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1.2 Perspectivas educacionais para surdos

1.2.2 Comunicação Total ou Bimodalismo

De acordo com Sá (1999), um Surdo oralizado não significa necessariamente uma pessoa desenvolvida, plena, eficiente. Para a autora, a oralidade não garante sua integração à sociedade. A partir dessa afirmação, pode-se entender que as filosofias que surgiram após o declínio do oralismo buscaram apontar novos caminhos que a perspectiva oralista não conseguia enxergar ou aceitar.

A Comunicação Total, filosofia educacional que surgiu na segunda metade do século XIX, é uma perspectiva que diferenciou do oralismo por aceitar a possibilidade de um outro canal de comunicação para o Surdo que não fosse exclusivamente o oral-auditivo. Ela colaborou para uma visão mais ampla sobre o Surdo e a surdez por parte da sociedade, mudando o foco da necessidade de oralização para a importância de desenvolver uma forma de comunicação mais eficiente.

Entretanto, é preciso entender que o fato de ter incluído a utilização de sinais e outras técnicas combinadas no processo de aprendizagem da pessoa Surda, não parece procedente afirmar que esta filosofia foi responsável por ensinar a língua de sinais aos Surdos. De qualquer forma, entender a surdez sob esse viés contribuiu, historicamente, para reflexões sobre a educação de Surdos e o entendimento da língua de sinais como língua natural dessa comunidade.

As experiências pedagógicas desenvolvidas a partir dessa perspectiva tinham como objetivo a aprendizagem da leitura, da escrita e da comunicação entre Surdos e ouvintes, utilizando técnicas diversificadas como: a datilologia (a soletração digital das letras do alfabeto), a leitura labial, o português sinalizado (pidgin), os sinais que representam os fonemas (cued-speech), a oralização e gestos espontâneos que não caracterizam uma língua. O foco desloca-se da imposição em aprender a língua oral, que passa a ser entendida como um meio entre tantos outros para o desenvolvimento da pessoa Surda e não o objetivo principal da educação, como ocorre no oralismo.

Para Goldfeld (2002), os diferentes códigos visuais utilizados em conjunto com a língua oral pelos adeptos da Comunicação Total não permitiam à criança exercer uma comunicação mais complexa, além de não servirem como instrumento do pensamento e de internalização de uma cultura, elementos que são determinantes na formação de qualquer pessoa. Como os

códigos visuais não podiam exercer ou substituir as funções de uma língua, pode-se concluir que as pessoas Surdas expostas a esse tipo de estimulação não tiveram contato com uma língua natural que além da “função comunicativa apresenta também a função cognitiva” (GOLDFELD, 2002, p. 103).

Ciccone (1990), afirma que a comunicação total contribuiu para a construção de um novo olhar sobre o Surdo como uma pessoa com possibilidades de se comunicar e aprender. A surdez passou a ser percebida como uma marca que repercute nas relações sociais e no desenvolvimento afetivo e cognitivo dessas pessoas, em detrimento à visão patológica que prevalecia na perspectiva oralista. Ao comparar a filosofia oralista com a Comunicação Total o autor destaca que enquanto o oralismo buscou igualar o Surdo ao ouvinte, a comunicação total procurou facilitar a comunicação entre Surdos e ouvintes, utilizando-se de diversos recursos e estratégias de ensino para alcançar esse objetivo.

Goldfeld (2002) ao analisar os avanços da Comunicação Total em relação ao oralismo afirma que embora tenha trazido mudanças importantes na forma com que a surdez e o Surdo passam a ser interpretados socialmente, valorizando a comunicação e interação entre Surdos e ouvintes, essa filosofia não valoriza as características históricas e culturais das línguas de sinais. O português sinalizado, ou seja, a fusão entre o português e a Libras, é um dos principais recursos utilizados na comunicação entre Surdos e ouvintes no bimodalismo. Brito (1993), Quadros (1997), Goldfeld (2002), Lacerda e Santos (2013) ao criticarem a utilização do português sinalizado afirmam que o uso concomitante das duas línguas que apresentam um canal perceptual diferente (um oral-auditivo e outro visoespacial) acaba desestruturando tanto uma língua quanto a outra. Elementos como expressões faciais, corporais e os movimentos com a boca (recursos importantes da língua de sinais) são praticamente impossíveis de serem utilizados junto com a fala.

Outra crítica que pode ser realizada em relação à Comunicação Total é que mesmo quando essa filosofia utiliza a língua de sinais tem como objetivo o aprendizado da língua oral ou o estabelecimento de uma forma de comunicação com os ouvintes, não existe uma preocupação em oferecer à pessoa Surda uma língua que favoreça seu pleno desenvolvimento.

Por mais que a criança seja estimulada a utilizar diversos recursos que facilitam a comunicação, como não está exposta a uma língua natural, de fácil acesso que poderia ser adquirida de forma espontânea em situações reais de interação e comunicação, ela acaba passando por um período de atraso de linguagem e, consequentemente, um atraso cognitivo. “A interação e a comunicação que a Comunicação Total propõe não pressupõe a utilização de uma

língua em comum pelos falantes, o que parece ser imprescindível no processo de desenvolvimento infantil” (GOLDFELD, 2002, p. 105).

A Comunicação Total trouxe como aspecto positivo a valorização da comunicação, mas sua maior crítica está em não oferecer ao Surdo a oportunidade de ser exposto a uma língua natural, de fácil acesso, que respeite seu canal perceptual (visoespacial), que permita seu desenvolvimento cognitivo e lhe dê oportunidade de dar significado ao que é aprendido, que lhe permita compreender o mundo e construir conhecimento.

A Comunicação Total trouxe à tona inúmeros questionamentos sobre a educação oferecida à pessoa Surda, mas não se mostrou eficaz para resolver os problemas educacionais e sociais enfrentados por esse grupo, iniciados pela imposição do Oralismo.

Apesar de representar um progresso em relação à perspectiva oralista, essa filosofia não conseguiu fazer com que os Surdos deixassem de apresentar problemas de ordem educacional, linguística, cognitiva, emocional e social. Tanto a filosofia oralista quanto a comunicação total mostraram-se insuficientes para possibilitar o aprendizado e o desenvolvimento da pessoa Surda, pois ambas negam a ela a oportunidade de experimentar uma língua natural e desenvolver-se plenamente por meio dela.

Por isso, a partir dos estudos científicos sobre a língua de sinais, realizados por Stokoe (1960), começa a despontar no cenário educacional o bilinguismo, uma filosofia que buscou o reconhecimento das singularidades linguísticas apresentadas pelos Surdos e a valorização da língua de sinais defendida como primeira língua na educação dos Surdos e a língua portuguesa como segunda língua.