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3 DO CINEMA ANALÓGICO AO CINEMA DIGITAL

3.1 Primeiro cinema

Por volta de 1895, quando ainda não apresentava um código próprio, especialmente por se confundir com outras formas de arte, o cinema, na sua origem, confundia-se com as

encenações do teatro popular, os espetáculos de lanterna mágica, as revistas ilustradas, as atrações de feira, os postais (Costa, 2006: 17). Mas a transformação foi progressiva. Os aparelhos de projeção que surgiram no final do século XIX traziam ares de inovação, assim como outros recursos concernentes à época, marcando as transformações e reorganizações que o cinema experimentou nos seus primeiros vinte anos de existência, de 1895 a 1915.

No entanto, a história do cinema faz parte de um cenário muito mais amplo, que não diz respeito somente à forma como as projeções de imagens eram feitas, mas às questões ligadas ao divertimento popular, aos instrumentos óticos e às pesquisas com imagens fotográficas (Costa, 2006). Os filmes são, portanto, uma continuação do que já se fazia com as projeções de lanterna mágica, durante o século XVII, quando o apresentador exibia imagens coloridas ao público, por meio de um “foco de luz gerado pela chama do querosene, com acompanhamento de vozes, músicas e efeitos sonoros” (Costa, 2006: 18). Como complemento, ainda há dados de que o cinema teve a sua origem com “as práticas de representação visual pictórica, tais como os panoramas e dioramas, bem como nos ‘brinquedos ópticos’ do século XIX, como o taumatrópio (1825), o fenaquistiscópio (1832) e o zootrópio (1833)” (Costa, 2006: 18).

Apesar da invenção do cinema ser creditada aos irmãos Lumiére, admite-se que não houve um único descobridor para o que se concebe por “sétima arte”, já que os aparatos técnicos que envolvem essa forma de arte surgiram em vários lugares simultaneamente. O aperfeiçoamento da projeção de imagens em movimento, por exemplo, resultou da descoberta de novas técnicas fotográficas, da invenção do celulóide8 e da aplicação de novos aparatos destinados à projeção.

Os primeiros filmes exibidos datam de 1893 e 1895, respectivamente. O primeiro corresponde ao registro da patente do quinetoscópio9 de Thomas A. Edison, nos Estados Unidos, e o segundo à demonstração do cinematógrafo desenvolvido pelos irmãos Louis e Auguste Lumière, em 28 de dezembro de 1895, em Paris. No entanto, dois meses antes da apresentação pelos Lumière, há o registro que em 1º de novembro de 1895, os irmãos Max

8 “Primeiro suporte fotográfico flexível, que permitia a passagem por câmeras e projetores” (Costa, 2006: 18).

9 Aparelho que possuía um visor individual, que, com a inserção de uma moeda, possibilitava a visualização de uma “pequena tira de filme em looping, com imagens em movimento de números cômicos, animais amestrados e bailarinas” (Costa, 2006: 18-19).

e Emil Skladanowsky organizaram uma exibição de 15 minutos do bioscópio, seu sistema de projeção de filmes, num grande teatro de vaudevile,10 em Berlim.

Mas, mesmo com o investimento em outras invenções, foi o cinematográfo dos Lumière que ganhou destaque pelo seu design e funcionalidade, já que o aparelho não utilizava luz elétrica (era acionado com manivela), fazia cópias a partir de negativos e por ser leve podia ser transportado facilmente. Depois disso, outros aparelhos foram criados pelos irmãos franceses, como uma máquina que usava filme de 35mm e capturava imagens numa velocidade de 16 quadros por segundo, em vez dos 46 quadros usados por Thomas Edison.

No entanto, apesar de ter sido um período frutífero para o desenvolvimento de aparelhos que aperfeiçoassem a projeção de imagens, os primeiros 20 anos do cinema corresponderam a um estágio preliminar para a definição dos princípios específicos de sua linguagem. Para Gaudreault (1989), o primeiro cinema está mais relacionado à atividade de mostração, que envolve a encenação direta de acontecimentos, do que à de narração, que trata da manipulação desses acontecimentos pelo narrador, principalmente nos filmes que possuíam apenas um plano, até 1904 (1989: 20).

