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NATUREZA JURÍDICA DA SÚMULA VINCULANTE

A natureza jurídica da súmula vinculante suscita grau de dificuldade em sede doutrinária, uma vez que o assunto não obteve consenso.

Barbosa Moreira427, mesmo reconhecendo que o Tribunal pode deliberar e converter em súmulas determinadas matérias já

425

LOR, Encarnacion Alfonso. Súmula vinculante e repercussão geral: novos institutos de direito processual constitucional, p. 140.

426

De acordo com o próprio autor esse raciocínio também não merece guarida; “o argumento afigura-se, se não falacioso, demasiadamente simplista, pois, conforme exposto à exaustão, o Direito romano, fonte do

civil law, não desprezou o precedente jurisprudencial. Além disso, o

sistema jurídico brasileiro nunca foi puramente derivado do Direito continental europeu, recebendo, também, forte influência do direito norte-americano. Comprova-o a Constituição Republicana de 1891 e a adoção do controle de constitucionalidade difuso”.

427

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de

decididas, não seriam estas súmulas normas legais, de forma que razões diversas subsistem para impedir que se equipare à lei, a força de qualquer enunciado jurisprudencial inserido em súmula.

Mas, para Streck e Abboud428, a súmula vinculante, que tem natureza jurídica de caráter normativo/legislativo e aplicação obrigatória para os processos pendentes e futuros, já demonstra sua natureza como preceito normativo geral e abstrato, imbuído de força obrigatória geral, análogo ao dos mencionados “assentos” portugueses.

Tavares429 entende que as críticas à súmula vinculante sempre se somam a uma suficiente e clara caracterização da sua natureza jurídica, aproximando-se daquilo que Castanheira Neves chamou de “instituto de perplexidade” ao tratar dos “assentos” em Portugal.

Nunes também relaciona a súmula vinculante do sistema constitucional brasileiro com os assentos portugueses, observando a natureza de preceito normativo:

No quanto pertinente aos assentos, de que se traçou breve exame, anteriormente, é forçoso admitir que estes possuem relação bastante próxima com as súmulas. Dir-se-ia mesmo que, desprezada qualquer conotação histórica, a questão é de nominação. Têm-se os assentos ou as súmulas como deliberações obrigatórias, proferidas por tribunais supremos, em decorrência de exame reiterado de casos concretos, em que é eleita uma intepretação (ou um conjunto de interpretações) de dado preceito normativo, a ser seguida por órgão da jurisdição e por quaisquer outros agentes do Estado que tenham dentre seus misteres a aplicação do Direito.

Exatamente por isso, investigações doutrinárias que tenham sido feitas a respeito dos assentos, buscando encontrar sua

428

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto? – O precedente judicial e as súmulas vinculantes, p. 132-134.

429

TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006, p. 111.

natureza jurídica, possuem (ressalvado um ou outro aspecto peculiar imposto dogmaticamente) plena aplicabilidade ao estudo das chamadas súmulas vinculantes. 430

Na opinião do citado autor, as discussões que hoje se estabeleceram buscam situar esses precedentes vinculantes, ora na órbita dos atos legislativos, ora na órbita dos atos jurisdicionais.

Dessa lição, é possível inferir que a súmula vinculante pertence ao âmbito dos atos jurisdicionais, sendo, inclusive, necessário inseri-la em um ambiente maior, no quadro geral dos atos jurídicos dos quais o ato jurisdicional e, portanto, as súmulas fazem parte.431

Na interpretação de Sifuentes432, uma das conclusões que se pode tirar da análise dos ordenamentos jurídicos modernos é que após a consagração da justiça constitucional os Tribunais podem, excepcionalmente, criar regras jurídicas e neste sentido o ato normativo não seria, então, a decisão judicial no caso isolado, mas a súmula de jurisprudência com efeito vinculativo, ou seja, o princípio, o extrato, a essência do direito, que se retira de uma quantidade de casos e que passa a orientar as decisões futuras dos juízes e tribunais.

Sendo assim, não se pode admitir a súmula vinculante como ato legislativo, pois emana de um órgão jurisdicional. Quando o Tribunal Constitucional de Portugal manifestou-se pela inconstitucionalidade dos assentos e qualificou o instituto como ato normativo afeto ao legislativo – daí decorrendo a sua inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da separação dos poderes.433 Logo, por simetria, conceber a súmula vinculante como ato legislativo seria o mesmo que reconhecer a sua inconstitucionalidade.

