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De acordo com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (2008, p. 33), no contexto de abertura da Igreja, de diálogo da instituição religiosa com a sociedade e protagonismo dos leigos, começaram a se organizar, a partir dos anos 1970, as pastorais sociais. Elas tratam-se da caridade e solicitude para com aqueles cuja vida está ameaçada, concretizando a opção preferencial pelos pobres, por quem vive de forma desumana. Sua missão passa pela organização dos excluídos, pelas mobilizações sociais e comprometimento político.

Uma das primeiras a surgir foi a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. De acordo com Giannotti (2007, p. 41), durante a Ditadura Militar, principalmente no governo do general Emílio Garrastazu Médici, que foi de 1969 a 1974, o Brasil viveu o chamado “Milagre Econômico”. Havia um crescimento econômico pautado no papel do Estado como impulsionador do grande capital nacional e internacional, no investimento em grandes empreendimentos, entre outros.

Segundo a CNBB (2008, p. 41), um dos locais onde os grandes empreendimentos chegaram foi na Amazônia. Considerado um “território sem gente” pelos militares, esse espaço passou a ser pólo de atração para empresários nacionais e internacionais. Com seu direito à terra totalmente violado diante dessa situação, os camponeses se uniram aos membros da Igreja para dar visibilidade às diversas formas de violência pelas quais estavam passando, surgindo, então, a CPT. A partir daí vieram outras pastorais, como a Pastoral dos Migrantes, Pastoral da Mulher Marginalizada, Pastoral Carcerária, Pastoral do Menor, Pastoral Operária, entre outras.

Nas Comunidades Eclesiais de Base (Ceb’s) surgiram muitas lideranças das Pastorais Sociais. De acordo com Frei Betto (1985, p. 16), as Ceb’s consistem em pequenos grupos organizados em torno da paróquia ou da capela. O primeiro caso acontece na zona urbana, o segundo, na rural. São denominadas comunidades por reunirem pessoas que professam a mesma fé, pertencem a mesma Igreja e são moradoras da mesma região, vivendo problemas em comum, lutando por melhores condições de vida e compartilhando anseios e esperanças libertadores. São chamadas eclesiais por congregarem na Igreja como núcleos básicos de comunidade de fé e são de base porque a elas pertencem pessoas inseridas nas classes populares, como donas de casa, operários, aposentados, entre outros trabalhadores do campo ou da cidade.

O conceito de Ceb’s apresentado dialoga com o que afirma Zeny Rosendahl (2005, p.1991) ao dizer que o território é um dos fatores que faz com que um grupo religioso fortaleça o sentido de pertencimento a uma determinada instituição religiosa, favorecendo a noção de que se

partilha uma identidade comum, um sentimento de integração, não sendo o território identitário religioso apenas ritual e simbólico, mas local de práticas ativas.

Alinhando o conceito de Ceb’s à afirmação de Zeny Rosendahl, é possível afirmar que a comunidade é um território e fortalece o sentimento de pertencimento à Igreja Católica. Esse sentimento de pertencimento não se dá somente pelo fato das pessoas professarem a mesma fé, mas também por abranger um grupo que mora numa mesma localidade e, por isso, compartilha dos mesmos problemas coletivos, ou seja, têm uma identidade em comum.

Segundo Frei Betto (1985, p. 18), os agentes de pastoral, leigos ou religiosos das próprias comunidades, com vivência nela, são seus animadores, têm o papel de assessorar e estimular o engajamento do povo, fazendo com que ele construa sua própria história. Um dos cuidados que o agente de pastoral deve ter é o de não cair na atitude colonialista de não querer aprender com a comunidade, querendo se limitar a ensinar a ela, reproduzindo comportamentos elitistas, academicistas e populistas.

Frei Betto (1985, p.31) destaca que as Ceb’s se orientam por meio do método ver, julgar e agir2, ou seja, as pessoas, reunidas, expõem seus problemas, suas dificuldades. Diante disso, algumas questões se destacam como mais importantes. Essa parte chama-se ver, procedida pelo julgar, no qual se questionam como Jesus agiria nessa situação e como a comunidade deve agir. O questionamento deve ser iluminado por uma leitura bíblica, partindo posteriormente para a reflexão. A terceira etapa, o agir, contempla o planejamento, a ação concreta para enfrentar o problema.

