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Já na década de 1980, a partir do pontificado de João Paulo II, começa um novo projeto de Igreja, com fortalecimento dos sacerdotes conservadores, conforme relata Padre Gabriel Maire no livro Ecos de Vitória:

A viagem do Papa certamente influenciou a eleição do novo presidente do CELAM (Comitê Episcopal Latino-Americano): Dom Ivo Lorscheiter, brasileiro e aberto, foi claramente derrotado por um argentino, conservador, levado à presidência. Pouco antes, o Papa tinha feito do antigo presidente, o intrigante, jovem e político Trujillo jLopes (Colombiano), um dos mais jovens cardeais do mundo: ora, Trujillo Lopes é de uma das tendências mais conservadoras do episcopado latino-americano, e particularmente contrário à Teologia da Libertação. Quanto à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Banco Brasil), ela acaba de conduzir o mesmo presidente e secretário geral, de tendência aberta, ou seja, evangélica – no sentido primeiro da palavra. Mas em relação a quatro anos atrás, os conservadores marcam pontos. Então, o que vai acontecer nos próximos quatro anos..., já que se constata que a tendência atual de Roma, pelo jogo de nomeação dos bispos no Brasil, é de fortalecer os conservadores? Estamos bem posicionados em Vitória para o saber! Então, depois da grande Esperança do Concílio e da Igreja latino-americana “fazendo a escolha preferencial pelos pobres”, é preciso preparar-se para lutar de novo numa Igreja muito

clerical, autoritária, moralizante e populista a despeito de ser profética? Finalmente, isso também depende de todos nós, na base! (MAIRE, Apud MOSCHEM et.al, 2016)

As reflexões trazidas pelo padre Gabriel Maire acerca do fortalecimento do conservadorismo dentro da Igreja a partir do pontificado de João Paulo II, são confirmadas na declaração de Henrique Cristiano José Matos (2003, Pág. 232). O autor destaca que bispos “começaram a questionar o ‘envolvimento político’ da CNBB, afirmavam que a sociedade civil já tinha condições de se organizar politicamente sem o apoio da Igreja, que deveria sair do campo “profano” e se dedicar à missão essencialmente religiosa.

Segundo Henrique Cristiano José Matos (2003, Pág. 235), grupos neoconservadores criticam a opção preferencial pelos pobres, usando como argumento o fato de que a Igreja é destinada para todos. As Ceb’s são taxadas como uma Igreja paralela na qual os leigos ocupam o espaço de ministros “ordenados”, enfraquecendo o papel dos sacerdotes. As instâncias romanas, destaca o autor, fortalecem a ideia da “retomada do clero como condutor da vida eclesial”. A Teologia da Libertação, de acordo com o autor, é colocada sob suspeita, inclusive, com respaldo de documentos da Igreja. Isso fica claro, por exemplo, na carta escrita por João Paulo II em 10 de dezembro de 1980, na qual fazia advertências aos bispos:

[...] a Igreja perderia sua identidade mais profunda – e, com a identidade, a sua credibilidade e a eficácia verdadeiras em todos os campos – se sua legítima atenção às questões sociais a distraísse daquela missão essencialmente religiosa que não é primordialmente a construção de um mundo material perfeito, mas a edificação no Reino que começa aqui para manifestar-se plenamente na Parusia. Muitas outras instâncias têm o objetivo, o dever e a capacidade de velar pelo bem-estar das pessoas, pelo equilíbrio social, pela promoção da justiça; a Igreja não se esquiva à sua participação nessa tarefa e assume com frequência mesmo atividades de suplência. Não pode fazê-lo, porém, em detrimento da missão que é sua e que nenhuma outra instância realizará, se ela não o fizer...Mais grave seria a perda de identidade se, a pretexto de atuar na sociedade, a Igreja se deixasse dominar por contingências políticas, se tornasse instrumento de grupos ou pusesse seus programas pastorais, seus movimentos e suas comunidades à disposição ou ao serviço de organizações partidárias. A vós, pastores, confio a responsabilidade de conservar a Igreja no Brasil na mais perfeita fidelidade à sua missão essencialmente religiosa. O vosso povo bom e profundamente religioso, mas que sofre de tão agudas carências na sua vida religiosa, espera de vós essa fidelidade e vos será grato por ela. Confio-vos, ademais, a preocupação de que o desejo de estar sempre próxima de todos os homens, especialmente dos mais pobres, e de se fazer promotora e defensora da dignidade e

dos direitos do homem, não atenue jamais na vossa Igreja a determinação de preservar sempre a sua natureza verdadeira... (JOÃO PAULO II, apud MATOS, 2003, p. 233) Vito Giannotti (2007, p. 230) caracteriza João Paulo II como um conservador, anticomunista e empenhado em destruir a Teologia da Libertação, sobretudo na América Latina. Para isso, segundo Giannotti, teve o apoio do cardeal Josef Ratzinger24, perseguindo os sacerdotes que defendiam essa Teologia. De acordo com Giannotti, essa atitude fortaleceu, principalmente na América Latina, a Renovação Carismática Católica (RCC), que chegou ao Brasil, segundo Brenda Carranza (1998, Pág.47), no final da década de 60.

