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3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA

3.2 COMUNIDADE LINGUÍSTICA E COMUNIDADE DE FALA

Outra distinção importante para este trabalho é a que existe entre comunidade linguística e comunidade de fala. ‘Comunidade linguística’ é um conceito amplo, podendo se equiparar a ‘área linguística’. Gumperz assim define comunidade linguística:

[...] a social group which may be either monolingual or multilingual, held together by frequency of social interaction patterns and set off from the surrounding areas by weaknesses in the lines of communication. Linguistic communities may consist of small groups bound together by face-to-face contact or may cover larger regions, depending on the level of abstraction we wish to achieve18 (GUMPERZ, 1971, p. 101).

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No Brasil, desenvolveram-se coinés a partir das variedades trazidas pelos grupos de alemães e italianos que aqui desembarcaram: o Hunsrückisch, falado pela maioria dos alemães, e o talian, de base vêneta, falado pela maioria dos italianos (ALTENHOFEN; MARGOTTI, 2011, p. 289).

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[...] um grupo social que pode ser tanto monolíngue quanto multilíngue, unido pela frequência de padrões de interação social e separado das áreas circundantes pela debilidade nas linhas de comunicação. As comunidades linguísticas podem consistir de grupos pequenos unidos pelo contato face a face ou podem abranger regiões maiores, dependendo do nível de abstração que queremos alcançar.

Pode-se dizer, então, que comunidade linguística diz respeito a todo conjunto de falantes que utilizam a mesma língua (que não é obrigatoriamente a língua materna de todos) ou o mesmo dialeto para interagir. Nesse sentido, por exemplo, o conjunto de falantes de língua portuguesa pode constituir uma comunidade linguística.

Porém, embora o conceito de comunidade linguística seja apropriado para designar um grupo de falantes que utilizam o mesmo sistema linguístico, mostra-se inadequado para designar um grupo que segue não só as mesmas formas linguísticas, mas também as mesmas normas relativas ao uso da língua. Surge, então, a necessidade de distinguir o conceito de comunidade de fala do de comunidade linguística.

Para Labov,

The speech community is not defined by any marked agreement in the use of language elements, so much as by participation in a set of shared norms. These norms may be observed in overt types of evaluative behavior, and by the uniformity of abstract patterns of variation which are invariant in respect to particular levels of usage19 (LABOV, 1972, p. 120-121).

As pessoas da mesma comunidade linguística compartilham o conhecimento do sistema de sons, de gramática e vocabulário de uma língua; porém, no interior de uma comunidade linguística, existem várias comunidades de fala, isto é, grupos de indivíduos que compartilham suposições, expectativas e normas a respeito do uso da linguagem (modos de polidez, maneiras de responder aos outros, adequação de temas em função do interlocutor etc.). Ou seja:

Cuando en sociolingüística se maneja el concepto de ‘comunidad de habla’, se está pensando en algo más concreto que el conjunto de hablantes de una lengua histórica – a lo que se há llamado comunidad idiomática – o de una lengua en un momento y en un territorio determinados (comunidad lingüística)20 (MORENO FERNÁNDEZ, 1998, p. 19).

Moreno Fernández (1998) cita, como exemplo, o caso dos falantes de língua espanhola do México e da Espanha, que pertencem à mesma comunidade idiomática, mas não à mesma

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A comunidade de fala não é definida por nenhum acordo marcado quanto ao uso dos elementos da língua, mas, principalmente, pela participação em um conjunto de normas compartilhadas. Essas normas podem ser observadas em tipos explícitos de comportamento avaliativo, e pela uniformidade de padrões abstratos de variação que são invariantes em relação a níveis particulares de uso.

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Quando em sociolinguística se lida com o conceito de ‘comunidade de fala’, está-se pensando em algo mais concreto que o conjunto de falantes de uma língua histórica – o que tem sido chamado de comunidade idiomática – ou de uma língua em um momento e em um território determinados (comunidade linguística).

comunidade de fala, já que não compartilham um conjunto de normas e valores de natureza sociolinguística.

Gumperz (1971, p. 114) define comunidade de fala como “any human aggregate characterized by regular and frequent interaction by means of a shared body of verbal signs and set off from similar aggregates by significant differences in language usage”21

. Sobre a extensão da comunidade de fala, acrescenta:

Most groups of any permanence, be they small bands bounded by face-to-face contact, modern nations divided into smaller sub-regions, or even occupational associations or neighborhood gangs, may be treated as speech communities, provided they show linguistic peculiarities that warrant special study. The verbal behavior of such groups always constitutes a system22 (GUMPERZ, 1971, p. 114).

Uma comunidade de fala pode ter disponível mais de uma variedade linguística, constituindo o que Gumperz (2009)23 inicialmente denominou ‘repertório verbal’ da comunidade, que pode incluir variedades especializadas (por exemplo, com relação a ocupações), variedades de diferentes classes sociais e também diferentes variedades regionais. Contudo, o autor, posteriormente, modificou o termo para ‘repertório comunicativo’, referindo-se aos diferentes códigos linguísticos e modos de falar disponíveis aos membros de uma comunidade ou de um complexo de comunidades sobrepostas e interactantes (GUMPERZ, 1977). Com isso, o autor muda o foco do repertório verbal da comunidade de falantes para os recursos usados pelos indivíduos.

Nesta pesquisa, consideram-se os informantes como pertencentes a comunidades de fala específicas, ou, nas palavras de Moreno Fernández (1998), como grupos de indivíduos que compartilham ao menos uma variedade linguística, bem como as mesmas regras de comportamento comunicativo, as mesmas atitudes linguísticas e a mesma valoração das formas linguísticas.

Moreno Fernández (1998) lembra que o termo não está livre de problemas conceituais, relacionados principalmente à dificuldade de estabelecer os limites de uma comunidade de

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[...] qualquer grupo humano caracterizado pela interação regular e frequente por meio de um corpo compartilhado de signos verbais e separado de grupos similares por diferenças significantes no uso da língua.

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A maioria dos grupos de qualquer permanência, sejam eles pequenos grupos unidos pelo contato face a face, nações modernas divididas em pequenas sub-regiões, ou mesmo associações profissionais ou gangues de bairro, pode ser tratada como comunidade de fala, desde que apresente peculiaridades linguísticas que justifiquem estudo especial. O comportamento verbal de tais grupos sempre constitui um sistema.

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A obra original é de 1968. Trata-se do artigo “The speech community”, publicado na International Encyclopedia of the Social Sciences (p. 381-386). Neste trabalho, utilizou-se a reimpressão/edição do artigo, publicada na obra Linguistic Anthropology: a reader, em 2009. Vale informar que, nesta tese, a indicação da primeira edição de uma obra só será feita quando se tratar de conceitos fundantes, com o objetivo de demarcar a sua origem cronológica.

fala e à heterogeneidade que a caracteriza. Não obstante, trata-se, ainda assim, conforme Fishman (1972a), de um termo mais neutro, pois não implica um tamanho particular nem uma base particular de comunidade (communality).