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“A comunicação situa-se no próprio coração da ciência” (MEADOWS, 1999, p. vii). Sendo assim, os processos de comunicação e produção científica requerem do pesquisador competências e habilidades socialmente adquiridas para o desenvolvimento da ciência. Isso se constrói mediante interações, estabelecimento de metas e objetivos comuns, com intuito de tornar a informação um produto irrestrito. Ademais, “nos tempos modernos, a ciência é altamente considerada” (Chalmers, 1993, p. 16), adquirindo força na condução da vida e nas tomadas de decisões em meio às incertezas, uma vez que, através de sua racionalidade e de seus métodos sistemáticos, produz conhecimento útil3.

3 O que significa “ciência” varia também no espaço, no tempo e de acordo com os campos de formação de cada

um. Numa de suas versões, trata-se de um conhecimento empírico, baseado na experimentação e observação sistemática, orientado para a busca de explicação casuais e lógicas. Sua base seria uma comunidade de cientistas livre-pensadores, que se oporia a toda forma de argumento de autoridade sobre o pensamento e as crenças dos homens. Mas existem outras formas de conhecimento erudito e técnico, outros padrões de verificação e demonstração que variam no tempo e no espaço, alguns deles vinculados a comunidades de pesquisadores e cientistas bem definidas, outros embutidos em tradições artesanais, profissionais, tecnológicas e mesmo religiosas (SCHWARTZMAN, 1986, p. 13).

36 Precursor do método moderno na pesquisa científica, Francis Bacon (1561-1626) retrata por meio da “sabedoria dos antigos” o sentido racional que premeia os mitos, metaforizando a Ciência na figura de uma Esfinge – um monstro com rosto e voz de virgem, asas de pássaros e garras de grifos, sempre à espreita de viajantes que passavam pelos arredores de Tebas. A ação da Esfinge e a prática do exercício da Ciência são colocadas por Bacon para atender a duas recompensas: a loucura, para os que não conseguem desvendar os mistérios e seus enigmas e pagam com a própria vida; um reino inteiro sobre a natureza para os homens que conseguirem, pois deles serão o racionalismo, a especialização e o empirismo. Para o autor, “a Ciência, que deixam perplexos os ignorantes e inábeis, pode muito bem ser considerada um monstro” (BACON, 2002, p. 89), que só pode ser vencido pela fé daqueles que sabem resolver problemas, crença na existência de verdades e aplicação do método para solucionar os problemas humanos. Para Meadows (1999), à medida que a ciência foi se expandindo e se modernizando, novos desafios foram sendo impostos aos pesquisadores, dentre eles a necessidade de se tornar cada vez mais especializados em seus interesses para crescimento exponencial. Explica o autor por meio da seguinte analogia:

Pode-se imaginar a ciência como um balão em expansão. A película do balão é a frente de pesquisa, onde novas informações estão sendo produzidas. O interior do balão representa o volume de informações que já foram reunidas. Se a área na superfície do balão que o pesquisador pode abarcar permanecer constante com o tempo, então a proporção da superfície que pode ser abrangida necessariamente cai. (MEADOWS, 1999, p. 20)

De acordo com Targino (2000, p. 2), a natureza do método insere-se “num processo ininterrupto de investigação, o que faz da ciência uma instituição social, dinâmica, contínua, cumulativa”, uma vez que, historicamente, tem contribuído para ampliar o modo de ver o mundo, transformar a sociedade e melhorar substancialmente a qualidade de vida das pessoas. Para Macias-Chapula (1998, p. 135) “os produtos da ciência não são objetos, mas ideias, meios de comunicação e reações às ideias de outros”. Assim, “a ciência deve parte de sua alta estima ao fato de ser vista como a religião moderna, desempenhando um papel similar ao que desempenhou o cristianismo na Europa em eras antigas” (CHALMERS, 1993, p. 19).

