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A produção da pesquisa em educação, anterior à criação dos programas de pós- graduação, desenvolvia-se em reduzidas dimensões em algumas instituições universitárias, como na antiga Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP), e em outras instituições criadas exclusivamente para esta finalidade. Entretanto, só receberia grande impulso em 1955, como frisa Nosella (2010), com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e dos cinco centros regionais de pesquisa criados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), na gestão de Anísio Teixeira. Consequências importantes dessa integração foram o incremento do número de pesquisas em educação e seu caráter político, sociológico e histórico, o qual marcou as pesquisas em educação dessa época e que podemos sintetizar com a expressão “educação e sociedade”.

Nesse sentido, Nosella (2010) acrescenta que dois fatores relevantes contribuíram para tal caracterização política e um ambiente efervescente de debates e publicações sobre a realidade educacional brasileira, bem como para a problemática da democratização do ensino: i) a expansão do ensino superior pelo interior do estado, a partir de 1950, com a criação dos institutos isolados de ensino superior (futura Universidade do Estado de São Paulo – UNESP); ii) o processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada em 1961, e, a partir de 1964, pelo Brasil inteiro, com a criação, sobretudo, da rede de universidades federais. De todo modo, ainda acrescenta o autor:

O principal aspecto positivo da escolarização da pós-graduação manifesta-se no fato de que a produção do conhecimento (pesquisa) se associou às atividades de ensino. Seu aspecto negativo é representado pelo burocratismo acadêmico que nivela, pelos

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títulos e diplomas, pesquisas de qualidade com outras menos significativas. (NOSELLA, 2010, p. 178)

Em 2006, a então presidente da ANPEd, Betânia Leite Ramalho, apresenta à comunidade científica o Documento dos “40 anos da pós-graduação em educação no Brasil:

produção do conhecimento, poderes e práticas”, relembrando que 40 anos antes, era publicado

o Parecer n. 977, de 3 de dezembro 1965, na Câmara de Ensino Superior (CES) do Conselho Federal de Educação (CFE), responsável pela rápida expansão do SNPG como construção de um projeto de amplo que considerava o desenvolvimento científico “pré-condição para o desenvolvimento econômico” (BRASIL, 1983, p. 7).

Conhecido como Parecer Sucupira, representa o marco legal e inaugural para organização da pós-graduação stricto sensu no país, com objetivo de evidenciar a natureza desse ramo da educação, a partir do qual, foi criado o primeiro curso de pós-graduação em educação no Brasil, na PUC-RJ, inaugurado em 1966. Desde então, iniciou-se um longo processo de instalação e regulamentação de cursos e programas – processo contraditório, de avanços e recuos, de aprendizagens para a construção de uma cultura acadêmica que possibilitou se chegar à situação atual da pós-graduação. Entretanto, antes da vigência do referido Parecer, já era possível observar cursos de mestrado e doutorado em funcionamento no país (VELLOSO, 2002; CURY, 2005; SANTOS; AZEVEDO, 2009).

De forma gradativa, a pós-graduação em Educação desenvolveu-se como o mais alto nível do ensino na área. Contudo, “nesse percurso atinge a maturidade quarentona de uma longa travessia por vales e montes, desertos e oásis” (RAMALHO; MADEIRA, 2005, p. 71), se dá em um contexto de modernização determinado pelo regime militar, implantado no pós-1964, cujas metas e objetivos previstos no plano nacional estabelecem a necessidade de formação de recursos humanos e infraenstruturais, bem como a preparação de profissionais qualificados nas mais diversas áreas do conhecimento. Os autores ainda consideram que o avanço da pós- graduação está associado

[...] à abertura dos portões da universidade para o acolhimento da demanda, cedendo à pressão social, com a concomitante desvalorização dos diplomas e títulos da graduação, bem como da pós-graduação lato sensu, sem dúvida mais democratizada que a pós-graduação stricto sensu. (RAMALHO; MADEIRA, 2005, p. 71-72)

Diversas pesquisas das décadas de 1980 e 1990 do século passado procuraram discutir este assunto. Vieira (1985), por exemplo, reconhece que fazer pesquisa em educação no Brasil não é uma tarefa simples, por uma série de razões, pois lidamos com uma área que não tem se

125 configurado como prioritária no quadro das políticas governamentais brasileiras. Em anos anteriores, foram apontados os (des)caminhos da pesquisa na pós-graduação em educação (CUNHA, 1979, 1991), tendo em vista que neste período as peculiaridades do desenvolvimento político-econômico do país beneficiaram as áreas exatas e mais técnicas do conhecimento (GATTI, 1983), o “distanciamento esquizofrênico” da pós-graduação em relação à graduação, o seu isolamento e a tendência que havia de se “chamar toda a incumbência da pesquisa à pós- graduação”, prática comum no país todo (WARDE, 1990, p. 70-71).

