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5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

5.5 O TRATAMENTO E A APRESENTAÇÃO DOS DADOS

Para o desenvolvimento da análise, optou-se por uma abordagem qualiquantitativa, considerando o que diz Saville-Troike (2003, p. 185): “especially in attitude research, an integration of both qualitative and quantitative procedures is clearly desirable”64. Conforme pondera a autora, ao considerar as mensurações de ordem meramente quantitativa, corre-se o risco de obter respostas subjetivas tendenciosas tangenciadas por diversos fatores capazes de interferir nos resultados, tais como o gênero, a faixa etária e a identidade percebida do investigador/inquiridor. Por outro lado, os resultados quantitativos são interessantes na medida em que permitem descobrir um padrão em situações que, de outro modo, poderiam ser vistas como mera variação aleatória. Para evitar esse problema, a abordagem quantitativa precisa ser apoiada por uma análise qualitativa dos dados (que, por seu turno, não é capaz de explicar os fenômenos sem a ajuda dos padrões numéricos).

O objeto de pesquisa – opiniões, crenças, avaliações e tendências de comportamento, fruto das identidades individuais e sociais – não pode ser quantificado. A pesquisa qualitativa “trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2002, p. 21-22).

Tendo em vista essa escolha metodológica, as respostas foram primeiramente quantificadas para fins estatísticos, rendendo dados que, por si sós, podem ser reveladores de algumas atitudes com relação às línguas ou variedades e aos seus falantes. Após a tabulação dos dados, os resultados foram transformados em gráficos para possibilitar sua visualização. Na sequência, procedeu-se à análise descritiva dos dados, ou seja, à interpretação qualitativa

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[...] especialmente em pesquisas sobre atitudes, uma integração dos procedimentos qualitativo e quantitativo é claramente desejável.

das respostas dos informantes, comentando pontos que fossem relevantes para esta pesquisa. Para ilustrar as discussões, foram reproduzidos excertos das falas dos informantes.

Para o desenvolvimento da análise, as questões foram reagrupadas por blocos de acordo com o que se buscou obter dos informantes, ou seja: pensamentos e crenças (aspecto cognitivo); sentimentos e emoções (aspecto afetivo); e tendências de reação (aspecto conativo), considerando também o aspecto social. Esse reagrupamento foi inspirado na contribuição dos psicólogos sociais acerca dos métodos de “medição” das atitudes.

Segundo Lambert e Lambert (1966), os psicólogos sociais costumam usar um questionário para medir as atitudes, cujos itens seriam, então, elaborados de modo a representar os três componentes da atitude: o cognitivo, o afetivo e o conativo. O componente cognitivo se refere aos pensamentos e crenças – ou seja, no âmbito linguístico, refere-se àquilo que se sabe sobre uma língua, variedade ou grupo linguístico – e estaria representado no questionário com perguntas do tipo “De um modo geral, crê que os imigrantes são tão dignos de confiança quanto qualquer outra pessoa?” e “Parece-lhe que os imigrantes têm filhos, principalmente, para mandá-los trabalhar?”. O componente afetivo se refere aos

sentimentos e emoções – no âmbito linguístico, refere-se ao sentimento frente ao que se sabe a

respeito de uma língua, variedade ou grupo linguístico – e seria medido a partir de perguntas como “Fica aborrecido porque os imigrantes mantêm sua própria língua e costumes?” e “Fica satisfeito porque seus filhos brincam com filhos de imigrantes?”. Finalmente, o componente conativo se refere às tendências de reação – o que, no âmbito linguístico, equivale a dizer que se trata da predisposição para agir frente ao que se sabe e sente sobre uma língua, variedade ou grupo linguístico – e seria medido em perguntas como “Estaria disposto a trabalhar para um patrão imigrante?” e “Gostaria de se mudar se muitos imigrantes instalassem seus lares no mesmo bairro?”

Diante disso, conforme já mencionado, decidiu-se pela organização das perguntas em blocos, de modo geral, conforme o objetivo de medir os diferentes componentes das atitudes, apontados por Lambert e Lambert (1966), buscando considerar também a proposta de Bem (1973), que acrescenta à estrutura composicional da atitude o componente social, referente ao modo de interagir com os outros, como já foi visto na Seção 3 (Subseção 3.5).

É válido mencionar que Lambert e seus colegas (1960) desenvolveram também uma técnica muito utilizada nos estudos de atitudes, denominada Matched Guise Technique, em que os informantes ouvem vozes gravadas (em pelo menos duas variedades de língua) e são solicitados a indicar o que pensam sobre as características da personalidade dos oradores. Essa técnica, no entanto, não foi usada neste estudo, embora tenha sido planejada em um

primeiro momento como possível complementação de dados. A aplicação dessa técnica foi descartada por se considerar que o corpus inicial já fornecia volume de informações suficiente para o estudo proposto.

