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Compreensão de corpo mortal / material

No documento carlosqueiroz (páginas 147-150)

CAPÍTULO III RESSURREIÇÃO E IMORTALIDADE: A PREGAÇÃO

3.3 Compreensão de corpo mortal / material

Fabris (2001, p. 61) atesta que do conjunto do pensamento paulino e da sua linguagem, como aparecem na coleção de suas cartas, devemos concluir que a sua formação grega não revela um conhecimento direto dos escritos dos filósofos e escritores profanos. Paulo possuía uma cultura grega de nível médio, derivada apenas em parte da formação escolar na sua juventude em Tarso e em Jerusalém. A contínua presença dele no mundo grego das grandes cidades do Império Romano contribuiu para formar a sua cultura geral, na qual também encontra obviamente seu lugar o modo de pensar e de se expressar próprios de um judeu culto de seu tempo. Para falar do ser humano em sua realidade compósita, segundo Fabris (2001, p. 60), Paulo toma emprestado alguns termos e expressões que podem ser comparados aos da antropologia platônica: “espírito, alma e corpo” (1Ts 5,23). Como os filósofos e os escritores neoplatônicos e estoicos do seu tempo, ele contrapõe o “homem interior” ao “homem exterior”,87

a precariedade das coisas visíveis à imutabilidade das invisíveis (2Co 4,16,18). Paulo, porém, afirma o exegeta, coloca essas categorias dentro de um novo horizonte antropológico, determinado pela visão unitária bíblica, pela novidade da experiência cristã da ressurreição e pelo dom interior do Espírito de Deus.

A despeito desse novo horizonte antropológico, Stamps (1995, pp. 979-980) registra que o corpo é a parte do ser humano que serve de abrigo para a dimensão espiritual, isto é, a alma e o espírito, e que volta ao pó88 quando a pessoa morre. Admitindo a finitude humana, Eberhard Jüngel afirma que

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Com a distinção entre o e1sw a1nqrwpov (esõ antrõpos – “homem interior”) e o e1cw a1nqrwpov (ecsõ antrõpos – “homem exterior”), Paulo elabora uma expressão concisa de um conceito proveniente da filosofia helenista. Ela lhe permite adotar um ideal filosófico do seu tempo e simultaneamente cunhá- lo diferentemente a partir da teologia da cruz. [...] Ao contrário da antropologia helenista, a distinção paulina entre e1sw a1nqrwpov e e1cw a1nqrwpov não deve ser compreendida como um dualismo antropológico. In SCHNELLE, Udo, op. cit., pp. 693-694.

88 O corpo propriamente dito, que é (foi) formado do pó da terra, tem em si “18” elementos, e estes

faz parte das condições da existência corporal do ser humano, assim nos ensinam os médicos, que, a qualquer momento, ele pode e algum dia terá de deixar de existir corporalmente. Isso significa que o ser humano morre, porque e na medida em que tem um corpo, ou melhor, porque e na medida em que é corpo. Dessa constatação podem-se tirar conclusões diferentes e até mesmo contraditórias: a) Se o ser humano morre porque e na medida em que é corpo, a consequência plausível disso seria que o ser humano não morre porque e na medida em que é algo mais do que corpo, porque e na medida em que é alma ou espírito. Nesse caso, ao corpo mortal do ser humano se contraporia a sua alma imortal (ou o seu espírito imortal). b) Se o ser humano morre porque e na medida em que é corpo, poder-se-ia, porém, concluir inversamente que, no corpo e como corpo, o ser humano todo está exposto à morte (JÜNGEL, 2010, p. 37, ênfase do autor).

Também sob a ótica de Albano (2010, p. 28), o corpo é a parte tangível, exterior e perecível do homem (Gn 3,19), que é animado pela alma e pelo espírito. Tangível e exterior quer dizer que é material e orgânico. Da mesma forma os teólogos Duffield e Cleave (1991, p. 172) afirmam que o corpo natural, físico, do homem é apenas um tabernáculo temporário para a pessoa real que o habita e Myer Pearlman concebe o corpo como sendo

a) Casa, ou tabernáculo. (2Co 5.1) É a tenda na qual alma do homem, qual peregrina, mora durante sua viagem do tempo para a eternidade. À morte, desarma-se a barraca e a alma parte; b) Invólucro. (Dn 7.15) O corpo é a “bainha” da alma. A morte é o desembainhar a espada. c) Templo. O templo é um lugar consagrado pela presença de Deus - um lugar onde a onipresença de Deus é localizada. Quando Deus entra em relação espiritual com uma pessoa, o corpo dessa pessoa torna-se um templo do Espírito Santo (1Co 6.19) (PEARLMAN, 2006, p. 108).

