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Compreensão de ratio decidendi e obiter dictum

1.2 OS SISTEMAS JURÍDICOS

1.2.5 Compreensão de ratio decidendi e obiter dictum

O melhor lugar para buscar o significado de um precedente é na sua fundamentação, ou melhor, nas razões de decidir.

Por isso, é necessário bem compreender os institutos da

ratio decidendi e da obiter dictum advindos do common law.

153

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 490. 154

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 97-98. 155

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e

segurança jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição

Conforme leciona Didier Junior156, ratio decidendi, também denominada de holding, refere-se a fundamentos jurídicos que sustentam a decisão. É, em suma, a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida de determinada maneira.

A ratio decidendi constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto. Até por isso, Taruffo também define a ratio decidendi como a regra do direito que foi posta como fundamento na decisão sobre os fatos específicos de um caso.157

Nessa linha, verifica-se que a ratio decidendi é elemento central do precedente. Inclusive, Duxbury158 verifica “o precedente como vetores para a razão de decidir”, de forma que, à função priomordial que deve desempenhar os Tribunais é no sentido de conseguir fornecer e adequada ratio decidendi em suas decisões.

Taranto159 também ensina que no sistema do common law um precedente é dotado basicamente de dois elementos: a ratio

decidendi160 (ou holding) e a obiter dictum161 que, notadamente, merecem toda atenção no sistema jurídico.

A doutrina do stare decisis determina que apenas a ratio

decidendi, na qualidade de questão nuclear do julgado, possui

156

DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Org.). Curso de direito processual

civil. Teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa

julgada e tutela provisória, p. 442. 157

TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência, p. 282. 158

DUXBURY, Neil. The Nature And Authority Of Precedent. p. 108. 159

TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional, p. 13.

160

Importante esclarecer que a ratio decidendi (razões determinantes) e as obiter dictum (razões outras) não têm correspondente no processo civil adotado no Brasil, pois não se confundem com a fundamentação nem com o dispositivo. (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes

obrigatórios, p. 220).

161

Anote-se que esses elementos do common law também fazem parte do civil law, tanto que: “Atualmente [...] na civil law, o juízo de validade dos atos normativos pela Jurisdição Constitucional identifica a ratio

decidendi e as obiter dictum na argumentação das decisões dos

Tribunais Constitucionais. O direito brasileiro, tardiamente, segue essa tendência”. (TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional, p. 15).

força obrigatória. A obiter dictum ou (simplesmente) dictum consubstancia questão secundária, de efeito meramente persuasivo, normalmente obtida de forma negativa, no sentido de representar o que não seja ratio decindendi.

Logo, a dictum é uma passagem usada para que o discurso se refira sobre um dado ponto de direito.162

Aliás, Wambaugh163 conceitua o obiter dictum,

esclarecendo que embora não seja dotada de autoridade, muitas vezes acaba por ser também respeitado:

A dictum, however emphatic and however well reasoned, is not authority of the highest order. As already exiIained,a court has no authority to pass upon questions not involved in the litigation. Further, even if the court had such authority, neither court nor counsel would give careful atten tion to unnecessary questions. Dicta, however, are often respected and followed. 164

Sobre as expressões holding e ratio decidendi, Mendes165 também afirma que são sinônimas e aludem ao mesmo elemento da decisão judicial. A primeira expressão emana do direito norte- americano e a segunda do direito inglês.

Quanto à ratio decidendi ou “razão de decidir”, é correto dizer que é a tese jurídica ou a interpretação da norma

162

TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional, p. 13-14.

163

EUGENE WAMBAUGH, Ll. D. The Study Of Cases. Cambridge: Little, Brown, And Company. 1894. p. 53-54.

164Tradução: “Um dictum, no entanto enfática e mais bem fundamentado, não é autoridade da mais alta ordem. Como já foi explicado, o tribunal não tem autoridade para passar sobre questões que não estão envolvidos no litígio. Além disso, mesmo que o tribunal tinha tal autoridade, nem judicial nem conselho daria muita atenção para perguntas desnecessárias. Dictum, no entanto, são muitas vezes respeitado e seguido”. (EUGENE WAMBAUGH, Ll. D. The Study Of

Cases. Cambridge: Little, Brown, And Company. 1894. p. 53-54).