É neste sentido que procuramos compreender o que de fato tem constituído, ao longo dos tempos, a comunicação científica e suas pretensões para o desenvolvimento e divulgação de novas descobertas da ciência. Desta forma, podemos associar a comunicação científica como sendo a troca constante de informações legítimas entre os membros de uma comunidade científica, bem como ao processo de produção de informação, sua disseminação e,

37 principalmente, seu uso adequado. Assim, Valério e Pinheiro (2008) afirmam que tanto a comunicação científica quanto a sua divulgação

[...] parecem-nos entrelaçadas em seus processos comunicacionais, a partir das novas tecnologias de comunicação em rede eletrônica. Nesse sentido, um público ampliado, com características de uma audiência constituída de pessoas interessadas em ciência, fora da comunidade científica, pode-se configurar numa nova composição de público, ou na interseção com a audiência própria da divulgação científica. (VALERIO; PINHEIRO, 2008, p. 162)

Com intuito de estabelecer novas perspectivas em determinado campo de interesse, a comunidade científica busca, de modo geral, dar continuidade às pesquisas já realizadas a fim de que novos estudos possam contribuir para refutar ou validar resultados de pesquisas anteriores e ultrapassar fronteiras ainda não exploradas. Isto pode ser confirmado por meio de Popper (1975), em “Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária”, quando afirma que a comunidade científica realiza diversas e criteriosas análises, com objetivo de corroborar ou refutar hipóteses e teorias para a evolução do conhecimento científico.

Ao relatar sobre os primórdios da comunicação científica, Meadows (1999, p. 3) expõe que não se sabe realmente quando se começou a realizar comunicação e pesquisa científica, acrescentando que

Ninguém pode afirmar quando foi que se começou a fazer pesquisa cientifica e, por conseguinte, pela primeira vez, houve comunicação científica. A resposta a isso depende principalmente da definição que se tenha do que seja ‘pesquisa’. Mas as atividades mais remotas que tiveram impactos na comunicação cientifica moderna foram inquestionavelmente as dos gregos antigos. A pesquisa cientifica pode ser comunicada de várias formas, sendo que as duas mais importantes são a fala e a escrita. Os gregos valiam-se de ambas. Assim, nossas discussões ‘acadêmicas’ remontam à Academia, o lugar na periferia de Atenas onde as pessoas se reuniam nos séculos V e IV a.C. para debater questões filosóficas. Igualmente, o ‘simpósio’ original era uma festa dos gregos em que debates e bebidas circulavam livremente (há coisas que pouco mudam).

A seguir, apresentamos os principais marcos históricos que caracterizaram o desenvolvimento do processo da comunicação e divulgação científica (Quadro 1).

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Quadro 1 - Marcos da Comunicação e Divulgação Científica

Fonte: Elaborado com base em Mueller (1995); Targino (2000); Valério e Pinheiro (2008); Mueller e Caribé (2010).

Historicamente, até meados do século XVII, a comunicação científica esteve restrita a pequenas publicações de panfletos, cartas e livros, sem a devida projeção da informação na comunidade, e o trabalho de muitos pesquisadores deixava de ser conhecido. Contudo, de acordo com Ziman (1968), com o advento das primeiras revistas científicas de publicações regulares, criadas pelas Sociedades Reais e Academias Nacionais, esta realidade apresenta novas mudanças em prol da disseminação da literatura e do avanço científico. Entretanto, com o aumento considerável do número de cientistas e trabalhos publicados, tornou-se difícil a recuperação de informações, o que Mueller (1995) vai denominar de “explosão bibliográfica”, enfatizando a necessidade de estabelecer novas perspectivas com o auxílio das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC).

Nesse sentido, a comunicação produzida entre cientistas pode se dar de duas formas, segundo Meadows (1999): a comunicação formal, direcionada ao público em geral (popularização da ciência por meio de periódicos, livros, teses, dissertações e anais etc.), mas com pouca interação entre aquele que produz e quem faz uso das informações, podendo ser armazenada permanentemente e recuperada; a segunda é a comunicação informal (grupo seleto formado de especialistas). Por apresentar um público menor, possui chances consideráveis de feedback ao pesquisador, embora as informações aqui não possam ser armazenadas e recuperadas. Isso significa que

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[...] o cientista lança mão das alternativas possíveis para difusão de seu trabalho, apelando para formas diferenciadas de comunicação, que vão desde os recursos mais informais aos recursos eletrônicos. E não são eles excludentes ou antagônicos. Ao contrário, complementam-se e interagem. E mais, ora apresentam características formais, ora informais, pois o comportamento dos cientistas no domínio informal inclui em seu escopo aspectos do comportamento formal. Assim, emerge a divisão tradicional: comunicação formal ou estruturada ou planejada e comunicação

informal ou não estruturada ou não planejada, ambas essenciais à evolução do

conhecimento como soma renovada de mensagens que atualizam a sociedade no espaço e a perpetuam no tempo. (TARGINO, 2000, p. 18) [grifo da autora]

