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COMPREENDENDO O TERRITÓRIO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS

uma análise sobre os dados do Brasil, Bahia e Esplanada.

3.5 COMPREENDENDO O TERRITÓRIO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS

Nas décadas de 1960 e 1970, poucos foram os geógrafos que se envolveram com o tema dos movimentos sociais. Neste período, os temas sociais e políticos somente eram tratados de forma complementar às análises regionais. Podemos observar a ausência de pesquisas relacionadas ao tema dos movimentos sociais em revistas de Geografia e anais de eventos no Brasil. De forma muito isolada, só na década de 1960, quando os conflitos rurais já vinham ganhando expressão por meio da ação das Ligas Camponesas, os autores Manuel Correia de Andrade e Josué de Castro romperam com o ostracismo da Geografia em relação aos movimentos sociais (PEDON, 2009).

Mitidiero Junior (2002) comenta que uma geografia que estuda o território, deve também estudar os movimentos sociais no campo, e que os assentamentos de reforma agrária, como resultado da luta pela terra, passaram a ser temas da agenda de pesquisa da Geografia Agrária.

Constata-se que estudos sobre movimentos sociais de luta pela terra no Brasil começam a ser mais explorados a partir da década de 1980. Nesse período, quando principalmente ocorreu a redemocratização política, os movimentos sociais de luta pela terra se tornaram mais atuantes, e a conquista de novos territórios, ou frações destes, continuaram como principal bandeira. Assim, muitas áreas do conhecimento buscam esclarecer a atuação desses movimentos e os resultados de suas conquistas. A Geografia, por ser uma área que procura elucidar as relações que ocorrem em um território, torna-se apropriada – enquanto área de conhecimento – para discutir os movimentos sociais de luta pela terra e suas conquistas, como, estudos sobre a implantação de um assentamento. Os assentamentos, hoje, são alvos de estudos da questão agrária nacional.

Assentamentos geram novos territórios com marcas que denunciam as mudanças territoriais. Locais antes considerados latifúndios, como algumas fazendas estudadas nessa pesquisa, atualmente constituem um novo território com uma área produtiva diversificada com cultivos comerciais e de subsistência, responsáveis por uma (re)organização do espaço agrário. Assim, a partir das relações sociais que vão se desenvolvendo entre os assentados, o assentamento passa a ser uma fração conquistada e delimitada do território, e os assentados, seus gestores (SILVA e ALMEIDA, 2002).

Os assentamentos provocam o surgimento de novas territorialidades com novas relações sociais. A diversidade dessas relações são alvos de muitos estudos. Pesquisando assentamentos em Pitimbu-PB, Lima e Rodrigues (2008) concluíram que as desapropriações que deram origem aos assentamentos rurais inauguraram uma nova etapa no processo de construção territorial, criando novas territorialidades. Os camponeses enfrentaram um longo processo de luta e resistência, marcado pelo confronto dos usos desse território. Os assentamentos rurais enquanto novas territorialidades apresentam-se através de aspectos tanto materiais, quanto simbólicos, permeados por relações de poder e por diferentes escalas de atuação.

Cruz (2008), pesquisando assentamentos rurais de reforma agrária, comenta sobre a existência de diversas territorialidades a partir dos modos de vida, e que a luta pela terra consolida um território que é depois repartido, dando origem a novas territorialidades pelo processo de identificação entre os modos de vida que apresentam similaridades e diferenças em relação às habilidades de se trabalhar na terra. Já Diniz (2009), em relação a novas territorialidades, comenta que os espaços dos assentamentos são transformados em frações de território dos camponeses assentados:

A transformação do latifúndio em assentamento é outra lógica de organização do espaço geográfico, é a construção de um novo território. No latifúndio, a terra, enquanto mercadoria foi instrumento de exploração do trabalho alheio. Já com a formação do assentamento, a terra passa a ter valor de uso, é lugar de realização do trabalho da família (DINIZ, 2009).