430

NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula

vinculante, p. 129.

431

SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais, p. 275.

432

SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais, p. 276-277.

433

NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula

O enunciado de súmula vinculante editado pelo Supremo Tribunal Federal, na visão de Rocha434, tem o sentido de norma, ou seja, pertence ao ordenamento jurídico, já que produzida por um órgão jurídico superior como o STF e no exercício de poderes conferidos por uma norma de hierarquia máxima do sistema legal, qual seja, a Constituição Federal, consoante interpretação do disposto no artigo 103-A.

Castanheira Neves sempre considerou os assentos portugueses uma orientação jurisprudencial. A interpretação do autor é a seguinte:

Com efeito, tanto a sua natureza jurídica como a sua específica eficácia normativa afastam qualquer confronto com a constituição de critérios jurídico-normativos que possamos vir a manifestar-se através de „correntes jurisprudenciais„ ou com base num sistema simplesmente material de ‟prejuízos‟. Ainda que tenhamos de lhes reconhecer o carácter de „fonte de direito‟, não se impõem os critérios jurídicos emergentes dessas correntes e prejuízos formalmente vinculantes. Além de que não se oferecem esses critérios como normas que abstraiam e se destaquem da concreta jurisprudência que os foi constituindo ou de que eles se inferem – são antes tão-só a síntese fundamentante ou a ratio decidendi dessa jurisprudência –, tal como, bem ao contrário, vimos ser específico dos assentos. Do mesmo modo – ou tendo em conta essas características definidas pelas notas 3) e 4), que atrás lhe referimos, conjugadas agora com a nota 5) – também os assentos decisivamente se distinguem de qualquer regime formal de jurisprudência estabilizada que, por isso mesmo, se passe a impor como normativamente vinculante.435

434

ROCHA, José de Albuquerque. Súmula Vinculante e democracia. São Paulo: Atlas, 2009. p. 14-16.

435

CASTANHEIRA NEVES, Antonio. O instituto dos 'assentos' e a

Diante do exposto, percebe-se o caráter normativo do instituto da súmula vinculante. Até porque, ao conter um comando prescrevendo, proibindo ou facultando uma determinada conduta, a súmula vinculante é também uma norma jurídica e, sendo geral e abstrata, possui semelhança com as leis. 436

Pelo comando do art. 103-A da CRFB/88, pode-se considerar a súmula vinculante como norma jurídica, já que representa guia de conduta, quer dizer: informa como deverão atuar os juízes e a Administração Pública na tomada de decisões, influenciando o agir dos particulares.

A equiparação da súmula vinculante à norma jurídica dá bem o tom do seu caráter normativo, de norma dotada de generalidade e abstração, passível de controle de constitucionalidade e de compreender o instituto como “resultado de fiscalização de constitucionalidade”. 437

A súmula com força vinculante tem, portanto, eficácia normativa; é uma fonte de direito resultante de interpretação constitucional procedida pelo STF após reiteradas decisões e tal reconhecimento não viola o princípio basilar democrático da separação dos poderes.

O efeito normativo da súmula vinculante decorre da própria atividade atípica do STF, positivada pela EC 45/2004 – quando se consolidou o seu caráter constitucional, situação diversa dos assentos portugueses, que foram inseridos no ordenamento jurídico luso por lei infraconstitucional e não era editado pela Corte Suprema de Portugal, entre outras razões já mencionadas relativamente a semelhanças e divergências entre os institutos em debate.

436

NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Súmula vinculante: o desafio de sua implementação, p. 24-26.

437

Diferentemente do autor, entende-se desnecessário o controle de constitucionalidade da súmula vinculante uma vez que, para tal objeto, já existem os processos de revisão ou cancelamento, aptos a sopesar eventual equívoco ou mudança de posicionamento constitucional que leve a uma intepretação diferente do enunciado sumulado. Em síntese, não há necessidade de submeter súmula vinculante ao controle de constitucionalidade se existe procedimento próprio e ex officio para retirá-la do mundo jurídico. (NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Súmula

3 APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE NO CÓDIGO DE