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Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS)

5.3 OS INSTRUMENTOS REGIONAIS DE COMBATE AO TERRORISMO

5.3.3 Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS)

Inicialmente centrada em questões ligadas à cooperação e ao desenvolvimento econômico regional, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, criada em 1975, rapidamente incorporou temáticas securitárias à sua agenda. Nesse sentido, foram assinados diversos acordos e protocolos, dentre os quais se destacam o Protocolo de Não- Agressão, de 1978, o Protocolo de Assistência e Defesa Mútua, de 1983, e a Convenção sobre Extradição, de 1994 (CARDOSO; OLIVEIRA, 2016; MAIANGWA, 2017). Nenhum desses

97 Vale destacar, nesse contexto, que em 2010 quatro países membros da Comunidade (Argélia, Mali, Mauritânia

e Níger) criaram um comando militar conjunto, o Comitê do Estado Maior Operacional Conjunto (CEMOC), responsável por articular e coordenar as ações militares de combate ao terrorismo dos três países, além de um centro conjunto de informações, cuja missão é reunir e disponibilizar informações sobre atividades terroristas na região (GOÏTA, 2011).

instrumentos, todavia, continha provisões a respeito do terrorismo, fossem elas gerais ou específicas, a despeito dos inúmeros casos de instabilidade e violência nos países da região.

Foi só a partir do final da década de 1990 e início dos anos 2000 que uma preocupação mais clara com a questão do terrorismo começou a se delinear na região. Assim, em 1999, a ECOWAS adotou um Protocolo referente ao estabelecimento do Mecanismo de Prevenção, Resolução, Gestão, Manutenção de Paz e Segurança de Conflitos, que apresentava, entre seus objetivos, o fortalecimento da cooperação na prevenção de conflitos, nas operações de manutenção de paz, no controle dos crimes transfronteiriços e da proliferação de armas leves e minas terrestres, e também no combate ao terrorismo internacional (ECOWAS, 1999). A despeito disso, o Protocolo não apresentava disposições ou especificações de ferramentas que seriam utilizadas para tanto – sugerindo, assim, que se tratava de uma questão de menor relevância para a organização (HUTCHFUL, 2007).

O Mecanismo foi complementado pela adoção, em 2001, de um Protocolo Suplementar sobre Democracia e Boa Governança. Demonstrando preocupação, em seu preâmbulo, com o fortalecimento do terrorismo internacional, o Protocolo demandava que os Estados parte promovessem o fortalecimento de suas agências nacionais responsáveis pela prevenção e combate ao terrorismo, além de determinar que o Departamento de Assuntos Políticos, Defesa e Segurança da Secretaria Executiva da ECOWAS iniciasse atividades conjuntas entre elas (ECOWAS, 2001). O Protocolo, nesse sentido, representou um avanço no combate ao terrorismo na região, ainda que bastante moderado (YOROMS, 2007). No mesmo sentido, o Quadro da ECOWAS para Prevenção de Conflitos (ECPF), adotado pela organização em 2008, fez novos avanços pontuais, ressaltando a necessidade, na busca de seus objetivos, do desenvolvimento, adoção e implementação, pela organização, de legislações referentes ao terrorismo (ECOWAS, 2008).

A despeito dos diversos avanços pontuais,98 a ECOWAS seguia sem dispor de uma

ferramenta específica para o combate ao terrorismo. Nesse contexto, em 2009 teve início um longo processo para o desenvolvimento de uma estratégia específica, que contou com a participação de especialistas dos níveis nacional, regional e internacional, além de membros da sociedade civil e da comunidade acadêmica. O resultado foi apresentado na 42ª Sessão Ordinária de Chefes de Estado e de Governo da ECOWAS, realizada na Costa do Marfim, em

98 Diversas outras resoluções que tratam de questões tangenciais ao terrorismo foram adotadas pela ECOWAS,

como a Convenção sobre Armas Pequenas e Leves, de 2006; a Convenção de Combate à Corrupção, de 2001; e o estabelecimento do Grupo de Ação Intergovernamental para o Combate à Lavagem de Dinheiro na África Ocidental, em 2000 (ODOBO; ANDEKIN; UDEGBUNAM, 2017)

2013, na qual foi adotada a Declaração Política sobre uma Posição Comum Contra o Terrorismo, composta por uma Estratégia de Combate ao Terrorismo e por um Plano de Implementação (EWI, 2013, MAIANGWA, 2017).