Mueller (1995, p. 64) chama atenção para o fato de que, da mesma forma que a pesquisa, “a comunicação científica se realiza de acordo com as práticas estabelecidas. Quando registrada em veículos formais, tais como livros, periódicos ou meios eletrônicos, a comunicação científica produz a literatura científica”. Além disso, cabe ainda destacar, como frisa Ziman (1968), a atuação das redes de comunicação informal caracterizadas pelo autor como verdadeiros “colégios invisíveis”, formados por profissionais especializados em uma determinada área do conhecimento, em que as batalhas se darão pela legitimação do seu objeto de estudo, ou seja, rivais ou colaboradores, estes membros se encontram espalhados por toda comunidade científica, com vínculos não formais, embora unidos por conferências e congressos e pelos estudos cooperativos. Com base em Targino (2000)

[...] como ocorre na tessitura societal em geral, as pessoas reúnem-se em torno de objetivos comuns. Neste sentido, a comunicação científica obedece a práticas estabelecidas pela comunidade científica, termo que designa tanto a totalidade dos indivíduos que se dedicam à pesquisa científica e tecnológica como grupos específicos de cientistas, segmentados em função das especialidades, e até mesmo de línguas, nações e ideologias políticas. (TARGINO, 2000, p. 10) [grifo da autora]

A respeito dos “colégios invisíveis”, Meadows (1999) acrescenta que, embora sejam conhecidos e/ou denominados por alguns de “círculos sociais”, ambos são conceitos distintos e abarcam opiniões diversas acerca da pesquisa científica, entretanto

[...] são aplicáveis a uma imagem de comunicação informal baseada num conjunto preferido de contatos. A imagem mais comum mostra um processo de duas etapas: comunicação informal entre indivíduos e grupos de pesquisa e comunicação informal dentro de grupos de pesquisa. Os pesquisadores ativos em matéria de informação – muitas vezes as mesmas pessoas que são os cientistas altamente produtivos do capítulo anterior - são os atores principais nos grupos de pesquisas. Desempenham um papel principal na comunicação tanto dentro quanto entre os grupos. Seus contatos como outros grupos são feitos com os pesquisadores principais desses grupos. São essas as pessoas que em geral se têm em mente quando se menciona um ‘colégio invisível’. (MEADOWS, 1999, p. 142)

40 Na concepção de Targino (2000) e Mueller (1995), há três critérios e algumas questões norteadoras utilizadas para identificação do crescimento da ciência e sua influência na comunicação científica, os quais, para as autoras, entretanto, são considerados “voláteis” e de difícil mensuração, a saber: i) número de pesquisadores, ou como afirma Meadows (1999), a necessidade de identificar o pesquisador “profissional” e o “amador” (O que é o pesquisador? Quem pode ser considerado pesquisador? O aluno de graduação com bolsa de iniciação científica?); ii) volume de verbas investidas, relacionado aos investimentos em bolsas de estudos, salários e auxílios (O que dizer dos auxílios de viagem para apresentação de trabalhos em congressos nacionais ou internacionais? E os equipamentos?); e, por sua vez, iii) produção

científica, quando afirma que a quantidade tem se sobreposto à qualidade do que é produzido

(Até quando serão negligenciadas as atividades de ensino, extensão e pesquisa científica para incrementar a “pesquisa produtora de papéis”?). A respeito do crescimento da ciência, Mueller (1995, p. 66) ainda afirma que este não pode ser ignorado e que interessa a todos nós, “porque exerce enorme influência nas atividades de comunicação entre cientistas”.

Nesse sentido, Targino (2000) alerta para o efeito “camaleônico” da informação científica, ao passo que é indiscutível sua importância para o exercício da cidadania e ao cumprimento dos direitos e deveres sociais e políticos que, aliados aos meios de comunicação, constituem-se uma força propulsora de transformação social para o desenvolvimento científico e tecnológico, a qual, utilizada de forma inadequada, pode ocasionar um estado de dominação política, uma vez que, através da informação, novas formas de dominação e poder são acionadas.

