• Nenhum resultado encontrado

O Concílio de Siquém

No documento Download/Open (páginas 45-48)

1.4 A ADEQUAÇÃO DO SAGRADO DEUTERONOMISTA NO LIVRO DE

1.4.3 O Concílio de Siquém

O concílio de Siquém é considerado um credo monolátrico. Nele busca-se resolver o problema da religião hebraica. Reimer e Ribeiro fazem uma descrição desse concílio.

Na perspectiva sincrônica, o texto de Josué 24 constitui o seguinte itinerário. Josué reúne as tribos de Israel em Siquém (v. 1). Através dos líderes do povo (v. 1), fala com as pessoas (v. 2). Josué fala por Iahweh (v. 2). Fala que seu país, do outro lado do Eufrates (Tera, pai de Abraão e Naor) viviam servindo a outros deuses (v. 2). Então Iahweh teria enviado Abraão do outro lado do Eufrates e levou-o para Canaã e dali teria dado Jacó e Esaú a Isaac (v. 2-3). Iahweh deu a Esaú o Monte Seir, enquanto Jacó caiu no Egito (v. 4). Então ele enviou Moisés e Arão para punir o Egito e livrar a casa de Jacó da escravidão (v. 5). Ele os fez atravessar o mar e, em seguida, fez uma peregrinação pelo deserto (v. 6-7). Iahweh, em seguida, levou-os para a terra dos amorreus na Transjordânia (REIMER e RIBEIRO, 2008, p. 2 – tradução própria).

Josué 24 propõe a resolução dos conflitos internos e externos. No capítulo 24 Josué resolve reunir o povo na cidade de Siquém, para estabelecer uma confissão de fé. Dreher (1992, p.6) divide o discurso de Josué em três partes: a) uma confissão de fé; b) uma posição coletiva do povo em relação a essa confissão; c) a ratificação da decisão através do testemunho coletivo.

Reimer e Ribeiro (2008, p. 1), entendem que há um discurso monolátrico, porém há momentos históricos em que se acelera a consciência e a lealdade ao culto de uma única divindade, um desses momentos são as "reformas religiosas" iniciadas por Ezequiel e Josias. Nesse momento, vamos fazer dois recortes históricos: a) uma é a construção Javista, que provavelmente permeia a monarquia antes do reino dividido e b) a construção Deuteronomista.

Dreher (2008, p. 5) explica que em Josué 24 se inicia a formulação de um belíssimo Credo Histórico frente a todas as tribos, convocadas para Siquém, são chamadas por Josué a tomar uma postura: permanecer com os deuses de seus pais ou servir a Iahweh. Josué mesmo toma a decisão: “eu e minha casa serviremos a Iahweh”. De fato percebemos que no período monárquico entre o governo de Davi e Salomão buscava-se uma unidade governamental e religiosa, de predominância Javista.

O Javismo foi o primeiro a desenvolver e a dar um acabamento narrativo ao antigo credo. Sua obra narrativa, a base para o relato do Pentateuco, não é

importante; o Pentateuco, ou o Hexateuco, surgiu da confissão de Israel e é, ele próprio, uma confissão desdobrada e ampliada. Esta confissão provém do agir histórico de Javé, louvado como Senhor da história (HOMBURG, 1981, p.50).

Entendendo que o Javismo era a base do livro de Josué, compreendemos porque há uma rejeição a Elohim ( ), que é a divindade dos pais. Mediante a essa rejeição, podemos entender essa divindade de algumas maneiras: a) como a divindade dos pais “Abraão, Isaque e Jacó”; b) como a divindade de “Terá”, visto que em Josué 24,2 ele é mencionado; c) e como os antepassados que saíram do Egito, pois também há uma citação em Josué 24, 17. Porém independentemente das visões possíveis, percebemos que há apenas uma divindade adorada por esses personagens: Elohim ( ). Mesmo o Javista valorizando o patriarcado, ele busca referencia em Moisés. No texto de Josué podemos percebemos uma depreciação dos pais, circunstância que só poderia ser proporcionada pela escola Javista.

Por outro lado percebemos que Josué 24 também faz menção à divindade dos amorreus, que em Josué é compreendida como Elohim ( ). Bright (1978, p. 113) diz os antepassados dos hebreus e os arameus, mesmo sendo descendentes dos semitas do noroeste, eram uma mistura de muitas raças. “A consciência deste fato se reflete na própria Bíblia, que enfatiza o parentesco de Israel não somente (Gn 25:1-5. 12:18) com numerosas tribos árabes inclusive midianitas” (BRIGHT, 1978, p. 113). Percebemos que não é simplesmente uma rejeição a um povo distinto, mas um povo de origens semelhantes, como se expressa Bright (1978, p. 115):

Entre os povos que adotam a língua aramaica – assim “se tornaram” arameus – estavam aqueles elementos da população “amoritas” mais antiga, que viviam no Alto Eufrates e seus tributários. Este processo foi sem dúvida muito fácil em virtude da relativa semelhança do aramaico com a sua língua. Como já dissemos, “amorita” é uma palavra acádia que significa “ocidental”. Esta palavra foi usada como designação para os vários povos semitas do noroeste da Alta Mesopotâmia e Síria na idade patriarcal e antes dela. Ela deve, portanto, ter-se estendido àqueles povos da área cujos descendentes vieram depois a falar aramaico, assim como aos antepassados de Israel.