Não trata-se, segundo Frei Betto (1985, p. 31), de um método linear, pois a comunidade pode passar meses em torno do mesmo problema. Cada reunião é um momento de avaliação da resistência, de estruturar as próximas etapas da luta para dar continuidade à ação, mas sob a consciência crítica das falhas e erros. Um momento não está separado do outro ou dotado de sequências estanques que provocariam, na sucessão das reuniões, o eterno retorno ver-julgar- agir.

Frei Betto (1985, p.32) destaca que as Ceb’s são políticas, não enquanto grupos partidários, mas pelo fato de nelas emergir a consciência crítica do povo, a crítica a ordem social injusta, por ser a Igreja expressão da palavra do oprimido. Assim, para Frei Betto, despolitizar as Ceb’s é

2 Método criado pelo cardeal Joseph Cardjin, fundador da Juventude Operária Católica. Ele sugeriu ao Vaticano a incorporação desse método como parte do ensino e práticas sociais católicas. A sugestão foi aceita pelo papa João XXIII.

castrar seu caráter pastoral libertador e torná-las reprodutora do discurso dominante, aprofundando a ideologia do opressor em meio aos oprimidos. O religioso salienta, ainda, que a ação das Ceb’s se dá de modo intra-eclesial, ou seja, por meio de celebrações, festas litúrgicas, novenas, catequese, preparação de sacramentos, entre outros, e extra-eclesial, que contempla, por exemplo, a vinculação às lutas populares, na cidade e no campo.

Essa atividade extra-eclesial mostra que as Ceb’s não se fecham em si mesmas. Segundo Frei Betto (1985, p. 23), a partir das reflexões sobre diversos temas, como mencionado ao explicar o método ver-julgar-agir, as Ceb’s fortaleceram as lutas populares ajudando a criar ou recriar movimentos sociais autônomos que englobam todos que defendem a causa dos oprimidos, independente da crença e, inclusive, independente de ter uma crença.

Percebe-se na Doutrina Social da Igreja, em sua prática na América Latina a partir do Concílio Vaticano II, a influência da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. A Doutrina Social da Igreja, seja por meio do Concílio Vaticano II, da Rerum Novarum e da Quadragésimo Anno, fala sobre uma realidade na qual existem oprimidos e opressores. Paulo Freire (1970, p. 16) afirma que a humanização e desumanização são possibilidades do homem, mas somente a humanização é sua vocação. Ao se referir aos oprimidos e aos opressores, destaca que os dois estão desumanizados. O oprimido, por ser injustiçado, explorado. O opressor, por roubar a humanidade do oprimido.

Contudo, ao contrário do que dizem a Rerum Novarum e a Quadragésimo Anno, que pregam a conciliação de classes, a construção de laços de amizade entre patrão e operário, Paulo Freire (1970, p.17) destaca que somente o poder que nasce do oprimido pode libertá-lo e libertar também o opressor ao retirar dele o poder de oprimir, humanizando-o. Os opressores, segundo Paulo Freire (1970, p.24), não libertam nem se libertam.

Esse libertar dos oprimidos se dá, de acordo com Paulo Freire (1970, p.17), quando eles chegam ao conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar pela libertação, sendo o próprio oprimido aquele que entende o significado de uma sociedade opressora, os efeitos dessa opressão. Destaca-se, então, o protagonismo do oprimido em seu processo de libertação, o que é possível visualizar no protagonismo do leigo, possibilitado principalmente a partir do Concílio Vaticano II, tendo, por exemplo, as pastorais sociais como espaço de conhecimento dessa necessidade de libertação e busca por ela.

Paulo Freire (1970, p.27) defende que a ação educadora pressupõe que o educador não deve se considerar proprietário do saber, não sendo ele apenas o que educa, nem o educando aquele que

é educado, pois ambos são sujeitos num processo em que crescem juntos. Daí a necessidade, como destaca Frei Betto ao explicar o que são as Ceb’s, de o agente de pastoral não cair na atitude colonialista de não querer aprender com a comunidade, de se limitar a ensinar a ela, o que nada mais é do que um comportamento elitista.

Paulo Freire (1970, p. 20) defende, ainda, que a educação libertadora deve ser pautada na ação e na reflexão, pois, segundo ele, o conhecimento de uma realidade que não leve à ação não conduz à transformação. Logo, o método ver, julgar e agir vai ao encontro dessa ideia ao promover a reflexão dos problemas da comunidade, além da proposta e execução de ações concretas para solucionar essas adversidades.