• Nenhum resultado encontrado

O domínio de Cristo sobre a morte (vv.24-28)

No documento carlosqueiroz (páginas 120-124)

CAPÍTULO II – QUESTÕES TEOLÓGICAS SOBRE A ANTROPOLOGIA

2.4 O domínio de Cristo sobre a morte (vv.24-28)

Sem ignorar “uma velha discussão”, apontada por Dunn (2003, p. 47), que ainda continua a ressoar, particularmente, entre os especialistas alemães, a saber, se o dinamismo central da teologia de Paulo estaria na “tensão entre cristianismo judaico e cristianismo gentílico”, como sugeriu originalmente F. C. Baur, ou seria a “justificação pela fé”, como continuaram a insistir R. Bultmann e Ernst Käsemann “com enorme convicção”, ou deveria ser a “participação em Cristo” ou alguma forma de “misticismo de Cristo”, como lembrou Albert Schweitzer, ou não seria a “teologia da cruz”, apresentada por Ulrich Wilckens, o “centro gerativo” (ACHTEMEIER apud DUNN, 2003, p. 47) da presente reflexão aponta para a ressurreição de Jesus e seu consequente domínio sobre a morte, sem querer, obviamente, que a teologia de Paulo seja fixa e inflexível.

Assim como em Paulo, assevera Schnelle (2010, pp. 767-768), também em sistemas de sentido e construções de tempo concorrentes, a temática da morte desempenha um papel decisivo. Especialmente no mundo greco-romano havia uma grande variedade de conceitos acerca da morte e de uma possível existência pós- morte. Encontram-se tanto a fé em uma continuação da vida da alma imortal como as numerosas variantes céticas. Nos sistemas filosóficos predomina a discussão sobre a natureza e continuidade da alma. O modelo platônico é contrastado por numerosos esboços que negam uma imortalidade da alma ou que minimizam sua capacidade de vida pós-morte.

Os estoicos [...] não creem na imortalidade da alma. [...] Lucrécio procura comprovar que a alma é mortal e insensível após a morte. [...] Epicúrio desenvolveu uma teoria independente e até hoje fascinante sobre a morte como não-tempo: “A morte não tem importância para nós; pois o que está dissolvido, está sem sensação; e o que está sem sensação, não tem importância para nós”. [...] Cícero apresenta uma mistura de idéias platônicas e epicureias. [...] Sêneca não teme a morte. [...] Segundo Epíteto, a morte não é nada de ruim e tampouco um estado de não-ser, mas apenas a passagem de um estado existencial para outro. [...] Ao lado das considerações filosóficas existe a religiosidade popular” (SCHNELLE, 2010, pp. 768- 769).

Em função dessa diversidade de respostas efetivamente atraentes à problemática da morte, segundo Schnelle (2010, p. 770), é que se levanta a pergunta pela eficiência do modelo paulino, pois

no judaísmo antes da destruição do templo, o conceito de uma ressurreição dos mortos foi o modelo predominante, mas de maneira alguma o único. Entre os gregos predominava o ceticismo acerca de uma continuação da existência corporal, qualquer que fosse seu tipo. [...] Particularmente entre os cínicos pode-se observar uma grande reserva diante de teorias pós-mortais. [...] “Diz-se também que Diógenes, ao morrer, teria ordenado a deixá-lo insepulto, como despojo dos animais selvagens, ou de empurrá-lo para uma vala e de espalhar um pouquinho de pó sobre ele” (SCHNELLE, 2010, pp. 770- 771).

Schnelle (2010, p. 771) considera que Paulo superou fronteiras de culturas e de pensamento, ao combinar o conceito judaico da ressurreição com a noção grega do espírito enquanto poder divino de vida aceitável no âmbito helenístico. Para o teólogo-exegeta, as narrativas conferem duração e sentido a um evento singular e constroem assim “tempo”. Dessa forma, ao apresentar a “história-de-Jesus-Cristo” como modelo do amor e poder criador de Deus que supera a morte, Paulo abre para as pessoas de todas as nações e camadas a possibilidade de confiar no amor divino, em um âmbito além das ideias tradicionais da continuidade.

O tempo não é abolido, mas confiado à justiça, à bondade e à misericórdia de Deus. Nem a construção cultural-imperial do tempo

no helenismo nem a destruição do tempo na catástrofe escatológica da apocalíptica judaica foram capazes de suscitar uma confiança semelhante (SCHNELLE, 2010, p. 771).

Raciocinando pela lógica combativa de uma guerra, preocupado em “realçar que Cristo é maior que todas as forças do inimigo” (SHELLEY, 1999, p. 1786), Paulo apresenta a morte em 1Co 15,26, dentre outros opositores (principados e potestades) como o e0sxatoj (eschatos – último) e00xqro/v (echthros – inimigo, adversário) a katargei=tai (catargeitai - ser destruído), através do triunfo de Jesus sobre ela por meio da ressurreição.