A seguir, como forma de categorizar os estudos acerca da comunicação científica, por meio de autores clássicos (Garvey, 1979; Griffith, 1989; Menzel, 1966; Merton, 1973; Price, 1976), Targino (2000) afirma que os referidos estudos surgem nos EUA, nos anos 40 do século passado, em meio a um crescimento desordenado e sem planejamento adequado para recuperação das informações armazenadas. Anos depois, a disputa empreendida pela União Soviética e pelo próprio EUA, em prol da supremacia científica e tecnológica, aumenta o interesse pelos estudos e provoca o crescimento na literatura científica. De acordo com a autora, os estudos empíricos neste período passam a ser substituídos por abordagens teóricas condizentes com cinco hipóteses priorizadas:

(1) a comunicação na ciência constitui um sistema; (2) vários canais podem atuar sinergeticamente na transmissão de uma mensagem; (3) a comunicação informal tem

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papel vital no sistema de informação científica; (4) os cientistas constituem público específico; (5) os sistemas de informação científica assumem múltiplas funções. (TARGINO, 2000, p. 17)

Abaixo, expomos alguns pontos convergentes e divergentes acerca da comunicação científica a partir do referencial teórico adotado neste trabalho (Quadro 2).

Quadro 2 - Pontos Convergentes e Divergentes em relação à Comunicação Científica

Fonte: Elaboração própria.

Portanto, à luz desta discussão, nos questionamos: Como se constitui a atividade científica? O que caracteriza a ciência enquanto objeto de estudo? Quais as motivações para o desenvolvimento de pesquisas científicas? Enfim, o que é ciência? Essas indagações têm sido realizadas ao longo dos tempos, mais precisamente desde o início do século XX, por diversos estudiosos - filósofos, historiadores e sociólogos -, na tentativa de encontrar respostas para

Ao analisar a evolução da ciência, chama a atenção para o fato de que, se a ciência moderna cresce de forma contínua e acelerada, desde seu início, no século XVII, uma proporção inestimável dos acontecimentos científicos de todas as eras está ocorrendo.

A comunicação científica é indispensável à atividade científica, pois permite somar os esforços individuais dos membros das comunidades científicas. Eles trocam continuamente informações com seus pares, emitindo-as para seus sucessores e/ou adquirindo-as de seus predecessores

As comunidades científicas não são formalmente organizadas, prescindindo de regras escritas, regulamentos e normas que ditem seu funcionamento. Seus membros comparam-se a “...cidadãos livres de uma república democrática

de erudição, ou (...) a uma comunidade de fazendeiros, cada um protegido em sua propriedade"..

Diverge de alguns teóricos acerca da segmentação da comunicação formal e informal. Argumenta que o formal e informal privilegiam mais a produção do artefato (documento) do que os aspectos comportamentais presentes no processo de comunicação. Além disso, assegura-se que a divisão dos canais de comunicação em formais e informais continua sendo a mais adotada na atualidade..

A noção de comunidade científica é ambígua e relaciona-se com uma ideia de mito, surgido no século XIX, que diz respeito à “república das ideias”, da

Cidade do Saber, onde cientistas se encontravam para trocar ideias abstratas

em busca da verdade.

Converge com os autores supracitados. Em suas palavras, enquanto a população dobra a cada meio século, o número de cientistas duplica a cada 10 anos e, por conseguinte, incrementa-se a comunicação científica

GARVEY e GRIFFITH (1979) PRICE (1976) ZIMAN (1968, p. 81) LIEVROUW (1992) LE COADIC (1996) MEADOWS (1999)

42 compreensão dos processos de construção do conhecimento, do ponto de vista da ciência como objeto de estudo mensurável e, ao mesmo tempo, observável. Assim, desenvolve-se a metaciência ou “Ciência das Ciências” que, por sua vez, possibilitou que as investigações desenvolvidas a partir de fatores externos, inseridas diretamente na produção de pesquisas, pudessem ser concebidas, além de favorecer o surgimento de diversos estudos sobre o avanço e a qualidade das pesquisas que serviram de amparo às políticas de incentivo e à pesquisa em várias áreas do conhecimento.

De acordo com alguns autores (BRAGA, 1974; REIS, 1984; GONZALES DE GOMEZ, 2003; MUGNAINI, 2006), o uso da expressão “Ciência das Ciências” foi utilizada primeiramente em artigos publicados pelos poloneses Ossowska e Ossowska em 1936, sendo, depois, fortemente associada a Derek De Solla Price, em virtude da realização dos seus inúmeros estudos quantitativos e de modelos teóricos acerca do desenvolvimento da ciência. A influência deste autor é percebida no comentário de Reis (1984, p. 4) quando enfatiza a realização de seus estudos, “tratando a literatura científica por meio de índices de citações, atividade que muito se inspirou em Bernal [...]”.