A distribuição das perguntas do questionário em blocos está representada no Quadro 4, a seguir. O bloco 1 é destinado às questões que buscam identificar as línguas faladas pelos informantes (línguas maternas e adquiridas). Ressalta-se que essas perguntas, por si sós, não dizem respeito às atitudes dos falantes em relação às línguas, mas suas respostas, muitas vezes, podem ser bastante reveladoras nesse sentido. Os blocos 2 e 3 dizem respeito à medição do componente cognitivo das atitudes, isto é, daquilo que se sabe sobre uma língua, variedade ou grupo linguístico. O bloco 4 se refere igualmente ao componente cognitivo, mas também diz respeito ao aspecto social, uma vez que inclui questões sobre o círculo de amizades do informante. O bloco 5 se refere às perguntas que buscam obter dos informantes a sua avaliação das línguas faladas na comunidade, correspondendo ao componente afetivo, já que busca obter dos falantes as emoções e sentimentos em relação às línguas ou variedades ou aos grupos linguísticos. Finalmente, o bloco 6 agrupa questões relacionadas à identificação das tendências de reação dos informantes, correspondendo ao componente conativo. As perguntas, no quadro, não seguem necessariamente a ordem numérica, pois mantêm a numeração original do questionário.

É importante destacar que uma pergunta permite, ao mesmo tempo, avaliar mais de um componente da atitude. Por exemplo, a uma pergunta que tenha por objetivo principal obter uma resposta no âmbito do componente cognitivo, o informante pode fornecer uma resposta em que se identificam elementos do componente afetivo ou do conativo. Desse modo, os blocos têm o objetivo de minimamente orientar a organização da análise, mas não pretendem ser conjuntos categóricos, pelo fato de o objeto material da análise – a língua(gem) – ser algo fluido e intangível.

Quadro 4 – Organização das perguntas do questionário em blocos para fins de análise Divisão dos blocos para análise

BLOCO 1: Identificação da(s) língua(s) de aquisição e de uso do informante

Questão 1 Que língua você fala?

Questão 2 Quando você era criança, em que língua seus pais falavam com você?

Questão 4 Quando você era criança, em que língua você falava com seus pais e avós?

BLOCO 2: Consciência da diversidade e nível de conhecimento das línguas faladas na localidade

Questão 5 Aqui em Irati/Santo Antônio do Sudoeste, existem pessoas que falam diferente de

você?

Questão 6 Que língua(s) fala(m) os que falam diferente aqui?

Questões 7, 8, 9 e 10

IRATI: Poderia dar um exemplo do polonês/ucraniano/ italiano/alemão?

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE: Poderia dar um exemplo do espanhol

argentino/espanhol paraguaio/alemão/italiano?

Questão 13 Em que lugares você ouve essa(s) língua(s) ou modo(s) de falar diferente(s)?

Questão 26 Você estudou ou fala alguma dessas línguas? Qual? Onde aprendeu?

Questão 46 Sobre essa multiplicidade de línguas que você ouve aqui em Irati/Santo Antônio

do Sudoeste, gostaria de falar mais alguma coisa que eu não tenha perguntado?

BLOCO 3: Pensamentos e crenças a respeito do comportamento social dos falantes e da conveniência ou não do uso em público e ensino das línguas faladas na localidade

Questões 14, 15, 16 e 17

IRATI: Quando você se aproxima dos poloneses/ucranianos/italianos/alemães, eles costumam parar de conversar entre eles, ou continuam?

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE: Quando você se aproxima dos argentinos/ paraguaios/alemães/italianos, eles costumam parar de conversar entre eles, ou continuam?

Questão 22 Você acha que deveriam proibir o uso dessas línguas em lugares públicos aqui em

Irati/Santo Antônio do Sudoeste?

Questão 23 Na igreja, no templo, o sacerdote, pastor ou palestrante deveria falar também

nessas línguas?

Questão 24 A escola deveria ensinar essas línguas que você ouve aqui? Qual delas? Por quê?

BLOCO 4: Descrição e avaliação do círculo de amizades do informante

Questões 31, 32, 33 e 34

IRATI: Você tem amigos poloneses/ucranianos/italianos/alemães? Como começou essa amizade?

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE: Você tem amigos argentinos/paraguaios/ alemães/italianos? Como começou essa amizade?

Questão 35 Com qual deles você sente que a amizade é mais sincera? Por quê?

Questão 36 Com qual deles você sente que a amizade é falsa ou interesseira? Por quê?

Questão 37 Você já teve algum desentendimento com algum deles? Por que motivo?