Com Cristo surge um novo tipo de revelações divinas. Estas revelações são manifestadas em intervenções destruidoras, que visam a destruir o poder do pecado, ou melhor, todos os poderes do pecado, “todo principado, autoridade e poder” (1Co 15,24). A destruição destes poderes é um prelúdio da destruição do poder da morte no final da história. É esta a singularidade da manifestação de Deus em Jesus, segundo o sistema de convicções de Paulo (PATTE, 1987, p. 388, ênfase do autor).

Patte (1987, p. 333) salienta ainda que os termos técnicos “principado” e “autoridade e poder” (potestades) claramente designam “inimigos”, que mantêm os homens sob seu poder, como também a morte o faz. Mas então,

conforme o princípio de organização tipológico, se a última intervenção de Cristo (ou de Deus) na parusia consiste em destruir completamente esses poderes, quer dizer que a ressurreição de Cristo dentre os mortos como prefiguração, ou manifestação preliminar da parusia, é também a superação da morte como um poder (PATTE, 1987, p. 333).

Após argumentar contrariamente, de acordo com Henry (2002, p. 964), aos que negavam a ressurreição do corpo e apresentar como prova da ressurreição do corpo a ressurreição de Jesus, Paulo ocupou-se em persuadir os seus interlocutores sobre a ressurreição dos crentes para uma vida pós-morte, alegando que “por causa do pecado do primeiro Adão, todos os homens se tornaram mortais, porque todos

passaram a ter a sua natureza pecaminosa [...], por meio da ressurreição de Cristo, todos se tornaram participantes do Espírito, e da natureza espiritual” (HENRY, 2002, p. 965). A interação Adão-Cristo, de acordo com Dunn (2003, p. 254), é a interação de morte e vida, conforme se verifica em 1Co 15,22; ou, para ser mais preciso, a interação de uma vida que só termina na morte e uma vida que morre, mas também vence a morte na vida ressuscitada. “A exposição de 1Co 15 certamente se concentra na ressurreição de Cristo. Como Adão representa a morte, assim Cristo representa a ressurreição” (DUNN, 2003, p. 287).

Paulo presumivelmente convidou os leitores a teologizar mais ou menos conforme as linhas que seguem. Se Jesus morre, então todos estão mortos. Se o Cristo morre, então ninguém pode escapar da morte. Quando Paulo diz o “um” (figura adâmica escatológica) morreu, quer dizer que não há outro fim possível para todos os seres humanos. Toda a humanidade morre, como ele morreu como carne, como fim da carne do pecado (Rm 8,3). Se houvesse uma maneira de a carne do pecado vencer sua tendência para baixo, de escapar da sua sujeição ao poder do pecado, o homem representativo de Deus não precisaria morrer e não teria morrido. O um teria demonstrado a todos como a carne do pecado podia ser vencida. Mas Cristo morreu, um só morreu, porque não há outro caminho para a humanidade, para todo homem e toda mulher seguir. A morte do um significa que não há saída para a carne fraca e corrupta a não ser através da morte, nenhuma resposta ao poder do pecado que age na carne e através da carne, exceto sua destruição na morte. É como disse Karl Barth: “Não havia ajuda para o homem senão através do seu aniquilamento” (DUNN, 2003, pp. 255-256, ênfase do autor).

Na perspectiva paulina, a ressurreição corpórea, além de ser parte integrante do evangelho, apontando para uma transformação do que é mortal em imortal, “confirma que a vitória sobre a morte é central no evangelho. Ela resolve para sempre a tensão entre carne e corpo” (DUNN, 2003, p. 553). “A ressurreição de Jesus Cristo é a vitória sobre o destino da morte. Essa vitória é qualitativamente distinta da ideia da libertação da alma da prisão do corpo e da matéria” (WESTPHAL, 2009, p. 138).

Henry (2002, p. 965) também é de opinião que o argumento do apóstolo, sistematizado no cristianismo, seria uma confissão néscia, se não propusesse esperanças para mais além desta vida, ao menos em tempos de perigo, como nos primeiros tempos, e muitas vezes desde então.

O aguilhão da morte é o pecado, porém Cristo, ao morrer, tirou este aguilhão; Ele fez expiação pelo pecado; ele obteve a remissão dos pecados. A força do pecado é a lei. Ninguém pode responder às suas exigências, suportar a sua maldição ou acabar com as suas transgressões. Daí vem o terror e a angústia. [...] A morte pode surpreender o crente, mas não pode retê-lo em seu poder (HENRY, 2002, p. 966).

O que se pode presumir, de acordo com Dunn (2003, p. 276) é que Cristo tendo morrido, nem o pecado nem a morte não têm mais nenhum poder sobre ele e o corolário para os que estão “em Cristo” é óbvio e podem assim protestar: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1Co 15,55). “Como Cristo mesmo passou para a esfera da a9marti/a, ele desapodera por sua ressurreição o pecado e a morte” (SCHNELLE, 2010, p. 430).

2.5 Síntese da estrutura teológica e antropológica da escatologia paulina a

No documento carlosqueiroz (páginas 120-124)