Usando uma definição de terrorismo99 alinhada àquela estabelecida pelos protocolos e

convenções da OUA e da UA, a Declaração estabelece uma política de tolerância zero com o terrorismo, afirmando que as ameaças e os ataques realizados a qualquer Estado-parte serão consideradas ataques à própria ECOWAS – reforçando, portanto, a necessidade de seus membros ratificarem e adotarem os diversos instrumentos da organização, da UA e da ONU para o combate ao terrorismo (ECOWAS, 2013). Entendendo o terrorismo como uma ameaça não só ao bem-estar das populações da África Ocidental, mas também à estabilidade e ao desenvolvimento da região, a Declaração e a Estratégia que lhe acompanha têm como objetivo principal prevenir e erradicar o terrorismo e os atos criminosos a ele relacionados tanto pela efetiva aplicação dos instrumentos regionais, continentais e internacionais de luta contra o terrorismo já existentes, quanto pelo estabelecimento de um quadro operacional comum de ação (EWI, 2013).

Inspirada na Estratégia Global contra o Terrorismo das Nações Unidas,100 a Estratégia

de Combate ao Terrorismo da ECOWAS prevê o estabelecimento de medidas que devem ser adotadas pelos Estados de forma individual e coletiva na luta contra o terrorismo, e estrutura- se em torno de três pilares: prevenção, combate e reconstrução. O primeiro diz respeito à identificação de áreas-chave nas quais os Estados membros devem adotar medidas de forma a

99 De acordo com a Declaração, são considerados atos de terrorismo o sequestro, a tomada de reféns, a solicitação

e o pagamento de resgate, explosões de propriedades públicas e privadas e de infraestruturas críticas, atos de sabotagem e a profanação de lugares sagrados religiosos ou culturais. Ainda, a condena todos os movimentos, grupos ou indivíduos que façam uso de diferenças religiosas, étnicas, sociais ou culturais para incitar ou perpetrar violência e outras atividades hostis que resultem em morte, ferimentos ou danos à propriedade com o objetivo de intimidar ou coagir um governo, negócio privado ou segmento da população, ou de atingir objetivos políticos ou sociais (ECOWAS, 2013).

100 Adotada em 2006, trata-se de uma abordagem estratégica e operacional comum de combate ao terrorismo, que

estabelece medidas individuais e coletivas práticas – que vão desde o fortalecimento das capacidades estatais de combate às ameaças terroristas até uma maior coordenação das atividades de combate ao terrorismo do sistema das Nações Unidas – com o objetivo de prevenir e combater o terrorismo. A estratégia estrutura-se em torno de quatro pilares: i. atenção às condições que conduzem à difusão do terrorismo; ii. medidas para prevenir e combater o terrorismo; iii. medidas para aumentar a capacidade dos Estados de prevenir e combater o terrorismo e para reforçar o papel do sistema das Nações Unidas nessa questão; e, iv. medidas para garantir o respeito aos direitos humanos e o respeito à lei como elementos fundamentais na luta contra o terrorismo (UN, 2018). Parte da importância da Estratégia está em sua defesa de uma resposta inclusiva e multiparticipativa às ameaças nos níveis nacional, regional e global, envolvendo atores tanto tradicionais quanto não-tradicionais no combate ao terrorismo. Ainda que reforce a noção de que os governos nacionais e, portanto os Estados que têm a responsabilidade de proteger seus cidadãos do terrorismo, destaca o papel que a ONU, os organismos regionais e a sociedade civil podem desempenhar em conjunto com os Estados, fornecendo uma estrutura comum para que todos coordenem melhor seus esforços e confiram legitimidade às ações de combate ao terrorismo adotadas (ROSAND, 2009).

viabilizar a detecção e prevenção do terrorismo,101 e é o que recebe maior importância dentro

da estrutura. Nesse sentido, a Estratégia ressalta a necessidade dos Estados promoverem políticas direcionadas a questões entendidas como possíveis causas do terrorismo – como pobreza e desemprego, marginalização política e econômica, abusos de direitos humanos, corrupção, organismos de segurança fracos a atividades transfronteiriças ilegais –, bem como ao financiamento e aparelhamento de grupos que recorrem a esse tipo de prática, buscando, sempre, contar com a participação das comunidades – de forma a, assim, aumentar sua legitimidade e efetividade (ECOWAS, 2013).