Essas novas territorialidades a partir dos assentamentos mostra uma nova realidade no espaço rural brasileiro. A transformação do latifúndio em assentamento é muito marcante e um exemplo bem característico do potencial da luta pela terra. É a transformação da monotonia latifúndio sem trabalhadores em uma diversidade de relações sociais presente nos assentamentos. Por isso, os assentamentos são interpretados como novos territórios ou como frações do território, onde é desenvolvida uma série de relações, inclusive conflituosas, principalmente quando ocorre o embate entre o coletivo e a individualidade. Os modos de vida que cada um carrega reflete na construção da fração do território conquistado, sendo que em comum prevalece a terra para trabalho e sobrevivência.

Quando vários autores se referem a novas territorialidades, normalmente são expostas as novas relações sociais que ali se desenvolvem. Essas relações revelam impactos territoriais no local e em seu entorno. Vale salientar que esse impacto ocorre em várias dimensões, como social, política e econômica, entre outras. Portanto os impactos territoriais também são fruto das lutas dos movimentos sociais.

Um movimento social é alicerçado em um processo de territorialização, porque se fortalece possibilitando a espacialização das experiências, contribuindo para o avanço da luta pelo seu objetivo. Nesse sentido, o começo de uma luta tem como referência outras lutas e conquistas. Dessa forma, ao consumarem suas conquistas, territorializando-se, terão suas lutas relatadas na espacialização do movimento; assim, vão construindo suas histórias e suas existências (FERNANDES, 2000).

Quando Fernandes (2000) se refere às lutas de conquistas, ficam implícitas as lutas de classe. Nesse sentido, Fabrini (2002) relata que os assentamentos são territórios de ações coletivas, e estas são desenvolvidas pelos camponeses assentados que se expressam politicamente passando pela representação do interesse de classe. São motivadas, sobretudo, por uma identidade construída no processo de luta pela terra e apresentam conteúdo político/ideológico que passa pelas relações de poder da estrutura da sociedade (FABRINI, 2002).

Do ponto de vista dos movimentos sociais, o assentamento é a terra conquistada e, portanto, o lugar da luta e da resistência; o assentamento é uma fração do território, é um trunfo na luta pela terra (FERNANDES, 1998).

Os assentamentos são considerados, por muitos autores, como conquista de um território ou frações desse. Toda conquista serve de exemplo e incentivos a novas conquistas, assim novos espaços são alvos dos movimentos sociais para realizar novas trerritorializações. Ressalta-se que o território conquistado apresenta características próprias devido às relações ali desenvolvidas, e que tem muito a ver com a história de vida que cada um traz em si. Assim ocorre a soma do aprendizado adquirido no processo de luta pela terra com a história anterior do assentado, tornando o camponês um cidadão mais conscientizado. Normalmente o assentado é um sujeito fruto da resistência e da luta pela terra. Nesse sentido, Moraes (2013) comenta que os assentamentos rurais constituem-se como territórios da materialização e da realização concreta da luta pela terra. Trata-se de territórios que podem possibilitar a mudança efetiva na condição de vida das famílias beneficiadas, tornando-se espaços de inclusão de indivíduos historicamente mal incluídos na sociedade.

Em relação ao tema da exclusão, Alencar e Diniz (2010) comentam que os assentamentos possibilitam o acesso à propriedade da terra para uma população historicamente excluída, os quais se constituem como território da resistência dos camponeses ao processo de exclusão promovido pelo capitalismo. No entanto, esses camponeses têm na luta a garantia de sua resistência, existência e reprodução enquanto camponeses.

Essa população historicamente excluída – os camponeses sem terra – enxergam nos assentamentos a possibilidade de uma nova vida, da reprodução familiar, da realização de sonhos que nunca puderam ser concretizados pela falta de oportunidade de possuir um ―pedaço‖ de terra. Por isso alguns autores ressaltam a ideia de que os assentamentos são territórios camponeses de realização de sonhos. Interpreta-se que essa exclusão é fruto do domínio e expansão do capitalismo agrário; porém, esse domínio não consegue ser total, por isso a resistência e as lutas de classes encampadas pelos movimentos sociais em prol da propriedade da terra. As conquistas dos camponeses são territórios onde eles podem realizar suas metas.

