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A MANUTENÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA POR MEIO DA RECEPÇÃO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

1. COMPREENSÃO ABRANGENTE DE DIGNIDADE

Vários são os doutrinadores a incursionar sobre o universo da dignidade humana, oferecendo conceitos e elementos caracterizadores, enquanto tantos outros defendem a impossibilidade de conceituá-la a contento, sobretudo se observada a questão de sua aplicação prática. E embora seja difícil chegar a um único conceito, pode-se dizer que, em sua trama, é forte a presença da tolerância, uma vez que engloba tanto aspectos ligados a valores (tais como respeito à essência da pessoa humana); quanto aspectos conectados à justiça, relacionados aos direitos e garantias fundamentais já positivados. É de José Dias a reflexão a seguir:

A palavra dignidade é um dos grandes sustentáculos da nossa língua e da nossa cultura [...] tudo parece indicar que a mais remota origem linguística [...] seja do sânscrito [...]. O significado desta raiz “dec” (decente), corresponde ao “ser conveniente, conforme, adequado”. Atribuiu-se às qualidades, as relações enquanto capazes de conformar-se aos homens e às coisas, às tarefas e às atividades.[...] O significado da palavra “digno” parece ser “justo”. Aquilo que não é “digno” é “in-justo” (20005, p. 248).

Para Gilberto Haddad Jabur (2000, p. 203), a noção e o conceito de dignidade humana ainda foram pouco pensados, pois “falta uma correta apreensão e fixação dos elementos que a compõem”. Entende o estudioso, que “a dignidade não aceita transigência nem gradação e que o respeito que se lhe deve está acima de qualquer outro valor ou direito estabelecido pelo homem”.

Evidencia-se, desta maneira, que a dignidade estará resguardada na mesma medida em que forem protegidos os direitos humanos; não cabendo esta tarefa protetiva apenas ao Estado, como bem lembra Guilherme Arruda Aranha (2007, 139), uma vez que o tema revela não apenas legítimo interesse nacional, mas ganha, a cada dia maior destaque internacional.

Fernanda Schaefer Rivabem (2207, p. 09) observa que é mais fácil “identificar situações em que a dignidade é desrespeitada, do que efetivamente realizada. A citada autora opta por classificar a dignidade como princípio, enquanto o entendimento esposado por Roxane Borges, opta por classificá-la como valor fundante do sistema jurídico; acima dos demais princípios, dando-lhe maior destaque. É de Borges o trecho que se segue:

O valor dignidade da pessoa humana surge, no ordenamento jurídico, como um elemento unificador das normas e categorias jurídicas, com forte influência sobre os direitos da personalidade.[...].Com o passar do tempo, a personalidade vem sendo entendida mais como valor jurídico ou como princípio do que como atributo jurídico(2005, p. 7).

Se não há definições abrangentes o suficiente, deve haver noções fundamentais, ao menos elementos caracterizadores. É isto que se buscará no tópico seguinte.

1.1 COMPOSIÇÃO DA DIGNIDADE: FATORES EXTRÍNSECOS E FATORES INTRÍNSECOS

Estudando a evolução do pensamento ocidental no que pertine ao conteúdo e ao significado da noção de pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet assevera:

Cumpre ressaltar, de início, que a ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão. [...] No pensamento filosófico e político da Antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade ( 2201, p. 30).

Desta feita, é possível afirmar, acerca do conceito de dignidade, que seu significado tem algo de intrínseco à natureza humana, ainda que não se consiga determinar-lhe os limites com precisão. Neste contexto, interessa ressaltar o que diz Fernanda Schaefer Rivabem:

A dignidade não só é inerente ao ser humano individualmente considerado (visão ontológica) como é fruto do desenvolvimento histórico e cultural da sociedade e, por isso, deve ser considerada prévia ao Direito, existindo, portanto, independente de sua previsão expressa, cabendo ao Direito a árdua tarefa de concretizá-la (promoção e proteção) (2007, P. 02).

Assim, plena de significado intrínseco, elemento do direto natural do ser humano, como componente dos direitos da personalidade, a dignidade é “sobrenorma” que se impõe, no caso brasileiro, aos textos legais infraconstitucionais, onde encontra seu elemento extrínseco e com suporte no texto constitucional, embora não expressamente. Nesse diapasão, dignidade humana não admite acordo, limitação, omissão ou expropriação sob qualquer hipótese; motivo pelo qual merece o abrigo constitucional na esteira do Princípio da Proibição do Retrocesso Social.

A importância da dignidade, neste estudo, está ligada à manutenção dos direitos sociais, duramente conquistados ao longo da história humana. Entende-se que o rol de direitos sociais (educação, trabalho, saúde, etc.), veiculados pela Constituição Federal, faz prova de sua íntima relação com os direitos humanos. Sua concretização é dever tanto estatal quanto privado e quando um direito social é atingido pela não realização, também é atingida a dignidade de todo indivíduo deste país.