O segundo pilar, de combate, centra-se em torno da necessidade de os Estados membros terem condições para, na eventualidade de algum ato terrorista acontecer, minimizar seus impactos nas diversas comunidades e também na segurança nacional.102 Nesse sentido, seu

objetivo principal é dotar os Estados de ferramentas que lhes permitam dar respostas rápidas e efetivas ao terrorismo, especialmente por meio da quebra dos planos, redes e atividades terroristas; da investigação e do julgamento de todos os envolvidos com o terrorismo; da limitação do acesso a equipamento, treinamento, financiamento e espaços físicos; e da criação de um espaço hostil a indivíduos e grupos dispostos a recorrer a práticas terroristas (ECOWAS, 2013). O terceiro pilar, por sua vez, diz respeito aos contextos posteriores ao acontecimento de atos terroristas, e está centrado na reconstrução da sociedade e na capacitação dos Estados para lidar com os impactos do terrorismo e do combate a ele103 (EWI, 2013).

101 A Estratégia estabelece seis áreas prioritárias de intervenção: i. rejeição total, pelos Estados, do terrorismo e de

todas suas formas de manifestação; ii. eliminação de condições que levam à difusão do terrorismo; iii. reforçar a coordenação de alerta prévio e inteligência operacional contra atividades terroristas; iv. negar aos terroristas os meios, o espaço e a capacidade técnica para realizar operações; v. prevenir extremismo e radicalização; e, vi. promoção de práticas democráticas e proteção dos direitos humanos (ECOWAS, 2013).

102 São previstas pela Estratégia oito áreas prioritárias de intervenção: i. a assinatura, ratificação e/ou efetiva

implementação de instrumentos legais de combate ao terrorismo nos níveis regional, continental e internacional; ii. fortalecimento do Estado de direito e da cooperação em matéria de justiça penal; iii. fortalecer a cooperação no controle e vigilância das fronteiras, incluindo a segurança aérea e marítima; iv. suprimir e criminalizar o financiamento do terrorismo, bem como a lavagem de dinheiro a ele associada; v. proteger infraestrutura crítica e instalações diplomáticas e outros interesses estrangeiros; vi. aumentar a capacidade dos Estados membros de desenvolver uma resposta da justiça criminal ao terrorismo; vii. fortalecer a cooperação com a sociedade civil e com a mídia para a prevenção e combate ao terrorismo; e, viii. formação e capacitação na prevenção e combate ao terrorismo (ECOWAS, 2013).

103 São estabelecidas quatro áreas prioritárias de intervenção: i. a proteção dos direitos das vítimas; ii. o apoio e a

reconciliação de comunidades; iii, a restauração do contrato social; e, iv. o desenvolvimento de estratégias nacionais de combate ao terrorismo (ECOWAS, 2013).

Para além do estabelecimento dos objetivos e da descrição dos pilares sobre os quais se estrutura, a Estratégia apresenta uma lista de mecanismos de implementação, cujo principal objetivo é assistir, complementar e fortalecer os Estados – esses os responsáveis primários pela implementação plena e efetiva da Estratégia – em sua tarefa. Compõe a lista as Forças-tarefa Nacionais, que deveriam servir de elo de coordenação com o ACSRT; uma ferramenta de avaliação e de produção de relatórios periódicos a respeito das medidas adotadas e dos desafios enfrentados para a implementação da Estratégia; a Comissão da ECOWAS, responsável por coordenar e ajustar a implementação da Estratégia; a Corte de Justiça da ECOWAS, responsável por garantir o cumprimento de todas as previsões legais da Estratégia; o Mecanismo de Alerta Prévio e de Resposta (ECOWARN), responsável por reunir informações, prever e detectar atividades terroristas; o Comitê de Coordenação de Serviços de Segurança (CCSS), responsável por coordenar todos os aspectos de cooperação de inteligência para a implementação da estratégia, incluindo a ligação entre a ECOWARN e mecanismos regionais, continentais e internacionais relevantes; o Centro de Treinamento em Combate ao Terrorismo da ECOWAS (CTTC) que deveria ser estabelecido com o objetivo de fornecer treinamento padronizado, avaliações de ameaças, pesquisa e análise, desenvolvimento e distribuição de dados e informações, além de fornecer assistência técnica no campo de combate ao terrorismo e trabalhar em conjunto com o ACSRT; a Unidade de Coordenação no Combate ao Terrorismo

