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2 EXPERIENCIO, LOGO EXISTO: 17 O CAMINHO TEÓRICO METODOLÓGICO

2.1 COMPREENDER E INTERPRETAR A EXPERIÊNCIA: APONTAMENTOS

Toda pesquisa científica deve passar pelo crivo da relação bem ajustada entre epistemologia, abordagem, métodos, técnicas e procedimentos. Essa é uma afirmativa discutida e amplamente questionada por diferentes estudiosos que se interessam por pensar o método nas ciências humanas e sociais. Especialmente na pesquisa em educação, a partir da década de 1950,

17 Frase inspirada na célebre citação de René Descartes na obra O discurso do método: “Penso, logo existo”. O

“experiencio, logo existo”, conota uma alternativa a ciência positivista, que prioriza a racionalidade tomando as experiências dos sujeitos como central nas investigações.

o debate em torno da objetividade-subjetividade ganha relevo, e tratar do fenômeno educativo envolve diferentes áreas e saberes que referenciam o objeto de estudo a ser construído.

A Filosofia, como ciência-mãe para se pensar epistemologia, atrelada à Antropologia, à Sociologia e à História, permitem que o pesquisador eleja sua concepção de mundo, de sociedade e de homem, na reflexão sobre as relações existentes na educação. Portanto, escolher que caminho seguir é papel e missão do pesquisador-autor, e tem sido um assunto necessário na realização da pesquisa em educação com seriedade acadêmica, elencando as experiências e subjetividades dos sujeitos envolvidos.

A pesquisa é um processo de esforço durável de observações, reflexões, análises e sínteses no intuito de descobrir as forças e possibilidades da natureza e da vida e transformá- las em proveito da humanidade. Esse esforço é um produto histórico e social, resultante do trabalho coletivo no curso do tempo, a fim de construir todas as dimensões da vida (CHIZZOTTI, 2006, p. 19). Essa concepção de pesquisa reconhece que é necessário um acúmulo de teorias, práticas e procedimentos que, bem articulados, produzem novos conhecimentos para benefícios da humanidade, contribuindo para sanar uma problemática específica.

Segundo Chizzotti (2006), como concepção teórica e uma prática de investigação, a ciência se diferencia da filosofia e surge com a revolução burguesa, desenvolvendo-se na Europa a partir do século XVI. A pesquisa científica caracteriza-se assim pelo esforço sistemático, com critérios claros, explícitos e estruturados, com teoria, método e linguagem adequada. Todavia, a racionalidade, conforme concebeu o grande cientista René Descartes, apoiado na crença da objetividade e no método matemático, não é, hoje, a única forma de se pensar e produzir ciência.

O paradigma positivista, dedicado e competente em responder questões das ciências naturais e exatas, predominou por alguns séculos, como único caminho para o alcance da verdade universal. Com o surgimento e reconhecimento das ciências humanas e sociais, a verdade relativizada põe-se a ser um caminho possível para se compreender o mundo e a realidade. Pensar para além da ciência quantificável e mensurável como única narrativa evidente para produção do conhecimento científico pode não responder sobre objetos, objetivos de estudos e problemáticas que envolvem a subjetividade humana.

Os paradigmas predominantes vêm sendo questionados, na tentativa de tornar visíveis novas alternativas metodológicas. A questão dos métodos começa a ser abordada e a própria concepção do método amplia-se para além da dimensão técnico-instrumental da pesquisa (GAMBOA, 2008).

Nas últimas décadas, nos cursos de formação de educadores, surgiram estudos em torno das teorias do conhecimento e das Epistemologias Modernas da Educação, esses estudos substituem, algumas vezes, as disciplinas nas pós-graduações nomeadas anteriormente de Métodos e Técnicas de Pesquisa. No entanto, a produção acadêmica e publicação sobre a temática ainda é incipiente. Portanto, o autor alerta que é necessária uma “vigilância epistemológica” que questione não só os métodos tradicionais, mas que aponte para a busca de “novas alternativas capazes de ultrapassar as diferentes formas de interpretação da complexa realidade educativa” (GAMBOA, 2008, p. 79).

Para construção do caminho metodológico desta pesquisa que estuda a experiência da educação social realizada com jovens afrodescendentes no Brasil e em Portugal, a partir de ações em projetos sociais advindos de políticas públicas de juventude, entendemos que os sujeitos possuem legitimidade e autoria para que o fenômeno estudado possa ser compreendido e interpretado.

