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Construção epistemológica

2.1 Comunicação e Educação: o diálogo necessário

A sociedade da informação e da comunicação está promovendo novas configurações no âmbito sociocultural e gerando mudanças nos modos de o sujeito ser e estar no mundo. São transformações que propõem um dos maiores desafios ao sistema escolar: a reconsideração dos novos espaços de aprendizados (MARTÍN-BARBEIRO, 2006, p 56). Com os recursos comunicativos, tecnológicos e informacionais, presenciamos a transformação na circulação do saber, o que leva a escola a repensar o formato que há anos compõe a sua estrutura: centralizador, personificado, instrumental e funcionalista.

Os novos tempos abrem espaço para diferentes ambientes de aprendizagem, intitulados por Martín-Barbero como “saberes-mosaicos” (2006, p. 56). Segundo o autor, eles são aprendidos em pedaços, de forma descentralizada e aleatoriamente. Um aluno, ao fazer uso desses meios, pode se atualizar sobre os fatos do cotidiano e, em conjunto, encontrar curiosidades acerca de determinado conteúdo pertinente a uma das disciplinas curriculares. Do mesmo modo, um professor, ao acompanhar o noticiário, pode encontrar uma reportagem apropriada para suas aulas. Ambos realizam essas atividades de acordo com o seu tempo e espaço, ou seja, adquirem novos conhecimentos de forma dissociada. De acordo com o estudioso latino-americano, essa descentralização representa um alerta a educadores ao ter de considerar que

A escola está deixando de ser o único lugar de legitimação do saber, já que há uma variedade de saberes que circulam por outros canais, difusos e descentralizados. A diversificação e a difusão do saber, fora da escola, são dois dos desafios mais fortes que o mundo da comunicação propõe ao sistema educativo (2006, p. 56).

Segundo o pesquisador, aprende-se em todas as idades e em qualquer lugar: “uma fábrica, uma casa para idosos, uma empresa, um hospital, os grandes e pequenos meios e especialmente a internet” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 121). Isso porque estudantes e educadores encontram-se num mundo midiatizado, e, a todo momento, são influenciados pelo o que leem, ouvem, assistem e acompanham pelas redes impressas, e, principalmente, digitais. Silva (2014) destaca que “essa virtualização influencia a

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maneira como os seres humanos se relacionam entre si e, também, como os próprios indivíduos se apropriam das tecnologias” (2014, p. 59).

Diante deste cenário, onde novas linguagens circulam e sensibilidades se constroem, torna-se imprescindível repensar os dois campos específicos e autônomos que formam a interface de nosso estudo: a educação, com suas teorias da aprendizagem que orientam a transmissão do saber; e a comunicação, que se preocupa com a difusão das informações pelo sistema produtivo (SOARES, 2000).

A área educacional visa à disseminação do conhecimento para o desenvolvimento social; caracteriza-se por um sistema hierárquico, sistematizado, classificatório, burocrático e pragmático. Enquanto o segundo segmento preocupa-se com a circulação da informação e a disseminação de suas representações nos sujeitos.

Buscar o diálogo entre estes dois setores é um dos objetivos dos pesquisadores que atuam na interface. Não se pode negar a sua inter-relação, uma vez que a mídia encontra-se presente no cotidiano escolar, tanto pelos suportes, quanto, principalmente, pelos livros. Os currículos educacionais incentivam o uso dos meios de comunicação no ambiente escolar, seja para complementar os conteúdos programáticos como aprimorar a leitura, e, ainda, estimular capacidade escritora, pois, segundo os documentos, considera- se que aqueles que escrevem melhor são os que se apropriam dos diferentes portadores de leitura, incluindo os meios de comunicação.