A fim de compreender os contornos do valor dignidade no contexto dos direitos humanos fundamentais, até chegar à vedação de sua não-concretização, é que se passa ao próximo item.

1.2 PROTEÇÃO AOS DIREITOS COMO CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE

A dignidade somente alcançará seu verdadeiro sentido quando fundar sua preocupação no ser humano, considerado em sua autonomia e capacidade de autodeterminação. Não há falar-se em direitos humanos, e muito menos em dignidade se o indivíduo não puder preordenar-se em face dos seus direitos e deveres dentro do contexto social. E nos Estados ditos democráticos, sobretudo, é fundamental assegurar a dignidade, seja pela via positiva (garantindo-a) ou pela via negativa (proibição de retrocesso).

Tal direcionamento vem sendo dado pelos documentos de reafirmação dos direitos humanos em escala global, como a Carta Árabe de Direitos Humanos, a Carta Africana, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Europeia de Direitos Humanos, só para citar os mais recentes.

Quando se afirma e reafirma um direito humano fundamental, seja em documento com força legal ou, apenas resultado de intenções, já se está caminhando em direção à garantia da dignidade, porque diante do ecletismo que permeia a sociedade (e que deve ser respeitado), parte-se para um processo de compreensão da igualdade fundamental, que é inerente a cada ser humano.

Não só a dignidade é valor fundante, como é semente da convivência; tão almejada pela humanidade que há muito luta por liberdade, propriedade, igualdade, solidariedade. Este homem vai atuar no universo natural com um objetivo, construir casas, objetos e conceitos, baseado numa escala de valores, o que o torna único, e complexo; mas não sem antes reconhecer ao diferente o direito de ser tratado de modo digno. Para ser paradoxal, é preciso defender a igualdade na diferença. Nesse sentido, o pensamento de Roxana Borges:

O sentido de dignidade é um valor básico do ordenamento jurídico e se aproxima das noções de respeito à essência da pessoa humana, respeito às características e sentimentos da pessoa humana, distinção da pessoa humana em relação aos demais seres [...] depende de seus sentimentos de respeito, da consciência de seus sentimentos, das suas características físicas, culturais, sociais (2205, p. 143).

Sidney Guerra e Lilian M. Balmant Emerique (2006, p. 09), em artigo publicado na Revista de mestrado da Faculdade de Direito de Campos, destacam que embora haja uma preocupação significativa com os direitos fundamentais e, consequentemente, com as questões relativas à dignidade, muitos destes direitos não encontram efetividade, observando-se uma violação contínua dos direitos humanos e “o aviltamento da dignidade humana”.

Tereza Rodrigues Vieira (2206, p. 17), versando sobre bioética também destaca a importância do respeito à dignidade da pessoa humana, defendendo a tese da reflexão caso a caso “numa demonstração de que há um mínimo de dignidade que não se pode negociar”. Assim, não basta a positivação ou a constitucionalização dos direitos humanos, garantidores da dignidade, é preciso uma forte conscientização social, bem como uma postura governamental mais comprometida com o cidadão. E não basta alimentar o corpo, é preciso alimentar a cidadania, oportunizando o acesso a direitos sociais como educação, saúde, trabalho, moradia, além garantir a participação política. Dignidade exige disseminação do conhecimento, ampliação de oportunidades, acesso a benefícios previdenciários, garantia de segurança, além da proteção da livre manifestação do pensamento de cada indivíduo que compõe a sociedade.

O direito à vida digna está intimamente ligado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, sendo inegável que o reconhecimento estatal das prerrogativas do indivíduo é essencial. Entretanto, pergunta-se: poderá o legislador infraconstitucional, o juiz de direito ou o Poder executivo decidirem, em nome da política e da economia, sobre concessão ou não dos direitos constitucionais? Pode o Congresso Nacional alterar a lei maior (emendar) de modo a atingir as garantias insculpidas na Constituição pelo Poder Constituinte Originário? Para todas estas perguntas, na esteira do respeito à dignidade humana, a resposta é não.

A formação histórica da realidade social, bem como a constituição do rol de garantias aplicáveis aos homens e mulheres e concretizados em diversos documentos legais, faz da dignidade elemento fundamental do Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual, os retrocessos dessas conquistas atingem não só os textos legais, mas principalmente a vida dos indivíduos.

O professor Celso Ribeiro Bastos (1997, p. 166) explica que esta evolução deve muito ao Cristianismo, momento no qual o ser humano começa a ser visto como criação divina, imagem e semelhança de Deus. A dignidade humana, sua persecução e conquistas podem ser visualizadas na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o que conferiu à dignidade, e por consequência, à sua manutenção, um caráter universalizante, seja no aspecto teórico como no racional (BASTOS, 1997, p.167). Esta perspectiva encontra-se traduzida na evidente expansão dos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos.

2. A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA PELA VIA DA

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