• Nenhum resultado encontrado

Técnicas na aplicação do precedente: distinguishing e

1.2 OS SISTEMAS JURÍDICOS

1.2.6 Técnicas na aplicação do precedente: distinguishing e

O distinguishing é uma técnica dos elementos

característicos do common law, mas, conforme Bustamante176, tende a expandir-se para outros domínios e tradições jurídicos.

O instituto do distinguishing surge como verdadeira técnica jurídica de aplicação dos precedentes mediante a atividade de diferenciação de casos, cuja finalidade é comprovar que,

173

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e

segurança jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição

constitucional brasileira, p. 223. 174

TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência, p. 282. 175

RE, Edward D. “Stare decisis”, p. 49.

176

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais, p. 470.

havendo distinções entre eles, a ratio do precedente não incidirá em novo caso sub judice.177

Elemento fundamental do common law, o distinguishing surge como a ação dos juízes em fazer a distinção entre um caso e outro. Até porque, se o magistrado, no common law, lança mão de fatos que se mostram irrelevantes do ponto de vista material, facilmente serão percebidos em uma análise acurada dos termos processuais.178

Com efeito, o distinguishing expressa à distinção entre casos, na hipótese de se subordinar ou não determinada situação concreta ao julgamento de um precedente.

Porém, a aplicação do distinguishing exige como antecedente a compreensão da referida ratio decidendi, sem a qual é impossível estabelecer o distinguishing.179

Bustamante afirma existir afinidade e equivalência entre

distinguishing e overruling, de forma que sua explicação é a

seguinte:

O overruling, no entanto, não é o único caso de judicial departure. [...] é importante observar que distinguishing, overruling e fact-

adjusting, são funcionalmente equivalentes;

eles servem como meios alternativos para a mesma finalidade. Nas três situações estamos diante de um caso de abandono da regra adstrita (de origem jurisprudencial) que aponta para uma determinada solução ao problema jurídico enfrentado. 180

A diferença do distinguishing em relação ao overruling decorre, sobretudo, do fato de que o afastamento do precedente não implica o seu abandono, mas sim a não aplicação em determinado caso.

177

MENDES, Bruno Cavalcanti Angelin. Precedentes judiciais

vinculantes: a eficácia dos motivos determinantes da decisão na cultura

jurídica, p. 108. 178

MENDES, Bruno Cavalcanti Angelin. Precedentes judiciais

vinculantes: a eficácia dos motivos determinantes da decisão na cultura

jurídica, p. 109. 179

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 326. 180

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais, p. 388.

Quadra salientar que a doutrina common law norte- americana, embora evidencie o respeito ao stare decisis, é muito preocupada com o overruling. Exemplo disso é a eficácia horizontal dos precedentes, demonstrando a diferença de tratamento de aplicação do overruling entre a House of Lords e a Suprema Corte dos Estados Unidos, uma vez que historicamente a primeira detém resistência a tal condição e, contudo, a Corte norte-americana é flexível.

Os precedentes da Suprema Corte Americana evidenciam, por si sós, a razão de ser do stare decisis, de forma que para considerar o valor da segurança jurídica e preservar o sistema, demonstram grande preocupação com o overruling também diante do controle difuso de constitucionalidade. Em razão disso, é possível afirmar que a doutrina norte-americana observa o instituto do overruling com maior intensidade.181

Fato é que ao realizar o distinguishing o juiz deve atuar com prudência e embasado em critérios, até por isso não é qualquer distinção que justifica o distinguishing e a distinção fática deve revelar uma justificativa convincente.182 Logo, o magistrado não pode identificar no distinguishing um sinal aberto para desobedecer precedente que não lhe convém.

Bustamante183, sobre o overruling, também esclarece que “é uma espécie do gênero das denominadas judicial

departures184, ou seja, dos casos de afastamento de uma regra jurisprudencial”.

Com efeito, uma hipótese de afastamento ocorre quando o tribunal resolve um problema jurídico por um precedente judicial, mas de forma diferente.

181

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 97-98. 182

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 325-326. 183

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais, p. 387.

184 Segundo o autor: “em países de common law, uma departure ou afastamento de um precedente por uma corte superior pode, via de regra, ser prontamente identificada como um regramento (ruling) diferente para uma questão posta por fatos materiais relevantemente semelhantes aos da decisão precedente”. (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais, p. 387).

A revogação de um precedente depende de adequada confrontação entre os requisitos básicos para o overruling – ou seja, a perda de congruência social e o surgimento de inconsistência sistêmica – e os critérios que ditam as razões para a estabilidade ou para a preservação do precedente – basicamente a confiança justificada e a prevenção contra a surpresa injusta.185

Notadamente, se o precedente for rejeitado com a aplicação do overruling, ela deixa de ter autoridade. Aliás, até mesmo se for alvo de dúvidas ou tiver seus efeitos limitados, a sua autoridade acaba sendo enfraquecida, consoantes as palavras de Wambaugh:186

If the case has been overruled, it ceases to be of authority; and if it has been doubted, distinguished, limited, or criticised, its authority, though not entirely swept away, may have been greatly weakened. The process of weakening a case may begin with a declaration that, either on account of its extraordinary circumstances or on account of the novelty or hardship of the rule laid down, the case should not be followed unless precisely the same circumstances arise. As precisely identical cases seldom occur," it is easy to seize upon some difference whereby any subsequent case can be distinguished from the objectionable one.187

185

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, p. 391. 186

EUGENE WAMBAUGH, Ll. D. The Study Of Cases. Cambridge. p. 64.

187

Tradução: “Se o caso foi rejeitado, ela deixa de ser da autoridade; e se ela foi posta em dúvida, distinto, limitado, ou criticado, a sua autoridade, embora não totalmente varrido, pode ter sido muito enfraquecido. O processo de enfraquecer um caso pode começar com uma declaração de que, quer devido às suas circunstâncias extraordinárias ou por conta da novidade ou dificuldades da regra estabelecida, o caso não deve ser seguido a menos que surjam precisamente as mesmas circunstâncias. Como precisamente casos idênticos raramente ocorrem, "é fácil de apreender em alguma diferença em que qualquer processo posterior pode ser distinguidos um do

Porém, na prática não existe regra específica e exata para a aplicação do overruling, de forma que as situações que dão ensejo ao instituto – anulação de um precedente pelo próprio órgão jurisdicional que o estabeleceu – costumam variar, em cada sistema jurídico, em razão dos fatores institucionais e extrainstitucionais que influem a força do precedente judicial.188

Por fim, referência interessante vem da Inglaterra, com a eficácia horizontal praticada na House of Lords (a qual desde 1º.10.2009 é denominada Supreme Court of the United

Kingdom), valendo anotar que nas últimas décadas a referida

Corte não revogou mais de um precedente ao ano.

Diferentemente ocorre em território norte-americano, haja vista que a Suprema Corte dos Estados Unidos da América sempre exerceu, com mais liberdade e de modo intenso, o seu poder de overruling, embora venha sendo cobrada por não adotar critérios razoáveis.189

1.3 A NECESSIDADE DE UM SISTEMA DE PRECEDENTES