Nesse sentido, Nosella (2010, p. 178) frisa dois aspectos fundamentais que caracterizaram as pesquisas em educação nos primeiros vinte anos de vigência dos programas de pós-graduação (1965-1985): “a institucionalização escolar da produção da pesquisa, que exacerbou a burocratização do trabalho científico, e a reação aos militares, que propiciou desenvolvimento de um forte pensamento crítico”. O autor ainda observa que o período compreendido entre 1985 até hoje, historicamente configurado pela volta da democracia, é marcado pela consolidação e expansão da pós-graduação, embora o seu retorno signifique para todos começar a viver uma situação política e ideológica ambígua, enfatiza O’Donnell (1982). Para Santos e Azevedo (2009), contudo, a pouca tradição de pesquisa no campo da educação influenciou a organização inicial dos cursos - uma perspectiva altamente fragmentada das subáreas de investigação que favorecia uma abordagem parcial dos fenômenos com base em uma visão segmentada e mecânica da realidade.

Somente a partir dos anos 1980 que o sistema se reestrutura, tendo por base uma série de questionamentos e “intensa mobilização” (FÁVERO, 2009). Assim, Severino (2006) o discute, começando por se perguntar sobre os compromissos da Educação com a construção da cidadania, já que esta é a forma atual de expressão da qualidade de vida, testemunho e aval da emancipação humana, uma vez que, na perspectiva de Macedo e Sousa (2010, p. 170), “o principal consenso que reorganizaria todo o sistema estabeleceu-se em torno dos objetivos da pós-graduação, com a valorização da formação do pesquisador em detrimento das demais funções até então desempenhadas pelos cursos”.

Osmar Fávero que, em seu texto “Política de pós-graduação em educação no Brasil” (1993, p. 43), mostrou-se interessado pelo assunto, enfatizou que, mesmo que a proposta da CAPES fosse a de criar uma associação representativa dos PPGEs, à semelhança da Associação de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), “a ANPEd desde sua criação adotou uma postura mais instituinte que instituída”. Já Cury (1991) fez observação de extrema importância sobre o papel que os programas e a ANPEd estavam assumindo na definição da política de pós-

126 graduação. Para ele, “pode-se, pois, inferir destas considerações, se procedentes, que uma política de Pós-Graduação em Educação não depende mais só do Estado, quaisquer que sejam suas iniciativas”. E justificava: “Já se conta com outros pólos, divergentes ou não de poder, que buscam a realização de interesses, finalidades e objetivos” (CURY, 1991, p. 20).

Sob a perspectiva da ANPEd na pós-graduação, é válido considerar que tem sido um debate amplo e consolidado no meio acadêmico, com intuito de firmar as bases da pesquisa em Educação como propulsora para implementação de políticas públicas, fundamento da pós- graduação. Para Sousa e Bianchetti (2007), a ANPEd desempenha um papel importante: o de estimular a pesquisa e sua internacionalização. Explicam os autores:

Entendendo que o simples convite individual a docentes e pesquisadores não é suficiente para o estreitamento de laços, propõe-se a identificação de associações semelhantes à ANPEd em outros países e o estabelecimento de relações institucionais a partir dessa identificação. Realizar ações de aprofundamento de relações entre instituições latino-americanas é um desafio que deve estar em horizonte próximo, para a ANPEd. Isso demandaria o estabelecimento de termos de cooperação e de planejamento para os próximos anos, e essa iniciativa de cooperação regional poderá trazer grandes avanços para as pesquisas. (SOUSA; BIANCHETTI, 2007, p. 405)

Estudos recentes realçam o contexto da pesquisa e da pós-graduação em Educação. Gatti (2002) destaca o papel da ANPEd na integração, no intercâmbio de pesquisadores e na disseminação da pesquisa em educação e questões a ela ligadas, evidenciando as mudanças substantivas do grande desenvolvimento da pós-graduação strictu sensu. Em anos posteriores, Sousa e Bianchetti (2007) amplificaram vozes, resgataram relatos e tiraram da condição de silenciados fatos, aspectos e situações determinantes para aquilo que é e faz hoje a ANPEd, em um extenso leque de aspectos que evidenciavam o desencadeamento de uma práxis, na qual se mesclam protagonismos de pessoas e do coletivo da associação, que se fizeram e se fazem presentes em momentos marcantes da história da pós-graduação em educação.

