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SÚMULA SEM EFEITO VINCULANTE

O Supremo Tribunal Federal instituiu a “Súmula da Jurisprudência Predominante” por emenda de 28.08.1963 ao seu Regimento Interno com o fim de caracterizar as teses jurídicas assentes em suas decisões.304 Mas isso não foi um processo automático.

No início da década de 1960, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Victor Nunes Leal, elaborou a primeira proposta de criação de súmula de jurisprudência predominante da referida Corte. Os objetivos do magistrado com tal iniciativa eram bem práticos e visavam organizar e facilitar a consulta à jurisprudência prevalecente do STF, tanto para estudantes e advogados como para os próprios Ministros daquele Tribunal. A ideia era a de que a primeira condição para que o Supremo

303

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 515. 304

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de

pudesse dar firmeza à sua jurisprudência seria o imediato conhecimento dos seus próprios precedentes. Na concepção do próprio Ministro Victor Nunes Leal, os Ministros tinham muita dificuldade de identificar as matérias pacificadas pelo Tribunal.305

Schafer306 esclarece que as súmulas foram concebidas como método de trabalho, “com efeito persuasivo, no qual brevemente enunciava-se o que o STF vinha decidindo de forma reiterada, tanto em Direito Federal como em questões constitucionais, que na época eram julgadas pelo Supremo”.

Da doutrina de Mancuso307 retira-se também afirmação de que o instituto das súmulas não vinculantes surgiu no órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, no ano de 1963, à época conhecida como “súmula da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal”.

Para o autor, o direito superveniente acabou chancelando a iniciativa pretoriana, em razão de a Constituição Federal de 1967 já ter conferido ao STF o poder de elaborar normas de processo e proceder ao julgamento dos feitos submetidos ao STF (art. 15, parágrafo único, alínea c).

O Ministro Victor Nunes Leal, defensor e eminente impulsionador da súmula vinculante, em seu discurso em defesa do instituto, justificou que os “pleitos iguais, dentro de um mesmo contexto social e histórico, não devem ter soluções diferentes. A opinião leiga não compreende a contrariedade dos julgados, nem o comércio jurídico a tolera, pelo seu natural anseio de segurança”308

.

Em outra oportunidade, o Ministro Victor Nunes Leal apresentou as razões da criação do instituto da súmula, que tanto almejou:

305

FELETTI, Vanessa Maria. Súmulas vinculantes, hermenêutica e

jurisdição constitucional: um estudo sobre a interpretação e aplicação

das súmulas vinculantes sob a ótica dos direitos e garantias fundamentais na tarefa de julgar, p. 75.

306

SCHAFER, Gilberto. Súmulas vinculantes: análise crítica da experiência do Supremo Tribunal Federal, p. 21.

307

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e

súmula vinculante, p. 84.

308

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e

Ela [a súmula vinculante] atende, portanto, a vários objetivos: é um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais, mediante a simples citação de um número convencional; distingue a jurisprudência firme da que se acha em vias de fixação; atribui à jurisprudência firma consequências processuais específicas para abreviar o julgamento dos casos que se repetem e extermina as prolações deliberadas.309 A primeira disposição prevendo súmula foi positivada em 30/08/1963, de forma que a alteração procedida no Regimento Interno do STF (RISTF, art. 102) permitiu a edição de súmulas, sendo, inclusive, a primeira publicação do instituto data de 12/12/1963.

Segundo Barbosa Moreira310 embora nenhuma disposição legal conferisse eficácia vinculante às proposições inseridas na “súmula”, ela veio a exercer, na prática, enorme influência nos julgados em geral dos juízes de primeiro grau e dos Tribunais.

Sobre o histórico das súmulas, Shimura311 ressalta que as primeiras decisões sumuladas obrigavam apenas os órgãos julgadores que as emitiam. O autor lembra ainda que continuará havendo súmulas não vinculantes, provenientes de outros Tribunais superiores, como sucede na uniformização de jurisprudência.

309

Tais manifestações foram através de artigo publicado na Revista Forense, intitulado “Atualidades do Supremo Tribunal” (RJ, ano 61, v. 208, p. 17, out./dez.1964). O ministro Victor Nunes Leal, além de idealizador e relator da emenda regimental (RISTF), responsável pela inserção da súmula no RISTF, foi o relator de seus primeiros 370 enunciados, conforme consta de seu depoimento em também artigo da Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas (nº. 145, jul./set.1981), com o seguinte título “Passado e futuro da súmula do STF”. (FELETTI, Vanessa Maria. Súmulas vinculantes, hermenêutica e

jurisdição constitucional: um estudo sobre a interpretação e aplicação

das súmulas vinculantes sob a ótica dos direitos e garantias fundamentais na tarefa de julgar, p. 78).

310

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, Jurisprudência,

Precedente: uma escala e seus riscos, p. 50.