físico. Estes elementos são essenciais à vida do homem. Vejamos quais são: mais ou menos 72% de oxigênio, 14% de carbono, 9% de hidrogênio, 5% de nitrogênio; os restantes 3,5% se compõem de pelo menos mais 15 elementos como cálcio, fósforo, potássio, enxofre, sódio, cloro e vestígios de iodo, cobre, zinco etc. Não existe no corpo humano qualquer elemento químico que também não possa ser encontrado na terra. Eis a razão por que disse o Criador: “... até que te tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e em pó te tornarás” (Gn 3,19b). Somente o oxigênio se encontra no corpo na sua condição elementar; os demais elementos estão em combinação com outros e é impossível separá-los. In: SILVA, Severino P. da. O homem: corpo, alma e espírito. Rio de Janeiro: CPAD, 1988, p. 62.

Nas palavras de Pearlman (2006, p. 108), o espírito é o centro e a fonte da vida humana; a alma possui e usa essa vida, dando-lhe expressão por meio do corpo. Também Cabral (2003, p. 60) admite que o corpo por si mesmo não tem poder algum. Seu poder deriva da alma, que é superior e o governa. A alma manda e o corpo apenas obedece. Segundo Cabral, o corpo não pode até mesmo pecar, pois o “eu” está separado do corpo, uma vez que o “eu”, a pessoa pode pecar, e, de fato o faz, mas não o corpo, pois este é mero instrumento da alma pecaminosa. “O corpo indica a materialidade (visibilidade, tangibilidade, historicidade) do ser humano vivo, ao passo que a alma, nefesh/ruah (hebraico) e psychê/pneuma (grego), aponta para a sua dimensão dinâmica, vital, ativa, intangível e invisível” (SCHNEIDER, 2008, p. 30). Essas duas dimensões perfazem o ser humano e este, para ser definido como ser humano vivo, não pode prescindir de nenhuma delas. Dessa forma, “nessas perspectivas o corpo é „instrumentalizado‟ e „coisificado‟, pois é entendido como instrumento, como algo que serve de veículo da alma para se comunicar com o mundo.” (ALBANO, 2010, p. 28). Contudo, parece ser mais coerente a afirmação de Rubio de que

a pessoa humana é corpórea e, assim, o corpo humano não deve ser considerado um mero instrumento da alma, como queria o platonismo; também não é pura exterioridade, como afirmava o dualismo cartesiano. A corporeidade é uma dimensão da pessoa humana, do “eu” humano (RUBIO, 1989, p. 280).

Nessa direção, é relevante o fato de que Paulo fazia tendas, de acordo com o registro lucano em At 18,1-3: “Depois disto, deixando Paulo Atenas, partiu para Corinto. Lá, encontrou certo judeu chamado Áquila..., com Priscila, sua mulher... Paulo aproximou-se deles. E, posto que eram do mesmo ofício, passou a morar com eles e ali trabalhava, pois a profissão deles era fazer tendas”. Dessa forma, “Paulo usava termos e expressões comuns da época para ajudar as pessoas a captar o significado do evangelho e a entendê-lo com mais profundidade” (SHELLEY, 1999, p. 1795) e, ao referir-se à tenda para retratar nosso corpo aqui na Terra, segundo Wiersbe (2006, p. 843), remete a uma estrutura frágil e temporária, sem grande beleza.

A afirmação de Paulo em 1Co 15,49 de que “assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial” revela, de acordo com Wiersbe (2006, p. 844), o contraste entre o nosso corpo mortal, que veio do pó da terra e o corpo glorificado. O filólogo Vine (2003, p. 462) registra que o termo e0poura/niov (epouranios - “celestial”) aponta para a ressurreição e os corpos glorificados dos crentes. Nessa perícope, o apóstolo, de acordo com Schnelle (2010, p. 686), enfatiza, contra a postura dos coríntios, orientada pela ideia de salvação presente89, que eles portarão a imagem do ser humano celestial Jesus Cristo somente no evento escatológico, pois o tempo presente está ainda marcado pelo ser humano terrestre, Adão. O conceito de ei0kw/n (eikõn – “imagem”) é para Paulo uma categoria de participação: a participação do filho na glória do Pai experimenta sua plena realização na participação dos féis na glória de Cristo, afirma Schnelle (2010, p. 688). Stamps (1995, p. 979), por sua vez, admite pelo menos três diferentes aspectos da imagem de Deus na raça humana: semelhança moral, capacidade de amar e fazer o que é bom e a inteligência.

No documento carlosqueiroz (páginas 147-150)