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O problema da indefinição do conceito de terrorismo, no entanto, permanece. Os debates acerca dessa questão, como foi visto, se intensificaram a partir de meados da década de 1970, e desde então encontraram pouca evolução. A despeito dos esforços de diversos pesquisadores em criar um conceito funcional e não enviesado politicamente, não se desenvolveu uma definição que seja amplamente aceita e empregada – seja no âmbito acadêmico ou no político. Como já mencionado, diversas iniciativas internacionais para combater o terrorismo foram lançadas desde então – muitas delas pela Organização das Nações Unidas –, sem que qualquer uma delas contivesse, todavia, uma definição clara do que seria considerado como terrorismo (WEINBERG, 2003). Cabe notar, no entanto, que, apesar da falta de definição, a ONU – mais especificamente sua Assembleia Geral – manteve uma posição clara a respeito do tratamento que considerava ser adequado para abordar tal questão, entendendo o terrorismo como um crime. O Conselho de Segurança (CSONU), por sua vez, estava, a princípio, em consonância com tal posição, o que ficou claro quando, imediatamente após os ataques de setembro de 2001, aprovou a resolução 1368, que enfatizava a necessidade de levar à justiça todos aqueles que tivessem qualquer ligação com os atentados. Tal posição, contudo, não foi mantida de forma consistente pelos membros do Conselho que, através da resolução 1373, afirmaram o direito de autodefesa individual ou coletiva, sob os auspícios da Carta de São Francisco, e a necessidade de combater o terrorismo (ACHARYA, 2009).

Assim, a falta de uma definição clara de terrorismo, bem como a ambiguidade na abordagem do tema pelo CSONU, criaram mais espaço para que alguns Estados, notadamente

os EUA, adotassem uma abordagem diferente da sugerida pela organização a essa questão, sendo essa a mesma adotada em relação à Líbia, em 1986, que identificava os atos considerados terroristas como atos de guerra. Assim, seria necessário responder a esses atos a partir do princípio da autodefesa e adotar estratégias de uso de força, como a Guerra ao Terror (ACHARYA, 2009). Ainda, cabe destacar que o problema de definição do conceito é tão presente, que mesmo nos EUA, certamente um dos atores internacionais mais interessados no tema, as diversas agências governamentais possuem – e trabalham a partir de – definições próprias e distintas do termo, sendo estas, por vezes, até mesmo conflitantes (SCHMID, 2004). Para além das dificuldades em termos de pesquisa acadêmica geradas, a falta de uma definição clara do conceito também tem como resultado importante, como destaca Zeidant (2004), o fato de que o termo tem sido usado muito mais como um conceito político do que em um sentido legal – possibilitando, dessa forma, que Estados mais poderosos adequem-no a seus interesses em distintos momentos e assuntos.29No mesmo sentido, Acharya (2009) defende que

a ausência de uma definição única e consensual possibilita que o termo seja utilizado (por indivíduos, grupos ou mesmo Estados) de acordo com a definição que melhor convier a seus interesses em diversas esferas de atuação, inviabilizando uma abordagem uniforme à questão do terrorismo. Para os autores, a inexistência de uma definição única e amplamente aceita de terrorismo não seria fruto de alguma dificuldade conceitual, mas sim resultado de uma tentativa deliberada de diversos Estados de impedir o estabelecimento de uma conceituação que imponha limitações a uma atuação unilateral por parte deles (ACHARYA, 2009; ZEIDANT, 2004).

Nesse sentido, Acharya (2009) identifica também que o problema da indefinição do que é terrorismo está relacionado ao fato de que o termo tem sido usado taticamente por partes em conflito, que buscam enquadrar seus inimigos como terroristas. Nesse sentido, o lado mais fraco, com menos condições materiais e militares tende a ser identificado como terrorista. Nas palavras do autor,

Sua busca pela autogovernança ou autodeterminação é geralmente prejudicada por atores poderosos, seja na arena nacional ou internacional. Quando suas demandas legítimas não são atendidas, elas reagem – às vezes com e às vezes sem violência. Nessa situação, cada lado rotula o outro de terrorista, cada um buscando justificar sua própria violência enquanto condena a violência do outro (ACHARYA, 2009, p. 656, tradução nossa).

29 Nesse sentido, o autor destaca o Talibã e Osama Bin Laden, que enquanto combatiam a ocupação soviética do

Afeganistão eram tidos como “defensores da liberdade” (freedom fighters) e recebiam apoio da CIA, e que posteriormente passaram a ocupar as listas de terroristas internacionais de Washington (ZEIDANT, 2004).

