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O que é cinema colaborativo ou crowdsourcing no cinema?

4 A PERSPECTIVA COLABORATIVA DO CINEMA

4.2 O que é cinema colaborativo ou crowdsourcing no cinema?

Antes de tecer qualquer consideração em torno da expressão "cinema colaborativo" ou crowdsourcing no cinema, é importante entender o sentido da palavra "colaboração". Ao contrário do que se possa pensar, transmitir ou exibir vídeos enviados ou partilhados por pessoas do público não significa que elas estejam inseridas em algum tipo de interação, seja com o canal de comunicação, seja com os usuários que fazem parte dele. Assim, colaborar é, sobretudo, trabalhar cooperativamente com várias pessoas no intuito de criar um determinado conteúdo/produto, comumente relacionados aos produtos culturais.

Embora os conceitos em torno da colaboratividade sejam recentes, este processo é antigo no âmbito cinematográfico. No entanto, foi a partir da virtualidade, que advém desde as primeiras experiências com a internet (Geisler, Willard, Whitworth, 2010), que a expressão ganhou notoriedade. O que se vê, especialmente com a geração Web 2.0, é que seus usuários estão atrelados a outros perfis, que incluem tanto amadores como profissionais, ou uma mistura de ambos os grupos. Por esse motivo, as contribuições se processam, sobretudo, por meio das experiências, dos gostos pessoais e das aptidões dos usuários, as quais viabilizam a criação de novos processos de elaboração de conteúdo e que seriam impossíveis se concretizados em um contexto de produção individual (Archak, Sundararajan, 2009).

Assim, enquanto colaboradores, os usuários tornam-se legitimamente coautores de um dado processo colaborativo ou de crowdsourcing. De acordo com Lipovetsky & Serroy (2009), as “inovações tecnológicas permitiram explorar de uma nova maneira os recursos da interatividade digital, de modo que o público não [seja] mais apenas testemunha, mas

‘coautor’ da obra” (p. 288). Assim, a coautoria é uma abordagem importante ao se conceituar um processo de criação com produção colaborativa.

Contudo, não há somente a coautoria como fator que caracteriza o processo colaborativo, já que a descentralização de funções e papeis, entre indivíduos e organizações (que estão vinculados informalmente e por motivações diferentes) também fazem parte de atividades deste gênero. Logo, tem-se a projeção de um espaço de igualdade que possibilita a todos os envolvidos – no caso desta pesquisa, os usuários do ciberespaço – a exposição e o debate das suas ideias, além da partilha de suas experiências, conhecimentos e desejos.

Assim como na criação coletiva, o processo colaborativo também se desenvolve de maneira mais eficiente a partir do trabalho em equipe. No Brasil, por exemplo, a noção do trabalho colaborativo surgiu durante a década de setenta, com a formação de grupos cooperativados. Do mesmo modo, na noção mais recente de cinema colaborativo, esse espaço de igualdade se ancora através dos meios digitais, onde o espectador se torna colaborador do processo criativo pela interatividade e mediação que o ciberespaço oferece.

Sabemos que uma característica básica dos produtos concebidos especificamente para os novos meios digitais é a substituição da tradicional figura “narradora”, aquela figura que nas formas narrativas anteriores (romances, filme) apresentavam aos leitores ou espectadores os acontecimentos da diegese, por novos agentes enunciadores. Grosso modo, costuma-se apontar como marca diferencial dos meios digitais a interatividade, ou, mais exatamente, o agenciamento do espectador: tudo o que vai se desenrolar na tela depende agora das decisões, ações e iniciativas tomadas pelo sujeito que se relaciona com ela, o usuário do computador (Machado, 2007: 12).

Os meios digitais são frutos do desenvolvimento tecnológico, que se observou mais avidamente nas últimas duas décadas do século XX. As tecnologias digitais “aplicadas à eletrônica e às telecomunicações passaram a transformar de maneira irreversível os campos nos quais se verificam os fenômenos de produção, difusão e consumo de obras audiovisuais, até mesmo a obra cinematográfica” (Silva, 2009: 45).

Assim como Silva (2009), o teórico Edmond Couchot (1998: 228) afirma que as relações do sujeito com as tecnologias digitais também foram suscitadas principalmente pelas telecomunicações e pelo funcionamento das redes, que modificaram de forma explícita a posição do sujeito, colocando-o numa situação de conexão onde os efeitos de multiplicação e de distribuição são bastante acentuados. Ainda segundo Couchot (1998),

além de multiplicar-se, o sujeito que navega no espaço virtual entra em contato com outros sujeitos virtuais, seus homólogos no ciberespaço, com os quais vai realizar trocas intersubjetivas. Machado (2007) complementa:

Entrar dentro do filme, atravessar a fronteira entre o atual e o virtual, passar para o lado de lá, escapar para dentro do universo de pura ficção do cinema, esse talvez tenha sido o sonho maior de toda a aventura cinematográfica, o sonho de um cinema permeável ao espectador, um cinema capaz de transformar o espectador em protagonista e mergulhá-lo inteiramente dentro da história (Machado, 2007: 164).

É por meio das redes sociais virtuais que projetos artísticos e culturais, entre eles os audiovisuais, se expandem e ganham a atenção de usuários de várias partes do mundo, sendo que em alguns desses projetos não é exigido que o usuário/colaborador tenha conhecimento técnico ou experiência profissional na área em questão. Assim, ao tratar, por exemplo, da elaboração do argumento para cinema, observa-se a superação de um suposto reinado do autor/guionista pelos novos colaboradores, interagentes e/ou usuários do ciberespaço.

Portanto, com base nestas prerrogativas, este trabalho de investigação debruça-se na construção aberta de conteúdo audiovisual, tendo como suporte o ciberespaço, onde o público atua como coautor na elaboração do argumento e se ancora através da proliferação de blogs, wikis e sites de relacionamento online. Os projetos cinematográficos analisados neste trabalho - Life in a Day, do produtor/diretor inglês Ridley Scott e do diretor escocês Kevin Macdonald; No amor, do diretor Marco Abujamra e da produtora Mariana Marinho; e Um gato sem nome e outros filmes, de seis diretores portugueses - são alguns dos exemplos significativos que fazem referência ao “novo” cenário que o cinema tem incorporado.