No entanto, o trabalho na interface vai além da questão programática. Busca-se a compreensão dos processos de construção, produção e circulação dos meios informativos. Esse campo se compromete com a formação de sujeitos conscientes e aptos a interpretar a realidade à sua volta, que é construída de acordo com as informações que chegam ao nosso alcance, e não conforme o que realmente observamos à nossa frente. Baccega (2014) nos fala de um mundo editado, ou seja, reconfigurado, a fim de atender a um determinado interesse, principalmente de ordem econômica:

O desafio, hoje, é a interpretação do mundo em que vivemos, uma vez que as relações imagéticas estão carregadas da presença da mídia. Trata-se de um mundo construído pelos meios de comunicação, que selecionam o que devemos conhecer, os temas a serem pautados para discussão, e, mais que isso, o ponto de vista a partir do qual compreenderemos esses temas. Eles se constituem em educadores privilegiados, dividindo as funções antes destinadas às famílias (BACCEGA, 2004, p. 124).

Esse mundo, formado pelos meios de comunicação, passa a confrontar com tradicionais agências de socialização – a escola e a família. É a partir desta discussão que Bacegga (2011) considera a constituição do campo comunicação e educação

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(educomunicação): “Há entre elas (agências) um embate permanente pela hegemonia na formação dos valores dos sujeitos, buscando destacar-se na configuração dos sentidos sociais” (2011, p. 31). A interface assume a responsabilidade de promover o diálogo entre as agências ao levar em conta, sobretudo, o papel da mídia na configuração da cultura, em especial, a escolar.

Um dos norteadores da comunicação e educação é a construção da cidadania. Por meio dela é possível compreender o mundo editado que assume o lugar da verdade. Trata- se de um trabalho voltado à leitura crítica da mídia, que visa a preparação dos sujeitos para reinterpretar, de forma reflexiva, o fluxo de informações disparadas pelos diferentes dispositivos comunicacionais. A criticidade visa à promoção da cidadania, que, para a sua construção, não pode ignorar a presença da mídia. O ensino, por sua vez, valoriza a aquisição dessa habilidade, quando propõe uma “educação para a cidadania”. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), busca-se um ensino crítico, formador de seres humanos conscientes de sua importância na sociedade onde vivem. Essa importante missão pode ser cumprida por meio de uma parceria entre a escola e os meios de comunicação, que devem ser reconhecidos como um outro lugar do saber. O desafio é complexo, porque não consiste apenas no incentivo à leitura das informações, e sim na sua transformação em conhecimento, cujo processo é baseado na inter-relação e não na fragmentação (BACCEGA, 2004). Por este motivo, o exercício induz à crítica.

Os currículos educacionais nacionais reconhecem a utilização dos meios de comunicação em sala de aula. Há vários tópicos que induzem o trabalho associado entre os conteúdos de uma disciplina e reportagens de um veículo impresso ou digital. Isso ocorre principalmente nos programas de Língua Portuguesa, conforme serão especificados no capítulo IV. Nessa matéria, o incentivo à leitura, à escrita e à interpretação norteiam os objetivos, considerando que essas são as competências essenciais a todas as áreas do conhecimento. Dentre os trabalhos neste programa, está a apresentação dos gêneros textuais, que são exemplificados com recortes de publicações jornalísticas, e, nos ciclos finais, o incentivo à produção textual. Este panorama evidencia um trabalho pontual com a mídia.

Trabalhar a relação entre a comunicação e a educação no cenário educativo não consiste apenas na disponibilização de suportes informativos e tecnológicos, mas sim no uso consciente dos meios, que não podem devem ser instrumentais, e sim viabilizadores

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de experiências de aprendizagem significativas. Não se deve perder a dimensão dos significados sociais, culturais, históricos embutidos nas atividades comunicativo- tecnológicas:

O lugar das tecnologias na escola – e mesmo para o chamado ensino a distância – deve ser voltado aos interesses de uma educação definida como emancipadora, capaz de facultar autonomia de pesquisa, e sobretudo, reconhecimento do sujeito no mundo (CITELLI, 2010, p. 80).