Em virtude do exposto, percebemos a formação de redes na atividade científica por meio das citações, ou seja, os valores que são atribuídos às relações e aos trabalhos dos autores. Além de Derek De Solla Price, há de se considerar as contribuições de Jacob Moreno em 1934 com sua linha sociométrica, em que buscava analisar a estrutura dos grupos formados por pessoas, e a maneira “pelas quais as relações entre as pessoas de um grupo eram tanto limitantes como oportunas para suas ações e, consequentemente, para seu desenvolvimento psicológico” (MELO; REGIS, 2008, p. 2). Sua contribuição de maior destaque no campo da Sociologia da Ciência foi a representação das propriedades formais das configurações sociais por meio de grafos (MARINHO-DASILVA, 2003).

Conforme Kroff e Lima (1999) foi no período de 1940 a 1970 que Thomas Kuhn e Robert Merton iniciaram seus estudos com base na Sociologia da Ciência ou Estudos Sociais da Ciência e influenciaram diversos estudiosos a pensarem a sociologia a partir da ciência enquanto instituição social. Merton (1970), por exemplo, buscava compreender os fatores imbricados na ação do pesquisador, na motivação para o ato de fazer ciência e as condições em que a estrutura social possibilitava a legitimação do processo científico.

Cupani (1998) e Pessoa Jr. (1993) evidenciam algumas normas que consideram importantes no comportamento do pesquisador. Segundo Merton (1970): i) o universalismo – garante a democracia científica tomando por base o julgamento da legitimidade e da

43 impessoalidade; ii) o desinteresse – toda pesquisa deve estar isenta de interesses pessoais e além do compromisso de obtenção de reconhecimento; iii) o comunalismo– os resultados obtidos das investigações científicas são de direitos da própria comunidade científica, não exclusividade do pesquisador que os produziu; e, por fim, iv) ceticismo organizado – antes de sua divulgação à comunidade científica, o conhecimento produzido por determinado cientista deve passar primeiro pelo crivo de seus pares.

Estas normas dirigidas à comunidade científica podem ser consideradas boas práticas de pesquisa que nortearão não só a conduta de quem produz o conhecimento, mas a de todos aqueles que buscam a seriedade do seu trabalho e a depositam na ciência, pois, para Merton (1970), as mesmas servem como imperativos morais de garantia da legitimidade do que é produzido. É, a partir disso, que se compõe o chamado ethos científico.

Atualmente há um retorno ao problema do ethos mertoniano nos estudos da ciência. Reis (2011) enfatiza que este tem se constituído peça fundamental como referência para os estudos relativos à prática social e às normas da ciência, e utilizado por comitês de pesquisa para elaboração de manuais de conduta dirigidos aos pesquisadores. Além de levar em consideração as críticas ao ethos (ferramenta conceitual) e tentar superá-las, este retorno se caracteriza pela tentativa de utilizá-lo“como uma categoria que ajude a compreender melhor a imbricada relação entre ciência, tecnologia e sociedade, acentuada pelo surgimento de uma ‘ciência pós-acadêmica’” (REIS, 2011, p. 206).

Meadows (1999, p. 51), entretanto, alerta que tais regras de condutas não são necessariamente verdadeiras, já que podemos aceitar o fato de que a comunidade científica não obedece às referidas normas em suas práticas sociais, visto que estas “podem afetar o processo de comunicação”.

A probabilidade de uma ideia radicalmente nova ser aceita é em geral consideravelmente ampliada se o pai dessa ideia empenhar-se bastante nela. Muitos cientistas achariam isso uma prática normal e, portanto, implicitamente estariam questionando a norma do ‘desprendimento’. Além disso, pode haver normas adicionais, perceptíveis na comunidade científica, mas que não estejam incluídas nas quatro normas de Merton. [...] Em outro nível, é claro que todas as normas sugeridas são infringidas, às vezes frequentemente, pelos cientistas durante suas pesquisas. (MEADOWS,1999, p. 50)

Com efeito, Hayashi et al. (2010, p. 77) afirmam que houve significativas mudanças na Sociologia da Ciência, principalmente, após a década de 1970, quando

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[...] surgem e consolidam-se novos programas de pesquisa que, influenciados pela grande repercussão do pensamento de Kuhn, afastaram-se do pensamento de pesquisadores como Robert K. Merton e Derek John de Solla Price, e consolidaram