Percebemos que os amorreus são povos de mesma carga semântica que os hebreus, de origem semelhante. Fohrer (1982, p. 90), entende que as relações e as disputas ocorridas nesse momento se concentram nos cananeus, os hebreus se preocupavam com sua cultuara e desenvolvia um comportamento de rejeição. Havia

um esforço para estabelecer uma identidade própria dos hebreus. Em Gêneses 10 menciona que os amorreus descendem dos cananeus, no entanto a ideia estabelecida aos cananeus está vinculada não só aos arameus, mas aos “jebuseus, gergeseus, heveus, araceus, sineus, aradeus, samareus e os hamateus”. Segundo Fohrer (1982, p. 90) os arameus não eram os cananeus, eles apenas descendiam deles. O conceito de cananeus é muito mais complexo. O que temos que entender aqui é que os arameus descendiam dos mesmos padrões linguísticos e religiosos que os hebreus.

No entanto em Josué 24 menciona os arameus. Partindo do pressuposto anterior, compreendemos claramente que o que ocorre nessa perícope é a tentativa de gerar no povo uma identidade Javista por intermédio de lahweh ( ). Josué busca fazer distinção entre seu povo e os grupos ligados a eles: o primeiro são os pais e o segundo os amorreus. No discurso de Josué estes grupos se distinguem pela adoração a Elohim ( ). Esse debate deixa claro que não é um problema do politeísmo relacionado com o contato com outros povos, pelo contrário é um debate do politeísmo estabelecido internamente. A relação aqui se estabelece em que o povo não sabia a quem adorar, selahweh ( ) ou a Elohim ( ). Josué assemelha seus antepassados com os amorreus, que originalmente possuíam genealogia histórica semelhante a dos hebreus. O problema aqui é de questão interna e não de contaminação externa.

Neste caso, percebemos que algumas interpretações seriam improváveis. Como a do comentário do “O Novo Comentário Bíblico do Antigo Testamento: com recursos adicionais – A Palavra de Deus ao Alcance de todos”, que diz o seguinte.

As palavras de Josué nestes versículos contem um raro apelo para que Israel escolhesse entre Deus e os muitos falsos substitutos. Caso o povo não optasse por Deus, escolheria entre os deuses que seus ancestrais serviriam ou os deuses dos amorreus (isto é, os cananeus) claro que tal apelo é retórico. Da perspectiva do Senhor havia apenas uma opção. Com suas palavras famosas, Josué depois, de forma clara e inequívoca, em favor de Deus (RADMACHER; ALLE; HOUSE, 2010, p. 399).

O primeiro equívoco está em tratar toda complexidade dos cananeus como se fosse sinônima dos arameus, outro fator é que não há distinção entre as divindades mencionadas. Se observarmos o texto original, existem duas maneiras de expor o nome de El ( ), uma no plural, como aparece na maioria das vezes - Elohim ( )

– neste caso algumas traduções do Antigo Testamento traduzem como “deuses” por estar no plural. Neste caso se o nome Elohim ( ) tivesse que ser traduzido no plural essa regra deveria ser utilizada para todos os casos, não excluindo os Hebreus. Por exemplo, em Gênesis 1,1 é traduzido como “No princípio criou Deus o céu e a terra”, seguindo essa regra de tradução deveria ser traduzido como “No princípio criou os deuses o céu e a terra”. A segunda maneira em que aparece o nome da El ( ) é Elohei ( ) que aparece no singular. O que nos intriga é que em Josué 24,15 o nome de El ( ) aparece no plural quando se refere aos pais e em singular quando se refere aos amorreus, porém as traduções trazem os dois termos no plural.

O concilio de Siquém narrado em Josué 24 busca de fato a devoção a lahweh ( ) em oposição a Elohim ( ). Mayes (1995, p.59) menciona que a concepção de lahweh ( ) como única divindade entre os hebreus já se manifesta no período pré-monárquico, essa manifestação se deu a partir de grupos que pressionavam os hebreus através das possíveis punições deliberadas por meio de lahweh ( ). Os personagens, que participavam desses grupos, foram conhecidos como profetas e líderes, que durante toda história dos hebreus aparecem como indivíduos importantes na construção de sua história.

Apesar de toda a argumentação na defesa de um texto Javista observamos anteriormente que dois contextos permeiam a narrativa de Josué, sendo um monárquico davídico-salomônico e o outro posterior ou no período da reforma religiosa de Ezequias e Josias.

No documento Download/Open (páginas 45-48)