Na Educação, a relação entre pesquisa e pós-graduação parece uma “anomalia congênita”, conforme define Ferraro (2005) ao se referir à ANPEd que, no decorrer de sua trajetória, tem agregado não só programas de pós-graduação, mas também pesquisadores que, com suas histórias de vida, procuraram repensar o modo de fazer pesquisa em Educação.

A própria ordem dos termos pós-graduação e pesquisa no nome da associação não deve ser gratuita. Entendo que ela espelha a condição anômala do surgimento, se não de toda, pelo menos da maior parte da pós-graduação no Brasil. Com efeito, em vez de ter emergido de uma prática consolidada de pesquisa, a pós-graduação foi criada com o propósito explícito de promover a pesquisa na ainda principiante universidade brasileira. Dessa forma, a pesquisa, em vez de função básica da universidade e condição preliminar do próprio ensino universitário enquanto tal – de graduação e,

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com maior razão, de pós-graduação –, passou a ser vista e tratada como função da pós-graduação, e esta, por sua vez, como o lócus da produção do conhecimento. (FERRRO, 2005, p. 48)

Macedo e Sousa (2010, p. 166) declararam preocupação frente à ideia de “rejeição que existiria a um modelo ideal de política para a pós-graduação, postura que, a nosso ver, viabiliza visões nostálgicas”. Entretanto, abordam a intensa consolidação apresentada pela pesquisa e pós-graduação em educação durante os últimos trintas anos, em virtude da “ampliação das demandas por financiamento em diferentes agências”.

Nesse sentido, Velho (1997, p. 5) afirma que o processo de institucionalização da pós- graduação em educação proporcionou um “futuro incerto” e preocupante, frente à competitividade e às disparidades na distribuição dos recursos, no entanto a consolidação do sistema foi “crucial para que a pesquisa propriamente dita desse um salto” e as áreas se consolidassem. Possivelmente tal disparidade dos repasses dos recursos a outras áreas e regiões brasileiras esteja associada ao fato de que

A pós-graduação precedeu, pois, a pesquisa no Brasil. O que a partir dos últimos anos da década de 1960 era verdade para a universidade brasileira em geral, era-o com maior força para todos os campos do conhecimento hoje reunidos sob os nomes de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, que haviam sempre disputado com desvantagem, em relação às demais áreas do conhecimento, os escassos recursos destinados pelos poderes públicos à pesquisa no país. (FERRARO, 2005, p. 48)

Macedo e Sousa (2010) ainda esclarecem que, embora não sejam estudiosas da temática, assumem uma postura “longe de uma nostalgia restaurativa” (p. 167) e reafirmam a necessidade de tomar a política de pós-graduação como politização incessante, em que a avaliação da pós- graduação não deve buscar apenas indicadores quanti-qualitativos de produção bibliográfica, mas em uma política de avaliação que rompa com este modelo e busque alternativas mais consistentes para o financiamento das pesquisas em Educação. De acordo com eles:

Do ponto de vista da ampliação do sistema de pós-graduação, parece que estamos atingindo certa saturação. A capacidade de criação de novos cursos de mestrado vem- se reduzindo e concentrando-se em universidades privadas. No nível de doutorado, ainda há algum fôlego, mas em geral os cursos novos contam com reduzido número de docentes, o que deve dificultar-lhes atingir níveis de excelência. Parece estarmos num momento em que é fundamental projetar estratégias para a continuidade da ampliação quantitativa e qualitativa da área. Pensar em associações é talvez uma forma de garantir o crescimento do sistema sem perda da qualidade, facilitando a consolidação de novos programas que venham a atender a enorme demanda por formação pós-graduada stricto sensu na área da educação. (MACEDO; SOUSA, 2010, p. 169)

128 Além disso, permanecem para Ramalho (2006) aspectos que nos desafiam como educadores e pesquisadores engajados, dentre os quais, citamos: i) questionamento sobre os riscos do predomínio da perspectiva produtivista que perpassa todas as áreas, na avaliação da CAPES, em função da qual, as de ciências humanas e sociais têm sido sistematicamente prejudicadas; ii) contínua luta para corrigir as disparidades regionais; iii) desvalorização dos pesquisadores em educação, submetidos a condições de trabalho e de carreira inadequadas, iv) adoção de greve em instituições federais de ensino superior e médio, atrelada ao desinteresse do governo; v) luta para que a educação não seja tratada como moeda de troca ou objeto de manobras políticas para acomodar interesses político-partidários visando à governabilidade.