De fato, os primeiros cineastas estavam preocupados com os planos individuais, sem priorizar a articulação entre vários planos e movimentação de câmera, quando estes haviam. A atenção com a conexão entre planos apareceu progressivamente, à medida que a duração dos filmes aumentaram. No entanto, em algumas ocasiões, os planos eram vendidos separadamente, como filmes individuais, em rolos diferentes.

Os primeiros filmes exibidos têm como característica principal a habilidade em mostrar coisas em movimento, sem priorizar a forma de contar histórias. Por esse motivo, alguns autores, como o historiador Tom Gunning, classificam o cinema dessa época como um “cinema de atrações”, por se dirigir de forma particular ao espectador e por lembrar o trabalho teatral de Sergei Eisenstein nos anos 1920.

10 Espécie de teatro de variedades, em que se era permitido beber e conversar. Eram espaços onde aconteciam o espetáculo burlesco, o circo e as exibições itinerantes, em que a performance e a forma narrativa final eram construídas pelo showman-exibidor (Costa, 2006: 28-29). Foi originado dos salões de curiosidade.

Figura 2: Bailarina de Annabelle butterfly dance (Dickson, 1985)

Figura 3: Grupo de trabalhadores saindo da fábrica em La sortie des usines Lumière (Louis Lumière, 1895)

Didaticamente, o período do Primeiro Cinema está dividido em duas fases, intituladas “cinema de atrações”, compreendida entre 1894 a 1906-1907, e “período de transição”, de 1906 a 1915, respectivamente. A primeira fase destaca um fazer cinematográfico que se destina à “interpelação direta do espectador”, com a intenção de supreendê-lo. Prevalecem os filmes de truques, histórias de fadas (féeries) e atos cômicos curtos, com a mistura de cenários naturais e artificiais. É o exibidor quem formata o espetáculo (Costa, 2006: 26).

Nos primeiros anos dessa primeira fase, os filmes de caráter documental recebem destaque e são estruturados com um único plano. Já ao final dela, os filmes de ficção superam em número os filmes documentais e passam a ser montados com planos múltiplos, com experimentações de relações causais e temporais entre os planos, e apresentam narrativas mais simples. Os filmes de perseguição também surgem na mesma época e agregam vários planos que privilegiam a atração e as ações físicas.

Mas a popularidade dos filmes alcançou um outro patamar a partir da expansão dos

nickelodeons, que eram espaços bem maiores que os vaudeviles para a exibição dos filmes.

O surgimento desses espaços propiciou uma reorganização da produção cinematográfica, que passou a ter uma estrutura hierárquica centralizada e um processo de produção organizado industrialmente. Esse tipo de organização substituiu o “sistema colaborativo” que prevalecia durante as exibições nos vaudeviles, onde as empresas produziam filmes com um senso de parceria, “em que dois realizadores dividiam o trabalho de operação de máquinas e de confecção dos filmes (o que torna a discussão da autoria uma tarefa particularmente complicada)” (Costa, 2006: 27). Esse sistema foi extinto com o crescimento da produção de filmes, após 1907 (Musser, 1991).

A segunda fase do Primeiro Cinema, ou “período de transição”, é marcada pela utilização de elementos narrativos especificamente cinematográficos, que contribuíam para a elaboração de enredos autoexplicativos (Costa, 2006). Tais tentativas de criar um código narrativo específico coincidiram com as experiências de regulamentação e racionalização da indústria. No entanto, apesar da busca pela “integração narrativa”11

, a linguagem caminhava para um estilo clássico, que era conhecido por ser bastante problemático.

Os filmes dessa fase também se diferenciaram dos anteriores por apresentarem menos ação física e uma maior preocupação com a composição psicológica dos persornagens. Outro aspecto que merece destaque é a consolidação do modelo das ficções de um único rolo (mil pés), com variações entre gêneros. Anos depois, contudo, os filmes de rolo único se tornaram menos populares por conta da substituição pelos longas. As novas empresas cinematográficas tornaram-se independentes e a exibição dos filmes passou a acontecer em espaços luxuosos, que, na sua grande maioria, pertenciam às empresas produtoras. O melodrama, pela sua conotação social, por exemplo, passou a ser o gênero dominante.