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CAPÍTULO II OS DESAFIOS CIENTÍFICOS COM A IMAGEM

2.2 Composição Discursivo/Semântica

Compreender o telejornal como enunciado torna mais claro o entendimento de que ele é lugar de circulação de elementos que referenciam a realidade e, logo, o tornam espaço onde o cotidiano é reorganizado segundo as regras do campo jornalístico, para que o universo factual pareça mais acessível às pessoas.

No telejornal, o efeito semântico da referencialidade, ou ancoragem, é visível em grande parte de sua composição narrativa. Tal efeito pode ser percebido no movimento que o apresentador faz, caminhando até próximo à câmera. Ele vai encontrar o telespectador. A linguagem coloquial é outro exemplo bastante explícito de referente do real e merecerá ser explorado, juntamente com as imagens que a acompanham, na realização deste trabalho.

O coloquial coloca o âncora, interlocutor enunciador, na roda de conversa do enunciatário, telespectador. Como aponta Paternostro (2006, p. 90), o jornalista de TV precisa contar os acontecimentos como se estivesse num diálogo cara a cara com outra pessoa. Ele obriga-se assim, a buscar referentes para ser persuasivo.

O efeito de referente é comumente expressado pela ancoragem do discurso a um tempo, um espaço, um ator discursivo. O figurino do apresentador esportivo o coloca na tendência do vestuário, de determinada época (tempo), e de determinado lugar (espaço esportivo). Este desempenho visual imprime verdade ao texto verbal que o mesmo lê, e facilita a aceitação de seu discurso. Essas são estratégias que precisam trabalhar juntas, visual e verbal, num mesmo momento enunciativo.

A referencialidade, aqui tida como exemplo de efeito produzido no telejornal, é elaborada e entendida na medida em que faz conexões para fora do texto televisual, em conexões que remetem ao mundo real, verdadeiro de quem assiste. Esta

conexão, ou ancoragem como chama a maioria dos autores, é a correspondência de ideias e valores contidos no simbolismo do telespectador e que são estrategicamente postos em cena no telejornal.

A dimensão semântica é, pois, este conjunto de valores que se aglutinam em ideias, crenças, rituais, costumes, relações, práticas e tudo mais que é possível de ser desenvolvido em/por uma cultura. Por parte do discurso, a semântica é a reorganização da narrativa em patamares sintagmáticos.

Quando ocorre a discursivização, os atores discursivos junto com a espacialidade e temporalidade narrativa, sendo postos em funcionamento para contar algo, discursivizar. Nesse momento da discursivização, o percurso narrativo poderá ser convertido em percurso temático e figurativo (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 434). Temas e figuras ajudam a organizar, no discurso, o sistema de valores e crenças sociais, e conectá-los com a realidade.

Quero mostrar com isso que a dimensão semântica que pretendo aqui é dada a partir da dimensão plástica. É na plasticidade que o ícone se forma e que, só a partir de então, estruturará uma ideia remissiva a valor ou crença. Então, na televisualidade tem-se um esquema icônico formado por elementos visuais (dimensão plástica) que evocam significações abrangentes pela maneira como são dispostos e usados em forma de discurso (dimensão semântica).

2.2.1 As Escolhas Temáticas e Figurativas

Temas e figuras, além de estarem em todas as narrativas, são amplamente usados pela televisão e são aplicáveis nesta proposta de trabalho. O interdiscurso entra nessa construção temática como mecanismo de mescla e enxerto do discurso com outros, já formulados, em outro tempo e lugar, para apurar primordialmente a produção de sentidos. Dependendo das posições que os sujeitos narrativos tomam no texto, agindo como atores na temática, e das coordenadas espaço-temporais que os percursos narrativos percorrerão (BARROS, 2005, p. 70), tem-se a preponderância de determinado tema em um discurso.

Não necessariamente a temática pode ser única de começo a fim do discurso, pois considerando que o discurso é produzido em uma perspectiva sócio-histórica,

com elementos de outros discursos, ele acaba sendo determinado pelo contexto, e apresenta em seu interior, indicativos destes outros discursos.

Maingueneau (1997, p. 113) define bem o interdiscurso e seu processo de constituição no contexto social-cultural-histórico, na medida em que uma formação discursiva incorpora elementos pré-construídos, de fora dela, provocando um redirecionamento no discurso. Este fenômeno pode provocar uma negação ou apagamento de certos elementos discursivos.

Como já abordado, os investimentos temáticos convertem a semântica narrativa, onde o sujeito se constitui e toma lugar, na semântica discursiva, em que os valores por ele defendidos tomam corpo e projeção (BARROS, 2001, p. 115). Neste esforço de afirmação de valores, a temática é revestida de figuras para criar uma identificação maior com a realidade que o discurso está propondo. Tem-se a figurativização, e esta pode acontecer em vários níveis, sendo que o primeiro consiste na roupagem do tema abstrato, por uma figura que facilita a associação com imagens do real. Já o nível da iconização acontece quando o percurso temático recebe, de forma mais exaustiva, o investimento de figuras.

Cabe ressaltar que, segundo Barros (2001, p. 115), não há discursos não- figurativos, mas sim discursos de figuração esparsa. O discurso televisivo mune-se de muitas figuras (verbais e visuais) para representar seus valores, sendo ele ostensivamente figurativizado. Já o discurso científico faz um uso menor, centrando- se mais na temática pretendida. A figurativização de um discurso vem completar, juntamente com a tematização, uma estratégia argumentativa.

Estes desempenhos formam um percurso semiótico desde a estruturação dos sujeitos na narrativa, até, pelas competências que estes adquirem, à manifestação do sentido. É um caminho balizado por onde escoa o sentido: “partido da imprecisão original e ‘potencial’, para chegar, através de sua ‘virtualização’ e de sua ‘atualização’, à fase da ‘realização’, passando das precondições epistemológicas às manifestações discursivas” (GREIMAS; FONTANILLE, 1993, p. 12).

Todo discurso que se vale de imagens torna-se figurativo por natureza, pois as imagens constituem um texto com uma gramática própria. As ideias espalhadas pela narrativa telejornalística, pelas figuras, conectam-se à sensorialidade imagética de quem vê, reforçando os efeitos de realidade. Como afirma Martin (2005, p. 27), “o valor persuasivo de um documento fotografado ou filmado é, em princípio, irrefutável”.

No texto visual, pode-se atrelar o fenômeno da tematização e figurativização à plasticidade, que se dá em função da aderência de elementos icônicos de uma imagem ao referente real. A imagem cria em um modelo de real, como afirma Villafañe (2000). A imagem está em ligação direta com o concreto, aderindo diretamente à coisa nela representada. Esta adesão, do significante ao significado, torna possível seu rompimento, do fenômeno perceptivo coletado do real (KIENTZ, 1973, p. 26).

Tema e figura serão tratados neste trabalho com abordagens próprias ao texto televisual. Proporei a seguir, uma aproximação destes percursos de formação discursiva às propriedades da linguagem televisual adequando-os à sua natureza plástica. Tal aproximação da semiótica discursiva com a teoria da imagem é proposta para tentar dar ordem, e possibilidade de análise, ao imbricado sistema semiótico composto pela imagem.

CAPÍTULO III - A ENUNCIAÇÃO DO TELEJORNAL E A NARRATIVA