311

SHIMURA, Sérgio Seiji. Súmula vinculante. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.). Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004, p. 761-766.

Aliás, pacificando o assunto em âmbito de STF, o artigo 8° da EC 45/2004, caracterizando uma espécie de disposição transitória, deixou explícito que as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após a respectiva confirmação (aprovação) por dois terços dos seus ministros e consequente publicação no órgão oficial. É o que se extrai da redação do citado dispositivo, in verbis: “art. 8º. As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial.”.

Portanto, para alcançarem efeito vinculante, as súmulas deverão ser novamente submetidas à confirmação por dois terços dos integrantes do STF, com nova publicação na Imprensa Oficial.312

O Ministro Gilmar Mendes, nesse mesmo sentido, decidiu que as súmulas anteriores à EC 45/2004 só têm validade processual e não constitucional, sem qualquer vinculação, conforme se verifica no excerto do seguinte julgado313.

Mancuso assinalando que nem todas as antigas súmulas poderão ser elevadas ao efeito vinculante, apresenta as seguintes justificativas:

À luz dos critérios objetivos indicados no art. 103-A e § 1º da CF, é lícito inferir que o efeito vinculante não poderá revestir todas as súmulas do STF, e isso por mais de um motivo: (i) algumas delas não tratam de matéria constitucional, pela boa razão de que, até o advento da CF de 1988, o STF dava a última palavra também no direito federal comum, tarefa que, a partir de então, passou para o criado STJ. Assim,

312

SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais, p. 260.

313

Súmulas vinculantes. Natureza constitucional específica (art. 103-A, § 3º, da CF) que as distingue das demais súmulas da Corte (art. 8º da EC 45/04). Súmulas 634 e 635 do STF. Natureza simplesmente processual, não constitucional. Ausência de vinculação ou subordinação por parte do Superior Tribunal de Justiça. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl n. 3.979-AgR. Relator Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF. Julgamento 03.05./2006. Publicação em 02.06.2006. Acesso em 07.01.2015, no portal do STF: www.stf.jus.br).

considerem-se estas matérias sumuladas no STF: 499 – valor da causa na consignação em pagamento; 641 – prazo em dobro para recorrer no litisconsórcio; 713 – efeito da apelação contra decisões do Júri; (ii) as súmulas defasadas, seja porque adveio direito novo, com elas incompatíveis, seja porque superadas por novo entendimento pretoriano, seja porque o STF veio a perder a competência para conhecer da matéria de que tratam, não se justificando que sigam vinculantes, até porque essa eficácia obrigatória só pode incidir sobre norma legal idônea a propiciar ‟controvérsia atual entre órgão judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica‟ - § 1º do art. 103-A, redação similar à do § 1º do art. 2º da Lei 11.417/2006 – ao passo que as súmulas defasadas, tendo perdido sua efetividade e atualidade, não têm como acarretar aquelas consequências. 314

Dessas lições se extrai que uma súmula outrora meramente consultiva só terá efeito vinculante se confirmada por dois terços dos ministros do STF e que a partir deste momento não poderá mais ser de uso facultativo.

Posição diferente é defendida por Sifuentes315, que entende que o Supremo Tribunal Federal passará, doravante, a editar dois tipos de súmula: (i) as antigas súmulas previstas no seu Regimento Interno, já que não existe impedimento legal para tal, e (ii) as súmulas vinculantes, à luz dos requisitos previstos na ordem constitucional em vigor.

Essa última interpretação, em que pese ser coerente, não deve ser levada a efeito, nem tem merecido guarida no STF, uma vez que, feita uma análise histórica, a Suprema Corte pátria enunciou 736 súmulas não vinculantes, e após a aprovação da

314

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e

súmula vinculante, p. 368.

315

SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais, p. 260.

referida EC 45/2004 passou a editar apenas súmulas vinculantes na forma do art. 103-A da CRFB/88.

Nesse contexto, as súmulas antigas não vinculantes que não forem confirmadas continuarão servindo como diretrizes para um determinado julgamento e, ademais, está descartada a edição de novas súmulas não vinculantes, não obstante a ausência de vedação legal. Por consequência, as antigas súmulas terão apenas o efeito prático de orientar o órgão julgador a adotar aquele posicionamento já previsto em súmula, não cabendo, portanto, vinculação, sequer reclamação para anular a decisão judicial, muito menos o ato administrativo.316

Na linha de raciocínio de Tavares317 as súmulas anteriores e não vinculantes do STF deixarão, inclusive, de existir, pois perderam seu significado com a Reforma do Judiciário.

Em outras palavras, não servirão nem mesmo como diretrizes para um determinado julgamento, em que pese o seu reconhecimento na condição de orientação processual, conforme destacado por Gilmar Mendes, em interpretação posterior a EC 45/2004.

2.4 SÚMULA COM EFEITO VINCULANTE NA EC 45/2004