Questão 11 IRATI: Comparando essas línguas: polonês, ucraniano, italiano e alemão, quem fala melhor? Por quê?

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE: Comparando essas línguas: espanhol argentino, espanhol paraguaio, alemão, italiano, quem fala melhor? Por quê?

Questão 12 E quem fala pior? Por quê?

Questão 18 Falam melhor os que falam o português ou os que falam essas línguas

estrangeiras de que falamos?

Questão 19 Essas línguas são feias ou bonitas?

Questão 20 Qual é a mais bonita?

Questão 21 E a mais feia?

BLOCO 6: Identificação das tendências de reação

Questão 25 Você gostaria de aprender a falar alguma dessas línguas estrangeiras faladas aqui?

Qual delas? Por quê? Questões 27, 28,

29 e 30

IRATI: Se você fosse comprar uma casa num bairro onde só houvesse poloneses/ ucranianos/italianos/alemães, você compraria?

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE: Se você fosse comprar uma casa num bairro onde só houvesse argentinos/paraguaios/alemães/italianos, você compraria? Questões 38, 39,

40 e 41

IRATI: Você namoraria ou se casaria com um(a) polonês(a)/ucraniano(a)/ italiano(a)/alemão(ã)? Por quê?

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE: Você namoraria ou se casaria com um(a) argentino(a)/paraguaio(a)/alemão(ã)/italiano(a)? Por quê?

Questões 42, 43, 44 e 45

IRATI: Se precisasse de um médico ou dentista, procuraria um polonês/ucraniano/ italiano/alemão? Por quê?

SANTO ANTÔNIO DO SUDOESTE: Se precisasse de um médico ou dentista, procuraria um argentino/paraguaio/alemão/italiano? Por quê?

Algumas considerações se fazem importantes para o correto entendimento de alguns termos usados na análise, referentes às línguas e aos seus falantes. No que concerne à denominação dos falantes, o uso de designações como ‘alemão’, ‘ucraniano’ etc. não se refere propriamente à nacionalidade desses falantes, mas à sua origem étnica, ou seja, são filhos ou netos de alemães, ucranianos etc. A opção por essas designações se justifica pelo fato de que os próprios descendentes – e isso não só nas comunidades pesquisadas – autodenominam-se dessa forma, para se distinguirem dos “brasileiros”, isto é, daqueles nascidos no Brasil e sem descendência europeia. Em Irati, as designações ‘ucraino’ e ‘polaco’ são, muitas vezes,

usadas como sinônimas de ‘ucraniano’ e ‘polonês’, respectivamente. Por fim, em Santo Antônio do Sudoeste, o termo ‘castelhano’ se refere especialmente ao argentino.

Quanto à denominação da língua, são sinônimos: ‘ucraino’ e ‘ucraniano’; ‘polaco’ e ‘polonês’; ‘brasileiro’ e ‘português’; ‘espanhol’ e ‘castelhano’; ‘argentino’ e ‘espanhol argentino’ (como referência mais direta à variedade falada na Argentina); e ‘paraguaio’ e ‘espanhol paraguaio’ (como referência mais direta à variedade falada no Paraguai). Quanto aos termos ‘italiano’ e ‘alemão’, seu uso não necessariamente faz referência à língua padrão, mas às respectivas variedades dialetais faladas em cada localidade.

A disposição das respostas dos informantes em termos percentuais, dos gráficos relativos a esses resultados e dos comentários descritivos e/ou analíticos das respostas ao longo do texto não segue um padrão rígido, embora se busque certa uniformidade. Por exemplo, o gráfico é apresentado apenas após todos os resultados em termos percentuais serem descritos; preferencialmente, a exemplificação das respostas e os comentários relativos a elas aparecem após os gráficos, mas, muitas vezes, elas são antecipadas, intercaladas à apresentação dos dados percentuais, para dar maior fluidez ao texto, evitando-se retomadas recorrentes. Assim, a disposição das informações busca sempre, em primeiro lugar, respeitar o fluxo do texto.

As porcentagens relativas ao número de informantes podem sofrer variações nos centésimos na descrição dos resultados de uma pergunta (do questionário) para outra e de um gráfico para outro, ou mesmo no interior do mesmo gráfico ou bloco de respostas. Os ajustes, sempre de 0,01%, mostraram-se necessários para não prejudicar a somatória de 100%. Optou- se por alterar sempre os índices que foram arredondados “para cima” (final 5 em diante), por meio da redução da última casa centesimal.

Nas análises, as variáveis extralinguísticas (sexo, faixa etária e nível de escolaridade) e os dados relativos ao perfil do informante (como, por exemplo, a origem étnica) somente são considerados em caso de homogeneidade de respostas estreitamente relacionada a variáveis ou perfis específicos, permitindo generalizações.