A análise das experiências não pode ser vista nem do olhar unilateral de estudos quantitativos nem de uma concepção que só privilegie a visão macro da realidade, pois são os atores, considerando aqui suas subjetividades, que constroem as realidades que são vivenciadas ao longo da história. É preciso ser feita sempre uma análise crítica pautada na escuta e observação refletida sobre o que sentem, dizem e expressam os sujeitos de diálogo.

Sem perder de vista o rigor epistemológico, mas no encontro de um rigor outro (MACEDO, GALEFFI, PIMENTEL; 2009), nossa opção epistemológica-metodológica, entendendo que o conhecimento está sempre em processo de transformação, se dá na perspectiva fenomenológica, pois compreendemos que a experiência será, nesta pesquisa, a fonte do conhecimento coletado e a transformação deste em novo conhecimento, o científico. Considerando a legitimidade da pesquisa qualitativa para estudos sobre o fenômeno educativo, ratificamos que essa opção se dar por:

Elucidar a natureza rigorosa da pesquisa qualitativa, a partir da atitude existencial e epistemológica do pesquisador em seu contexto de vida, segundo seus diversos níveis de constituição e de realidade, percebidos e elucidados na autocompreensão e na compreensão compartilhada de sua condição histórica, sua gênese como indivíduo, sociedade e espécie (GALEFFI, 2009, p. 15).

Na perspectiva fenomenológica, na qual a experiência aparece como central, tudo aquilo que sabemos do mundo, a partir da nossa visão ou mesmo do conhecimento científico, depende de como vemos o mundo ou de uma experiência vivida sobre/no mundo. Sem essa experiência de mundo, os símbolos da ciência não poderiam nada dizer (MARLEAU-PONTY, 2011).

O significado que os acontecimentos e interações têm para as pessoas são estudados pelos investigadores fenomenologistas, na expectativa de compreendê-los. A Sociologia fenomenológica foi particularmente influenciada por Edmund Hurssel e Alfred Schutz. Portanto, a corrente fenomenológica “coloca-se igualmente na tradição weberiana que enfatiza a compreensão interpretativa das interações humanas” (BOGDAN E BIKLEN, 1994, p. 53).

Para Weber (1864-1920), as ideias, as crenças e os valores eram os principais catalizadores das mudanças sociais. Fundador da Sociologia Compreensiva, auxiliou-nos a entender o mundo social com base nas ações dos indivíduos inseridos em seus contextos de vida e de relações. Influenciado por Marx e Durkeim, admitia o desenvolvimento do capitalismo no mundo moderno, entretanto não enfatizava os conflitos de classe, como Marx o fazia. São problemáticas as relações entre pesquisadores que privilegiam as análises estruturalistas e holísticas do social e suas superestruturas e outros que preferencialmente focam nos aspectos micro da realidade social (PAIS, 2015). Nesta pesquisa, nosso ponto de vista coaduna com a ideia de equilíbrio entre as análises, por acreditar que as experiências individuais e coletivas são transformadoras e de relevâncias sociais na medida em que o micro não pode desvalorizar o macro, nem a historicidade do cotidiano.

Coube a Sociologia Compreensiva de Weber elaborar critérios para o estudo recorrente do comportamento dos sujeitos. A ação social que é definida como qualquer ação realizada por um sujeito em um meio social que possua um sentido determinado pelo autor é central na teoria weberiana (WEBER, 2001). A mudança social acontece através das motivações das ações dos indivíduos, diferente do materialismo histórico dialético que compreendia a mudança social através dos conflitos de classe.

Um determinado objeto pode exigir o método que lhe seja adequado. Da mesma forma, um determinado método pode criar o seu próprio objeto. Ambos se condicionam e, eventualmente, ambos se determinam mutualmente. O cotidiano é um lugar privilegiado de análise na medida em que é revelador, por excelência de determinados processos do funcionamento e da transformação da sociedade e dos conflitos que atravessa. A pesquisa do cotidiano tem interesse em olhar a sociedade a nível dos indivíduos e, ainda, a necessidade de ver como a sociedade se traduz na vida deles (PAIS, 2015).

Nesse sentido, os fenômenos das experiências sociais vistos no seu cotidiano, fundamentam epistemologicamente as vivências educativas com jovens afrodescendentes no Brasil e Portugal no desenvolvimento desta pesquisa qualitativa. Para tanto, importa-nos pensar e compreender o fenômeno considerando classes sociais, culturas, identidades, pertencimentos e autorias dos sujeitos que são centrais na investigação.