervado de beta-lactoglobulina/goma acácia aparece como uma esponja exibindo numerosas (vacúolos) inclusões esféricas de água (SCHMITT et al., 2001). Uma provável explicação seria que o coacervado está organizado em bi ou multicamadas exibindo uma polaridade hidrofílica/hidrofílica. Um trabalho posterior atribuiu a presença de vacúolos ou vesículas à goma acácia que não estava sendo neutralizada electrostáticamente pela beta-lactoglobulina, e por isso a água teria sido retida resultando no aparecimento destas estruturas (SÁNCHEZ et al., 2002). A neutralização completa conduziria a rearranjos dentro dos coacervados e ao desaparecimento dos vacúolos. Outras pesquisas revisadas por Turgeon et al. (2003) também mostraram coacervados com uma morfologia como esponja.

Devido à separação de fases, podem ser distinguidos alguns sistemas na área de gelificação: duas fases liquidas, uma fase gelificante e uma fase líquida (que poderia ser a fase dispersada ou a fase continua) ou duas fases gelificantes (TURGEON et al., 2003). As propriedades mecânicas de cada fase afetam fortemente o comportamento dos géis mistos. A fase dispersada pode ser identificada como reologicamente ativa sendo que a forma, tamanho e número de inclusões afetarão diretamente as propriedades mecânicas dos géis. Quando um dos polímeros é capaz de formar um gel, isto inibe o processo de separação de fases em um ponto específico que permite estudar a estrutura obtida. Considerando que as proteínas e a maioria dos polissacarídeos são compostos carregados eletricamente, o pH e íons afetarão diretamente o processo de separação de fase e conseqüentemente sua estrutura. A presença de íons específicos também podem controlar a desnaturação protéica e agregação tanto como induzir a gelificação da proteína. As razões de aquecimento e esfriamento também são parâmetros de controle

das características dos géis mistos por afetar a desnaturação das proteínas e a gelificação dos polissacarídeos (TURGEON et al., 2003).

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