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4 A PERSPECTIVA COLABORATIVA DO CINEMA

4.1 Comunicação e Colaboratividade

De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (2010: 77), a origem da palavra “comunicação” é proveniente do latim comunis, que significa repartir, partilhar, estabelecer comunhão. Com o mesmo desdobramento do significado latino, tem- se a palavra comunicare, da qual se origina os verbos comunicar e comungar. Seguindo esta raiz etimológica, encontra-se ainda comunicatio, que é tornar comum.

Assim, a palavra comunicação remete à noção de compartilhamento, de relação, levando-se em consideração o contato com o outro e oferecendo destaque ao papel do receptor como sujeito da comunicação e das novas tecnologias de comunicação e

informação (TICs). Por isso, é perceptível que para tornar algo comum, deve-se estar em um processo de relação, ou seja, de comunicação, de acordo com a descrição de Merleau- Ponty (1945), que trata o processo comunicacional como um “sentimento de partilha, de construção, de concordância, de um entendimento comum sobre algo” (p. 407).

Nesse sentido, ao considerar o outro como um elemento relevante neste processo, as trocas e negociações tornam-se inevitáveis, assim como a percepção em torno da relação, que pode inferir outro tipo de complexidade. No entanto, a cultura digital e as recentes mudanças tecnológicas oferecem ao processo comunicacional uma dimensão ainda mais sofisticada, já que possibilita outro mecanismo na troca de ideias, na construção do conhecimento e no relacionamento social.

Assim, todas as formas de se definir o processo de comunicação, o qual é mediado por signos, perpassam por conceitos como interatividade, pela necessidade de um estímulo, de uma resposta, de diálogo, de interrelacionamento, tendo ou não as novas tecnologias como suporte. Tal argumento é sustentado por Penteado (2007), quando destaca que:

A revolução que está transformando a nova sociedade também necessita de um tipo de comunicação que construa consensos, parcerias e incentive o compartilhamento de informação e de conhecimento para a solução de problemas comuns, tanto no âmbito individual e coletivo, como organizacional, em suas dimensões interna e externa, e contribua para a evolução da sociedade. Esses são valores da comunicação de mão dupla, simétrica (Penteado, 2007: 15).

Este preâmbulo em torno da comunicação é necessário para tratarmos do conceito que recebe destaque neste capítulo: a colaboratividade (ou crowdsourcing) realizada no ciberespaço21. Para Jeff Howe (2006), o termo "crowdsourcing" representa "o ato de atribuir uma função convencionalmente desempenhada por entidades profissionais, a um grupo indeterminado e abrangente de indivíduos pertencentes a um público generalizado, na forma de um apelo aberto à colaboração, almejando a realização de uma tarefa" (Howe, 2006; Archak & Sundararajan, 2009).

Logo, sintonizados com estes pensamentos e conceitos, os quais demonstram que a comunicação implica em trocas e em atos compartilhados, pressupõe-se que a

21 Segundo Lévy (2007: 17), “o ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele obriga, com os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”.

colaboratividade também esteja imbuída destas características. No entanto, assim como no processo comunicacional, com a introdução de novos suportes midiáticos, a colaboratividade no ciberespaço, que se concretiza por meio das redes sociais e comunidades virtuais, “conforma novos espaços culturais, sendo capaz de alterar as interações sociais e a estrutura social em geral” (Santaella, 2005: 11). Assim como já mencionado, essas mudanças são frutos das primeiras revoluções industriais, que promoveram um crescimento evidente das mídias e da linguagem simbólica que por elas transitam.

(...) junto com as máquinas de produção de bens culturais, também surgiram máquinas de produção de bens simbólicos, máquinas mais propriamente semióticas, como a fotografia, a prensa mecânica e o cinema. Essas máquinas ou meios de comunicação da era eletromecânica foram seguidos pela irrupção de uma segunda Revolução Industrial: a eletroeletrônica. Com esta, vieram o rádio e a televisão, que instauraram o apogeu da comunicação massiva. (...) a comunicação massiva deu início a um processo que estava destinado a se tornar cada vez mais absorvente: a hibridização das formas de comunicação e de cultura (Santaella, 2003: 183-194).

Castells (1999) complementa o pensamento de Santaella (2003) ao observar que a integração de vários suportes de comunicação, em uma rede interativa, é uma transformação tecnológica que congrega, no mesmo sistema, as modalidades da escrita, da oralidade e do audiovisual da comunicação humana. Para o teórico, tal integração – entre texto, imagem e sons – muda o caráter da comunicação. Com efeito, muda o caráter do que se concebe por processo colaborativo.

Assim, menos de dez anos após a explosão da internet, a interatividade recebeu outra conotação, referindo-se, a partir de então, à construção colaborativa (peer to peer) de sites, livros, notícias, informações, enciclopédias e, porque não, do cinema. Segundo Tapscott e Williams (2007: 53), a nova web, ou web 2.0, é diferente da primeira geração da internet, onde os usuários recebiam passivamente as informações, ao invés de participarem, de criarem, de compartilharem e de socializarem. Para os autores, “enquanto a velha web era construída por sites, cliques e chats, a nova web é composta de comunidades, participação e peering” (Tapscott e Williams, 2007: 30). Logo,

Ninguém gasta mais tempo com a internet do tipo ‘publique e navegue’. Cada vez mais as pessoas preferem participar de uma nova geração de comunidades fabricadas por usuários nas quais esses mesmos usuários interagem e criam junto com seus colaboradores (...). A web não significa mais navegar ociosamente e

ler, escutar ou assistir passivamente. Significa produzir por peering: compartilhar, socializar, colaborar e, acima de tudo, criar no âmbito de comunidades livremente conectadas (Tapscott e Williams, 2007: 53-62).

Portanto, foi a Web 2.0 que ofereceu as bases para o amadurecimento do potencial colaborativo que hoje o usuário desfruta ao navegar na rede. Tal usufruto também sugere conceitos que, mesmo sendo aparentemente recentes, já descrevem as mudanças sociais e culturais que a sociedade da informação vive, sendo uma delas o processo colaborativo ou de crowdsourcing que o cinema experimenta, conforme veremos a seguir.