A respeito da avaliação trienal da CAPES, já discutido anteriormente, é válido salientar que, no campo da Educação, a forma como esta vem sendo conduzida, trouxe diversos entraves ao crescimento desta área, mais precisamente ao dilema desde 1990 vivenciado pela pós- graduação nas regiões Norte e Nordeste do país. É, pois, neste sentido que Ramalho e Madeira (2005, p. 75) vão relembrar que “[...] ainda está muito viva a lembrança dos traumas do processo de avaliação. Os programas estavam submetidos a um drama periódico pouco esclarecido e pouco consciente, marcado por sérias contradições”.

A autocrítica da pós-graduação em educação tem de ser feita também do ponto de vista da concepção do conhecimento, de sua construção, de sua disseminação e aplicação (Ramalho e Madeira, 2005), frente aos desafios a serem superados, típicos de uma área que procura avançar para a consolidação de seu perfil epistemológico e que necessita de intelectuais críticos, Duarte (2006), que possam problematizar o processo de reprodução da estrutura da vida cotidiana alienada das atividades das instituições educacionais, da universidade e dos PPGE. Essa atenção pode ser entendida como fruto das mudanças ocorridas na nossa sociedade que colocam as políticas públicas como foco do debate e também como decorrência da complexidade e dinâmica dos próprios programas (SANTOS; AZEVEDO, 2009).

Diante disso, Severino (2006) apresenta e discute as condições epistemológicas, políticas e institucionais para uma adequada configuração dos PPGE, ao mesmo tempo em que defende o compromisso de todo conhecimento com a causa emancipatória da sociedade humana, razão pela qual também a produção científica precisa comprometer-se ética e politicamente com a construção da cidadania. Atento aos problemas enfrentados na pós- graduação, Saviani (2007) alerta para a prioridade que se devem eleger como a consolidação da formação de pesquisadores.

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A única justificação substantiva que pode sustentar a existência da pós-graduação é sua destinação à produção do conhecimento através da pesquisa articulada à formação de novos pesquisadores. Trata-se de se fazer ciência e não apenas de transmiti-la. Impõe-se, então, o desenvolvimento de fundamentação teórica, de reflexão sistemática, de levantamento de dados empíricos, documentais ou históricos, enfim de desvelamento dos sentidos da realidade. O que está, pois, em pauta, é a abordagem de problemáticas específicas, mediante rigoroso trabalho de pesquisa e de reflexão, apoiado num esforço de fundamentação teórica.

Ademais, a questão da produtividade deverá estar subordinada claramente a este objetivo e não o inverso, como tem ocorrido atualmente, por efeito da pressão das políticas de investimento. Indo em direção aos estudos realizados por Silva e Silva Junior (2010) acerca da progressiva importância do trabalho imaterial no processo de valorização do capital, em que a ideologia do produtivismo acadêmico produz consequências prejudiciais, assim compartilham Kuenzer e Moraes (2005, p. 1348):

As exigências relativas à produção acadêmica geraram [...] um verdadeiro surto produtivista em que o que conta é publicar, não importa qual versão requentada de um produto, ou várias versões maquiadas de um produto novo. A quantidade institui-se em meta. Deste modo, formas legítimas de produção, como coautorias e organizações de coletâneas – em inúmeros casos produtos de sólidas pesquisas integradas –, banalizaram-se no âmbito de algumas áreas de conhecimento, entre elas a Educação.

O processo e a sistematização do conhecimento produzido na pós-graduação brasileira estão além das exigências de um produtivismo acadêmico com fins burocráticos. Dentro dos moldes do Sistema de Avaliação, eles contribuem para refletir as finalidades daquilo que é desenvolvido para a Educação e desvelar tudo o que os “olhos” puramente não conseguem ver, mas sentir pelo ato de pesquisar, embora muitos aspectos ainda precisem ser superados, como, por exemplo, as disparidades existentes na produção do conhecimento dos programas da região Nordeste do Brasil, que enfrentam a ausência de políticas mais efetivas para formação e fixação de recursos humanos e infraestruturais.

4.3 O PROJETO NORDESTE DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO: EQUALIZAÇÃO