Moreira (2006) citado por Lima (2010), entende que o território dos camponeses é um lugar de resistência, é o que ela denomina um ―território de esperança‖, repleto de contradições, mas também de expectativas quanto à possibilidade

de construção de alternativas ao modelo de desenvolvimento capitalista dominante no campo brasileiro. É um território conquistado e construído pela luta de resistência camponesa para permanecer na terra através de estratégias, que simbolizam formas de ―ruptura‖ com o sistema hegemônico, isto é, com a organização social, econômica e política preexistente no espaço agrário brasileiro. Quando Moreira (2006) citado por Lima (2010) se refere a essa ruptura com o sistema hegemônico, está se referindo a ruptura com o sistema capitalista. O assentamento é fruto de uma luta de classes entre camponeses e capitalistas, e essa ruptura já começa no enfrentamento no campo ideológico, passa para o acampamento e continua com a conquista do assentamento, quando os camponeses lutam por melhores condições, principalmente de infraestrutura nos assentamentos.

Acampamentos e assentamentos são novas formas de luta por direito a terra livre e ao trabalho liberto. A terra que vai permitir aos trabalhadores – donos do tempo que o capital roubou e construtores do território comunitário e/ou coletivo que o espaço do capital não conseguiu reter à bala ou por pressão – reporem-se/reproduzirem-se no seio do território da reprodução geral capitalista (OLIVEIRA, 2001).

Por isso que Mitidiero Junior (2011) comenta que

o conceito de territorialização relativo aos movimentos sociais no campo deve ser visto apenas como processo de luta pela terra, e não como conquista e domínio de partes ou frações do território. Em função desses eventos, a fração do território conquistada e transformada em assentamento rural pode ser vista como uma área de resistência subordinada diretamente constituinte do território capitalista brasileiro. (MITIDIERO JUNIOR, 2011, p. 11).

Observa-se a reprodução do campesinato dentro da lógica capitalista. O modelo de reforma agrária adotado pelo governo brasileiro sustenta essa estrutura e o ―pouco‖ conquistado pelos camponeses sem dúvida é fruto da resistência à hegemonia do capitalismo agrário.

Analisando componentes da atual conjuntura agrária brasileira, Ramos Filho (2011), infere que está em curso no Brasil um movimento de contrarreforma cuja operação se dá com a hegemonização das teses do paradigma do capitalismo agrário, desde a academia, passando pelas políticas públicas e chegando até o senso comum. Uma série de mudanças que ocorrem na estrutura fundiária nacional demonstram de um lado a falta de compromisso dos governos com a realização da reforma agrária no Brasil, por outro a persistência das lutas dos povos do campo na busca por sua

(re)territorialização e/ou resistência à subalternidade imposta pelo Capital (RAMOS FILHO, 2011).

Observa-se que, dentro do território capitalista, são implantados os assentamentos rurais, resistindo e lutando contra a hegemonia do sistema capitalista.

Esses assentados desenvolvem uma série de relações, inclusive concretizam sonhos, mas continuam subordinados à lógica capitalista. Essa subalternidade está implícita nas leis que regem os assentamentos e também em toda a estrutura do Estado que serve ao regime capitalista. Portanto estamos diante de uma luta de classes, entre camponeses e capitalistas, na qual esses últimos são representados hoje no campo, principalmente pelo agronegócio, que se caracteriza por uma cadeia de relações comerciais que visam, entre outras coisas, à ampliação do capital.