165

MENDES, Bruno Cavalcanti Angelin. Precedentes judiciais

vinculantes: a eficácia dos motivos determinantes da decisão na cultura

consagrada na decisão. A razão de decidir não se confunde com a fundamentação, mas nela se insere.166

O direito inglês é fundamentalmente um direito jurisprudencial (case law) e suas regras são aquelas que se encontram na ratio decidendi das decisões dos tribunais (questão nuclear e impositiva da decisão), o que também é esclarecido por Barboza167 da seguinte maneira: “[...] numa decisão é possível distinguir a ratio decidendi da obiter dictum; enquanto a ratio

decidendi é a questão nuclear e impositiva da decisão, as obiter dictum são declarações que não são estritamente necessárias

para a solução do conflito”.

Para Didier Junior168, obiter dictum é o argumento jurídico, consideração ou comentário, exposto apenas de passagem na motivação da decisão que se convola em juízo normativo acessório, provisório e secundário. Logo, trata-se de elemento jurídico que não tem relevância nem é substancial para a decisão.

No common law, a ratio decidendi é extraída ou elaborada a partir dos elementos da decisão, isto é, da fundamentação, do dispositivo e do relatório. Portanto:

[...] quando relacionada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença, ela [a

ratio decidendi] certamente é „algo mais‟. E isso simplesmente porque, na decisão

common law, não se tem em foco somente a

segurança jurídica das partes – e, assim, não importa apenas a coisa julgada material –, mas também a segurança dos jurisdicionados, em sua globalidade. Se o dispositivo é acobertado pela coisa julgada, que dá segurança à parte, é a ratio decidendi que, com o sistema do stare decisis, tem

166

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 220. 167

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e

segurança jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição

constitucional brasileira, p. 47-48. 168

DIDIER JUNIOR, Fredie et al. (Org.). Curso de direito processual

civil. Teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa

força obrigatória, vinculando a magistratura e conferindo segurança ao jurisdicionado.169 Portanto, no common law, havendo acórdão, a única parte do precedente que possui efeito vinculante é a ratio decidendi. Por isso, naturalmente, busca-se a definição das razões de decidir ou da ratio decidendi com vistas a evidenciar a porção do precedente que terá tal efeito.

Ainda, no sistema legal em comento, a ratio decidendi tem um sentido distinto do núcleo das questões jurídicas levadas ao Judiciário. A decisão não repercute apenas em relação às partes, mas para todos os jurisdicionados, de forma que no common law, ainda que os fundamentos da decisão não estejam estritamente condicionados ao instituto da coisa julgada, são eles importantes para a análise dos precedentes, pois tal decisão não repercute apenas em relação às partes.170

Segundo Mendes171, “a tese jurídica insculpida na decisão – ou a interpretação da norma – está a conferir substância ao conceito de ratio decidendi”. Porém, a fundamentação não implica necessariamente a razão de decidir, visto que é um conceito mais amplo que pode abarcar, inclusive, teses jurídicas que não serão levadas diretamente a cabo para o resultado finalístico do processo.

Dissertando sobre o tema, Barboza172 conclui que a decisão concreta é vinculante para as partes, mas é a ratio

decidendi, abstratamente considerada, que tem força de lei para

todos (repercute além da relação julgada entre as partes). A ratio decidendi pode ser encontrada nas razões e nos fundamentos gerais da decisão judicial.

169

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 220. 170

MENDES, Bruno Cavalcanti Angelin. Precedentes judiciais

vinculantes: a eficácia dos motivos determinantes da decisão na cultura

jurídica, p. 99. 171

MENDES, Bruno Cavalcanti Angelin. Precedentes judiciais

vinculantes: a eficácia dos motivos determinantes da decisão na cultura

jurídica, p. 100. 172

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e

segurança jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição

Por consequência, o conceito de obter dicta (dictum) é construído por exclusão, ou seja, tudo que não fizer parte da ratio será dicta.173

Logo, a verdade é que a obiter dicta não tem nenhuma eficácia e não pode ser invocada como precedente nas decisões dos casos sucessivo, já que não condicionaram a decisão do caso anterior.174

Neste sentido, é possível compreender que, a força vinculante de um caso anterior limita-se ao princípio ou regra indispensável à solução das questões de fato e de direito efetivamente suscitadas e decididas, enquanto que, todos os pronunciamentos que não são indispensáveis à decisão constituem dicta.175

É possível afirmar, portanto, que a ratio decidendi dos casos julgados deve ser considerada a verdadeira fonte do precedente para os casos futuros; a obiter dictum, por sua vez, não tem caráter vinculante aos jurisdicionados.

Em rigor, o direito costumeiro, baseado no modelo inglês necessita da ratio decidendi, que compõe umas das principais regras do common law. Daí se infere que a tradição do common

law é pautada na significação da referida ratio decidendi,

fundamental e imprescindível para a compreensão dos precedentes.

1.2.6 Técnicas na aplicação do precedente: distinguishing e