Compreender a articulação da comunicação e o processo de produção dos meios informativos está entre as atividades a ser desenvolvidas. A realização das notícias, a começar pela seleção das pautas, abordagem dos assuntos, disposição do conteúdo, as diferentes publicações e suas variadas concepções sobre um mesmo fato. Isso tudo contribui para o início de um olhar diferenciado acerca da produção midiática, o que contribui para o estímulo à criticidade. Segundo Citelli e Costa, “para fazer a crítica, é necessário desvendar, desconstruir, mostrar como essas linguagens são construídas, dar a conhecer, tornar a informação conhecimento” (2011, p. 94). Retomando a questão do conhecimento, Baccega (2011) esclarece que se trata algo “completo”, caracteriza-se pela totalidade e é possível pela transdisciplinaridade.

A interface é transdisciplinar, uma vez que pode ser abordada nos diferentes segmentos e, independentemente do campo de atuação, possui uma consideração: a interação com a sociedade. Visa à formação de sujeitos conscientes do seu papel transformador. Os novos formatos comunicacionais modificaram o processo de comunicação. Atualmente, emissor e receptor assumem as duas funções, e a passividade deixou de ser a característica dos recebedores da informação. Adquirir a criticidade, defendida ao longo deste tópico, propicia a habilidade para a interpretação, a argumentação, ampliação de repertório e, por sua vez, a produção e compartilhamento das concepções formadas. Entramos em outro ponto importante da interface da comunicação e educação: o estímulo à produção - de leitores a autores de suas histórias. Foi-se o tempo que uns escreviam, e outros apenas liam. Ambos estão sendo estimulados para exercer as duas atividades, como forma de se expressar, de compartilhar interpretações e semear ideais.

Trata-se de um trabalho que fortalece a cidadania e contribui para uma das abordagens desta linha de estudo: a de formar cidadãos conscientes, mas também produtores (e não reprodutores) como forma de promover transformações no espaço onde vivem, dentre eles, o educativo, em que nossa pesquisa é inspirada.

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A inserção da escola no ecossistema comunicativo, considerando tal passagem como experiência cultural ampla, é um desafio para todos os educadores. Trata-se de encontrar, no interior dos espaços educativos descentrados, o novo lugar da escola como instância que pode e deve vivificar a aprendizagem, investindo na construção do saber, do pensamento crítico, do prazer de conhecer e criar (CITELLI, 2000a, p. 35).

Os ecossistemas comunicativos, aos quais o pesquisador se refere, seriam espaços de socialização do conhecimento mediados pelos canais informativos e tecnológicos. A terminologia foi adotada por Jesús Martín-Barbero, Pierre Levy, Adilson Citelli e Ismar de Oliveira Soares. Segundo Soares (2011), visa à “saúde e ao bom fluxo das relações entre as pessoas e os grupos humanos, bem como o acesso de todos ao uso adequado das tecnologias da informação”33. De acordo com Citelli (2011), estão voltados à

compreensão dos sentidos do processo educativo e comunicativo. Este é um momento em que os atos comunicativos ganham efemeridade.

[...] o encontro da comunicação com a educação, acoimadas, de um lado, dos desvios tecnofuncionais e, de outro, das relações operativas e reguladoras tão presentes em procedimentos estritamente transmissivos, pode acontece segundo andamentos dialógicos que desencadeiam as relações intersubjetivas e os jogos enunciativos. É deste encontro de ativação dos princípios de reciprocidade, ou da retroalimentação, que os atos comunicativos ganham efetividade, conquanto sustentados por mediadores técnicos ou dispositivos amplificadores do que está sendo enunciado (p. 64).

Começa então o desafio de promover um novo formato para a escola, com alunos e professores inseridos num processo de conhecimento contínuo, complementar e representativo, um aprendendo com o outro. Como dizia Paulo Freire, “não há saber mais ou saber menos. Há saberes diferentes” (2013a, p. 68), que, ao serem compartilhados, caracterizam uma nova forma de aprender. Premissa presente nos trabalhos que atuam na interface, em especial, os voltados à produção midiática no espaço educativo, que reúne inúmeros saberes – tanto lineares quanto descentralizados - porém, ao serem unidos e articulados, tornam-se construtores de novas realidades. Antes de explicitá-las, passaremos para um breve histórico da Educação Midiática, com as suas diferentes abordagens, e, por último, a linha de estudos que conduz a reflexividade desta pesquisa.