Prevenir Combater Reconstruir Combater Radicalização Fortalecer Direitos Humanos Melhorar Cooperação Melhorar Inteligência Restaurar Contrato Social Proteger direitos das vítimas Fortalecer Justiça Criminal Melhorar controle fronteiriço Combater financiamento do Terrorismo

Figura 10: Estratégia de Combate ao Terrorismo da ECOWAS

(responsável pelo monitoramento da implementação da Estratégia pelos Estados, além de realizar funções técnicas relacionadas com a prevenção e combate ao terrorismo e fazer recomendações sobre medidas para fortalecer a implementação da Estratégia); e, o Grupo Intergovernamental de Combate à Lavagem de Dinheiro (GIABA) – responsável por coordenar as atividades ligadas à supressão do financiamento do terrorismo e da lavagem de dinheiro a ele associada (ECOWAS, 2013; EWI, 2013; MAIANGWA, 2017).

A Estratégia previa também o desenvolvimento de um manual de treinamento para o combate ao terrorismo, focado na realidade da região,104 com o objetivo de fornecer uma

abordagem harmônica e coordenada, equalizando os conhecimentos e habilidades das diversas agências estatais envolvidas no combate ao terrorismo, como as polícias, os serviços de inteligência e o poder judiciário. Ainda, ficava estabelecido que seriam realizadas, regularmente, consultas entre as diversas agências governamentais envolvidas no combate ao terrorismo,105 de forma a avaliar e recomendar medidas adicionais de maior efetividade para o

fortalecimento da coordenação entre os Estados membros em questões ligadas ao combate ao terrorismo (ECOWAS, 2013).

Para além das medidas adotadas no âmbito regional, alguns dos países da região também realizaram avanços no combate ao terrorismo. Entre eles, o principal certamente é a Nigéria, que em 2011 adotou uma lei de combate ao terrorismo, complementando-a com uma emenda, em 2013, e com a adoção da Estratégia de Segurança Nacional, de 2014, e da Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo, de 2016. Esses instrumentos apresentam aspectos como a natureza do terrorismo enfrentado pelo país, bem como as diretrizes e mecanismos de resposta e as funções das partes interessadas e das instituições envolvidas no combate a ele (EJI, 2016). A centralidade dada às Forças Armadas em tal função, bem como as ações que têm sido adotadas, especialmente no combate ao grupo Boko Haram, todavia, têm gerado muitas críticas ao governo, sobretudo por não haver uma preocupação maior com o combate aos elementos motivadores do terrorismo (SOLOMON, 2015). Como ressalta Solomon (2015, p. 102, tradução nossa),

Contudo, derrotar o Boko Haram apenas por meio de medidas avançadas de combate ao terrorismo não resolverá os problemas estruturais subjacentes que geram movimentos como Boko Haram. De fato, o Boko Haram e o movimento Maitatsine,

104 O manual deveria se focar em áreas como ciberterrorismo, negociações envolvendo reféns, proteção de

infraestruturas de importância crítica, controle e monitoramento de fronteiras, uso de artefatos explosivos e armas de destruição em massa, e cooperação internacional em questões de combate ao terrorismo, entre outras (ECOWAS, 2013).

105 Como os ministérios de Cooperação, de Relações Internacionais, da Justiça e do Interior, polícias e serviços de

antes dele, eram apenas veículos de representação da profunda insatisfação popular com a deterioração das condições econômicas, com uma elite política corrupta que não responde às necessidades de seus cidadãos, e um Estado alienante, que reforça as divisões sectárias e é incapaz de articular uma noção inclusiva de cidadania Nigeriana que transcenda as divisões linguísticas, étnicas, religiosas e regionais.