Em relação a isso é interessante ressaltar que, como já indicava Engels (1962), a violência, muito mais que um ato de vontade, pressupõe a existência de condições materiais – instrumentos – para sua realização. Assim, se ao longo da história, as condições econômicas e tecnológicas influíram significativamente na formulação dos métodos de combate, de modo que o progresso tecnológico, ao chegar ao domínio militar, obrigava a alterações ou a transformações radicais nas táticas utilizadas até então, do mesmo modo, ao analisarmos o fenômeno do terrorismo, é possível identificar uma correlação entre as condições materiais de determinados grupos e a escolha destes de fazer uso de táticas consideradas terroristas para atingirem seus objetivos – sem entrar no mérito da legitimidade ou não desses objetivos. Assim, enquanto um lado justifica o seu uso unilateral da força (violência) como único meio de proteger os direitos humanos, as liberdades individuais, a “civilização” e o Império da Lei, através da eliminação física daqueles considerados “terroristas”, o outro lado, envolvido em um histórico de dominação, colonização e marginalização, considera as táticas chamadas terroristas (violência) como seu único meio de atingir nações muito mais poderosas (ACHARYA, 2009). O que fica evidente, a partir dessas considerações, é que, para além da indefinição do termo – e dos interesses que estão por trás desse fato –, existem diferentes visões a respeito de como a questão deveria ser abordada. A visão da grande maioria das convenções internacionais e resoluções da ONU indica que, em sendo um ato criminal, o problema deveria ser abordado através do direito, tanto interno quanto internacional, e submetido ao devido processo legal, sendo responsabilidade dos Estados a cooperação para investigação e punição desses crimes, bem como a implementação de políticas capazes de agir sobre as causas que subjazem o terrorismo. Por outro lado, a visão do terrorismo enquanto um ato de agressão que, sob os auspícios do princípio de autodefesa, deve ser respondido com o uso da força é a que tem sido adotada pelas principais potências do sistema internacional, notadamente os EUA. Por fim, uma última abordagem considera o terrorismo enquanto uma ameaça à paz e à segurança internacionais, sendo necessário tratar o problema como uma questão de segurança coletiva, buscando, sob a égide da Carta da ONU, implementar ações concertadas. Como se pode notar, a visão que tem prevalecido nas formulações estratégicas de várias potências é a segunda (ACHARYA, 2009).

Nesse contexto, um dos principais esforços para a criação de um conceito uniforme foi realizado por Alex Schmid e Albert Jongman no livro Political Terrorism: A New Guide to Actors, Authors, Concepts, Data bases, Theories and Literature, de 1988. Nele, os autores criam uma definição de terrorismo a partir das respostas dadas por diversos pesquisadores a um questionário a respeito do tema. Partindo de mais de cem definições diferentes geradas pelas

respostas, os autores identificaram os elementos mais recorrentes, criando sua definição a partir deles. Assim, para eles, terrorismo é definido como

um método de inspirar ansiedade através de ações violentas repetidas, empregado por indivíduos, grupos ou atores estatais (semi-) clandestinos, por razões idiossincráticas, criminosas ou políticas, no qual – em contraste com o assassinato – os alvos diretos da violência não são os alvos principais. As vítimas humanas imediatas da violência são geralmente escolhidas de forma aleatória (alvos de oportunidade) ou seletiva (alvos simbólicos ou representativos) entre uma população alvo, e servem como geradores de mensagem. Processos de comunicação, baseados em ameaça e violência, entre terroristas (organização), vítimas (em perigo) e os alvos principais são usados para manipular o alvo principal (público), transformando-o em um alvo do terror, um alvo de demandas ou um alvo de atenção, dependendo se o objetivo primordial é intimidação, coerção ou propaganda (SCHMID; JONGMAN, 1988, p.28, tradução nossa, grifo nosso).

É certo, por um lado, que essa definição, ainda que bastante abrangente, ignora elementos importantes a respeito do fenômeno – como a possibilidade de Estados realizarem ações terroristas30de forma não-clandestina,31por exemplo. Por outro, todavia, é importante

ressaltar a compreensão dos autores de que o terrorismo não é uma característica inerente a algum tipo de ator e/ou grupo, e sim um método, prática ou estratégia que pode ser adotada por diferentes grupos e/ou atores, com um objetivo específico. Essa distinção, ainda que possa parecer sutil e de importância menor, é de extrema relevância, uma vez que não só parte do pressuposto de que não há irracionalidade nas ações consideradas terroristas – ou seja, há sempre um objetivo político e, sobretudo, racional por trás das ações –, mas também considera que tais ações podem ser realizadas por qualquer tipo de ator que julgar ser essa a melhor prática a ser adotada na busca de seus objetivos – evitando assim que haja qualquer forma de rótulo para grupos e/ou ideologias, possibilitando uma análise mais clara e menos enviesada do fenômeno. Diante disso, é importante perceber que o uso de classificações como “grupo(s) terrorista(s)”, ainda que frequente e comumente aceito, não é adequado, uma vez que atribui a um grupo, enquanto característica, algo que é um método ou uma prática.

30 Entendidas aqui como o “uso da violência ou repressão perpetrada ou patrocinada por um Estado contra alguns

ou todos seus cidadãos, baseado em discriminação política, social, racial, religiosa ou cultural, ou contra os cidadãos de um território ocupado ou anexado por tal Estado, ou aqueles de países vizinhos ou distantes” (ZEIDANT, 2004, p. 495, tradução nossa, grifo nosso).

31 Como por exemplo os EUA, que financiaram as guerrilhas Contra, na Nicarágua, tendo sido condenados pela

Corte Internacional de Justiça por isso sem, todavia, jamais terem sido taxados de terroristas – ainda que os Contra mantivessem um comportamento considerado terrorista pelos próprios padrões estadunidenses (ACHARYA, 2009).