Brenda Carranza (1998, p.47) afirma que ao chegar ao Brasil a RCC foi se espalhando pelo território nacional e provocando a rejeição da ala progressista da Igreja Católica, que a considerava uma tentativa de retomada do catolicismo de salvação individual. A RCC também era vista como instrumento de domesticação, servindo como muro de contenção contra a evasão de fiéis para as igrejas pentecostais. Para isso, uma de suas estratégias foi mudar o nome de Pentecostalismo Católico para Renovação Carismática Católica, combatendo as associações que eram feitas com os pentecostais e dando mais força aos traços que os diferem, como a devoção a Nossa Senhora e adesão ao Papa.

Além disso, Brenda Carranza (1998, p. 50) salienta que a RCC também proclama a Igreja Católica como a verdadeira, adotando o discurso demonizador em relação as outras expressões religiosas. Com o passar do tempo, o movimento carismático, que antes tinha adesão maior da classe média, passou a atingir as camadas populares. Brenda Carranza atribui isso à utilização de recursos religiosos, como curas e milagres, que incorporam elementos como emoção, conforto, tranquilidade, aliviando o sofrimento de pessoas que vivem em realidades caóticas. O imaginário demoníaco também é trazido à tona quando se faz do Diabo um elemento estruturante da realidade. Assim, não se tem uma explicação da realidade e de suas relações historicamente construídas, e sim, intervenções sobrenaturais que impedem as pessoas de prosperar.

Quanto ao campo da política, Brenda Carraza discorda de quem afirma que a RCC se preocupa somente com o espiritual, pois esse movimento busca ocupar o poder público por meio da política partidária, incentivando seus membros e lideranças a se candidatar em nome da RCC, da Igreja e de Deus, com visão clientelista e confessional. Um exemplo disso é o mencionado por Martins, Passos e Silva (Acesso em Maio de 2018), no qual o deputado federal Diego

24 Adotou o nome de Bento XVI ao tornar-se Papa em 2005 após a morte de João Paulo II. Após sua renúncia, em 2013, tornou-se Papa Emérito.

Garcia, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS), utilizou como um dos argumentos para justificar seu voto favorável ao impeachment da então presidente Dilma Roussef o fato de ter sido eleito pelo projeto de fé e política da Renovação Carismática Católica do Paraná.

Padre Gabriel Maire, no livro Ecos de Vitória, relata como se dava, na década de 1980, ainda no auge das Ceb’s, o conflito entre a Renovação Carismática e a Teologia da Libertação:

Em uma comunidade, um grupo da “Renovação Carismática Católica” tentou diminuir a força do trabalho, para retomar formar tradicionais de oração, sem ligação com a vida e as lutas do povo. Foi preciso reagir. As desavenças duraram meses. Todo o Conselho Pastoral do setor foi reclamar junto ao bispo...A Renovação Carismática se torna um meio de combater o espírito das comunidades de base, que dão as palavras em primeiro lugar aos “pequenos”, aos “pobres”, no espírito da Teologia da Libertação”. (MAIRE, apud. MOSCHEN, et. al 2016).

Henrique Cristiano José de Matos (2003, Pág. 242) afirma que a partir dos anos 90, destaca-se a crescente secularização, principalmente nos grandes centros urbanos. Entretanto, há também o crescimento de um despertar religioso de cunho individualista. Nesse contexto, o autor salienta a ascensão do pentecostalismo, inclusive na Igreja Católica, por meio da RCC. De acordo com Henrique Cristiano José de Matos (Apud SOARES, Seminário, 50 anos CNBB) os preceitos religiosos transformaram-se em objeto de sedução por meio da utilização de procedimentos comuns aos do mercado de bens de consumo, pelos preceitos do marketing da fé. Os pregadores, nesse contexto, passaram a concentrar em si a credibilidade da mensagem emitida, como os padres cantores. Eles, inclusive, entram no jogo dos meios massivos na guerra pela audiência, principalmente nos programas de domingo, cujo nível cultural e evangélico sempre foi alvo de críticas da Igreja Católica.

