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Síntese da estrutura formativa de Paulo a partir do seu contato com o

No documento carlosqueiroz (páginas 72-75)

CAPÍTULO I – PAULO DE TARSO ENTRE DOIS MUNDOS

1.6 Síntese da estrutura formativa de Paulo a partir do seu contato com o

A formação do fundador das igrejas gentílicas obedece ao curso natural de vivência no interior de um espaço caracterizado pela influência do ambiente cultural. A consciência de identidade étnica do apóstolo dos gentios foi essencialmente determinada por ele mesmo ao enfatizar autobiograficamente sua identidade física e étnica como judeu. Ele expressa isso mais ou menos explicitamente em termos da sua circuncisão no oitavo dia, sua identidade racial como israelita, sua identidade tribal como pertencente à tribo de Benjamin, e o fato de que, determinantemente manteve a cultura hebraica (língua aramaica), ainda que tivesse sido criado na diáspora de língua grega. Estes eram os aspectos de identificação que valorizava, mas aos quais, após sua experiência religiosa em Damasco, não dispensa nenhum valor vis-à-vis ao novo conhecimento que adquiriu de Cristo.

Ressalte-se, todavia, que Paulo, em sua formação na cidade de Tarso, foi exposto a culturas que se sobrepuseram ao “jovem Saulo” e proporcionaram ao apóstolo elementos importantes para nossa compreensão de sua fala. Além das tradições judaicas, houve também a participação efetiva das culturas grega e romana, as quais, supõe-se, teriam sido acolhidas por Paulo em sua formação.

Corrobora essa ideia o fato de que Paulo, após sua instrução básica, foi enviado por sua família de Tarso a Jerusalém, onde aprendeu a conhecer a Deus na prática da lei “aos pés de Gamaliel” (At 22,3), inserindo-se no rígido farisaísmo, e de onde, posteriormente ao evento de Damasco, teria iniciado seu percurso de proclamador do Evangelho aos pagãos.

A mediação cultural do helenismo da época de Alexandre Magno colocou em contato o Oriente, mundo no qual amadureceu a religiosidade judaica de Paulo através dos ensinos férreos veterotestamentários da tradicional religião do judaísmo e a língua hebraica, com o Ocidente helenista, mundo que ele aprendeu a conhecer juntamente com a língua grega desde sua infância, em Tarso, importante metrópole cultural do Império Romano. Disso decorre que a relação entre o helenismo e Paulo permite-nos, ao menos em parte, haurir das cartas do Apóstolo dos gentios, ditadas por ele em grego, os elementos de sintonia do cristianismo com a cultura grega e do afastamento dos princípios judaicos.

Um ponto que é realçado pelos pesquisadores em sua formação refere-se à construção dos seus discursos. Detecta-se em sua argumentação uma linguagem peculiar de fundo helenístico, possuidora de um estilo diatríbico e qualidade retórica, que proporcionava ao apóstolo livre trânsito por onde circulava. Assim posto, é plausível supor que a origem do Apóstolo dos gentios na diáspora judaica e a sua formação em Jerusalém o colocaram naquela zona de fronteira em que, por um processo de osmose, se dá um intercâmbio fecundo entre judaísmo e helenismo.

Sua formação judaico-helenista favorece a investigação sobre o que se denominou chamar de “conversão de Paulo”, embora o apóstolo não faça alusão a esse termo e prefira considerar-se “chamado” por Deus. O termo “conversão” remete a uma experiência religiosa tão intensa e profunda, que modificou de modo irreversível a sua vida. Se for correto dizer que Paulo se converteu do “judaísmo”, era do judaísmo preso à Tora, fundado em aspectos puramente legalistas. Ele não se converteu de uma religião para outra; não mudou sua fé em Deus nem a respeito de Deus.

O exame da “iluminação repentina” ou “hierofania” ou “experiência numinosa” de Paulo com Cristo na estrada próximo a Damasco é bastante significativo na trajetória que o levou a configurar a doutrina da experiência após a morte, escopo desta pesquisa, na compreensão que ele empreende na reestruturação de sua própria imagem e na do mundo, a partir de sua participação no evento de Cristo, e na destacada influência em seus pressupostos antropológicos.

Sua mudança de perseguidor da fé cristã para defensor e anunciador da mesma trouxe grandes demandas pessoais com os judaizantes e com os judeu- helenistas, pois o Evangelho da graça, livre da Lei, que anunciava entre os pagãos ou não-judeus, era contestado tanto pelos membros do seu antigo partido farisaico, quanto pelos apóstolos de Jerusalém. Estava em jogo a legitimidade pessoal e a de sua mensagem.

Havendo já “exteriorizado”, “objetivado” e “interiorizado” os conteúdos de sua mensagem, de acordo com a conceituação bergueriana (1985, pp. 16-28), Paulo desenvolveu os níveis dialógico e comprobatório para interagir com seus interlocutores e levá-los à compreensão de sua perspectiva. Nesse ponto tem grande importância sua “investidura carismática”, adquirida a partir do Cristo ressuscitado no evento de Damasco, e sua autoapresentação como Apóstolo, enviado de Deus, anunciador do Kêrigma. O apelo paulino se apoiava, então, no fato de que Deus havia constituído como protagonista do seu juízo universal um homem por ele creditado com a ressurreição dos mortos.

Do carisma adquirido no evento de Damasco emerge um sistema de convicções responsável por uma ruptura radical e até certo ponto traumática, que fez Paulo reavaliar antigos conceitos de sua tradição farisaica, porém sem abandonar a esperança relacionada à ressurreição comum ao seu antigo sistema de convicções.

Convicto de sua chamada pelo próprio Cristo para ser o Apóstolo dos gentios, o anunciador do kêrigma, e investido do carisma, Paulo não tem dúvida da legitimação de sua pessoa e da mensagem de que é portador. Essa convicção o leva a sistematizar diversos temas relacionados com as comunidades alcançadas pelo labor missionário, dentre eles o tema da ressurreição e as questões antropológicas, teológicas e escatológicas que o envolvem.

CAPÍTULO II – QUESTÕES TEOLÓGICAS SOBRE A ANTROPOLOGIA PAULINA

No documento carlosqueiroz (páginas 72-75)