Os povos do campo que batalham contra o capital a que se refere Ramos Filho (2011), são todos aqueles camponeses que lutam contra a expansão do agronegócio, que é sinônimo de ameaça ao território conquistado. A cada ano, o agronegócio se territorializa com maior rapidez e desterritorializa a agricultura camponesa. O empobrecimento dos pequenos agricultores e o desemprego estrutural agudizam as desigualdades, esse modelo de desenvolvimento controla a maior parte do território, concentrando riqueza e aumentando a miséria. Este é o novo conteúdo da questão agraria nesta primeira década do século XXI (FERNANDES, 2007).

Segundo o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA, 2007), apud Santos, (2012), é no território camponês que se estabelece o enfrentamento do agronegócio; nele o camponês desenvolve as suas ações cotidianas: vivência, produção, estudo, alimentação, discussões, debates, lazer, celebrações, relações, etc. Por essa concepção, o território camponês encerra o entendimento do que seja a terra e o campo para o pequeno produtor enfatizando a expressão da classe camponesa, território de vida e de luta, geográfico, material e também imaterial, tendo em vista que nele está ―plantada‖ a sua cultura e ideologia (MPA, 2007, apud SANTOS, 2012).

Ainda no enfrentamento ao agronegócio, e, portanto ao capitalismo, Almeida (2006) comenta sobre os assentamentos e acampamentos ligados à territorialização da luta pela terra no enfrentamento ao monopólio do capital:

O acampamento e o assentamento são transformações que o território contém; o que ocorre por meio da territorialização da luta pela terra, e que, portanto, representam uma ruptura no processo de territorialização e monopolização do território pelo capital. Assim, quando falamos em territorialização da luta pela terra, estamos, pois, referindo-nos às frações do

território conquistadas pelos camponeses, em oposição à lógica de territorialização do capital monopolista, bem como à de monopolização do território pelo capital monopolista. Essa ruptura produz imagens territoriais que, se, por um lado, geram distinção em relação à apropriação capitalista, por outro, expressam identidade camponesa (ALMEIDA, 2006).

Desde o acampamento, no território formado ou fração deste, já começa o enfrentamento de classes. Pois esse é concebido como ―território camponês‖, e boa parte de sua dinâmica vai de encontro ao ―território do agronegócio‖, inclusive no campo das ideias.

A nosso ver esse debate continua atual, a monopolização do território pelo capital ainda não se deu por completo, e pode ser que nunca se complete totalmente, pois a luta pela reforma agrária no Brasil ainda não está encerrada. A sobrevivência do camponês dentro do território capitalista é também uma necessidade do sistema capitalista que alimenta essa sobrevivência e consequentemente mantém o debate sobre agricultura camponesa e agronegócio.

Em um assentamento, as relações sociais, os trabalhos desenvolvidos, as conquistas, a formação de uma nova consciência, tudo isso faz parte desse novo território. Assim os assentamentos rurais, fruto da luta pela terra, causam um impacto

territorial onde são implantados e também no seu entorno; uma nova dinâmica

envolvendo uma série de relações passa a existir onde antes era apenas um espaço com aspecto de abandono e sem vida, geralmente um latifúndio improdutivo. O novo espaço passa a ter uma vida intensa.

Os movimentos sociais de luta pela terra têm como conquista a territorialização de um espaço, que influenciam outros movimentos, e assim vai construindo sua história. Acampamentos e assentamentos são formas de organização social, fruto da luta pela terra, e se reproduzem dentro do capitalismo, é uma forma de resistência à hegemonia do capitalismo, assim como também é uma forma de sobrevivência e reprodução do camponês.

As territorialidades são formadas e diferenciadas de acordo com as habilidades que cada um apresenta no trato da terra, mas o sentimento de coletividade muitas vezes está presente, desde a luta pela terra até um financiamento coletivo que se consegue no assentamento já implantado. Por outro lado existe a individualidade que cada camponês carrega em si, e isso reflete algumas ações de conflito contra as medidas sociais que são preconizadas principalmente pelos mediadores. Esses conflitos são inerentes às relações