Trata-se, segundo Henrique Cristiano José de Matos (Apud ANTONIAZZI & GODOY, p.13) de uma religiosidade pautada nas emoções e no espetáculo. Henrique Cristiano José de Matos (2003, Pág. 244) destaca, ainda, que por meio da RCC surgiram grupos que se apresentam como “comunidades cristãs alternativas”. Segundo o autor, eles não são tão presos ao território, como a tradicional paróquia.

Em relação à Arquidiocese de Vitória hoje, o atual bispo, Dom Luiz Mancilha Vilella, que passou a cumprir essa função em 2004, tem uma postura despolitizadora em relação às Ceb’s. Dom Luiz (2013, p. 17) expressa isso no seu conceito do que são as Comunidades Eclesiais de Base. Analisando as três palavras separadamente, Dom Luiz afirma que comunidade se refere a local e caráter coletivo da organização, eclesial, à fé; e base, ao fato de ser constituída de poucos membros.

O bispo (2013, p. 21) enfatiza que as Comunidades Eclesiais de Base não são associações de bairro, movimentos políticos, partidos políticos ou sindicatos. Todavia, recomenda que os fiéis que têm vocação para atuar nesses espaços o façam. Entretanto, para Dom Luiz, esses compromissos fazem parte da vocação missionária de cada um, sendo distintos da Comunidade Eclesial de Base. Assim, evitam-se nelas, de acordo com o bispo, ideologias, sejam elas de direita ou de esquerda.

Ao contrário do pensamento de Frei Betto, exposto no item 1.2 deste capítulo, Dom Luiz não enxerga o termo base como uma referência às pessoas inseridas nas classes populares, como donas de casa, operários, aposentados, entre outros trabalhadores do campo ou da cidade, o que já demonstra uma Igreja afastada dos excluídos, dos trabalhadores, do povo. Assim como o bispo da Arquidiocese de Vitória, Frei Betto defende que as Ceb’s não são grupos partidários. Entretanto, para Frei Betto, devem fortalecer as lutas populares auxiliando na criação e recriação de movimentos sociais, associações de bairros, entre outros. Essa afirmação se choca com o pensamento de Dom Luiz, pois o bispo afirma que a atuação nesses espaços é algo distinto das Ceb’s. Trata-se, portanto, de um caráter despolitizador, e, como afirma Frei Betto, de castração do caráter pastoral libertador das Ceb’s, tornando-as reprodutoras do discurso dominante, aprofundando a ideologia do opressor em meio aos oprimidos.

O conceito de Ceb’s de Dom Luiz também contraria o Documento 25 da CNBB (Acesso em 20 jul. 2018). Esse documento afirma que as Ceb’s são um “sinal da vitalidade da Igreja”, espaço de escuta da Palavra de Deus, busca de relações fraternas, celebração dos mistérios cristãos e compromisso com a transformação da sociedade. A CNBB destaca que é preciso valorizar as experiências de sociabilidade, a solidariedade entre vizinhos. Ao contrário do que diz Dom Luiz, o documento da CNBB afirma que as Ceb’s devem participar de relações de reciprocidade expressas, por exemplo, em espaços periféricos e que buscam o desenvolvimento de associações de vizinhança e movimentos que reivindicam melhorias de equipamento urbano. Em sua Carta Pastoral, escrita logo que assumiu a Arquidiocese de Vitória, Dom Luiz dedica grande parte à Renovação Carismática Católica, a qual expressa seu apoio:

Sei que muitos presbíteros e leigos não têm simpatia por este Movimento. Contudo, o Santo Padre e a CNBB já se mostraram favoráveis a ele com as devidas recomendações. A RCC não tem, pois, necessidade de reconhecimento ou licença de algum padre, uma vez que a Conferência Episcopal já se pronunciou com orientações precisas. Isto é evidente e não o há o que comentar. (VILELA, Dom Luiz Mancilha, 2013)

Como pastor de vocês, saibam que lhes quero muito bem e lhes sou grato pelo testemunho de fé e serviço que a maioria absoluta de vocês, da RCC e de outros Movimentos e Comunidades Cristãs, presta às e nas Comunidades Eclesiais de Base. Todos os Movimentos reconhecidos oficialmente pela Igreja têm direito de crescerem em número e qualidade. Não se pode negar o bem que a Legião de Maria25, Apostolado da Oração26, Vicentinos27, Ordens Terceiras28, RCC, Comunidades Cristãs, os vários movimentos familiares como Encontro de Casais com Cristo29, Equipes de Nossa Senhora30, Movimento Familiar Cristão31, etc. têm feito à Igreja. (VILELA, Dom Luiz Mancilha, 2013).