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A ‘Verdade’ na História

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2.4 SEPTUAGINTA NA CRIAÇÃO DE UMA DIVINDADE HEBRAICA PARA

3.1.2 A ‘Verdade’ na História

Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao SENHOR, escolhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos ao SENHOR. (Josué 24, 15 – João Ferreira de Almeida Corrigida).

Entendemos que a narrativa de Josué era um texto Javista que foi adaptado para a obra Deuteronomista. O texto de Josué 24,15 busca proporcionar aos hebreus uma preferência de lahweh ( ) em relação com Elohim ( ). Na ortodoxia o texto é interpretado apenas como um fator de fidelidade. Não negamos esse processo interpretativo, porém, fidelidade a quem? Para a ortodoxia como vimos anteriormente há uma devoção ao Deus soberano, onipotente, onipresente e onisciente.

Como já trabalhamos as questões dos pressupostos, percebemos que as verdades descritas nas narrativas nem sempre harmonizam com as verdades de nosso tempo. Körtner (2009, p. 59) ao falar da Teologia Bíblica e de uma dogmática, diz que a mesma se prende ao ato narrativo que reage contra a crise moderna.

Os textos de Deuteronômio e os textos de Josué, falam de uma divindade que configura uma verdade distinta da nossa realidade, neste caso a ortodoxia e o fundamentalismo entendem o sagrado como imutável, portanto ele é o mesmo para todo sempre. Pixley (1999, p. 6), esclarece que Deus é parte de um construto de nossa sociedade e de nossa comunidade. Essa realidade deve ser confrontada com os textos da Bíblia. O que queremos dizer é que se olharmos para o sagrado, iremos percebê-lo mediante a nossa realidade. Porém como os autores de Deuteronômio e Josué perceberam o sagrado em seu tempo? Nós estamos nos referindo sobre a verdade de cada o indivíduo e como os mesmos a percebem.

Por outro lado a verdade também se relativiza nos pressupostos do intérprete. Os intérpretes vivem em um mundo multifacetário, e isso altera a percepção de como enxergam o texto. Almada (2006-1, p.4) diz que a declaração sola

scriptura defendida pela reforma não se referia a uma única maneira de interpretar.

Para a ortodoxia e para o fundamentalismo aqueles que não entendem as escrituras a seu modo, além de fugirem da verdade, se distanciam das Escrituras.

Paul Tillich (1999) descreve a construção do pensamento protestante afirmando que a ortodoxia, ao questionar os padrões da Igreja Católica, acaba abrindo um precedente, a possibilidade de ser questionada. Os primeiros a questioná-la foram os Pietistas. Esse confronto se configurou sobre os pressupostos de interpretação dos “regenerados” e os “irregenerados”. Percebemos que neste período a grande preocupação se concentra com o método, “A teologia da Reforma suscitou um problema educacional próprio que a levou para o racionalismo” (TILLICH, 1999, p.50), no entanto não se pode negar que esse momento trouxe grandes avanços ao processo de interpretação.

A ortodoxia estabeleceu pressupostos que, segundo ela, seria impossível uma interpretação correta. Dentre esses pressupostos consiste “a inerrância” e a “não contradição dos escritos”7. Entretanto, o que nos intriga é exatamente a ideia de que a veracidade das escrituras sagradas se dá a partir do “ato histórico”. Para darmos continuidade à temática precisamos entender a que nos referimos como “ato histórico”.

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Princípios defendidos por todos os Teólogos ortodoxos especificamente em Ryrie (2004), Grudem (2009) e Langston (1999).

Ankersmit (2006) retoma o discurso da interpretação buscando responder questões sobre o historicismo moderno, no entanto neste momento nos retemos ao discurso do “Ato histórico”, essa terminologia se refere aos atos dos atores do texto, esses atores seriam entendidos de forma concreta e suas personalidades estariam intactas pela historiografia.

No “ato histórico” os personagens e os acontecimentos são reais no sentido concreto, a afirmativa estabelecida sobre o “ato histórico” é que: aconteceu daquela maneira e pronto! Isso significa que as narrações são reconhecidas como fatos semelhantes ao “agora”. As narrativas de Deuteronômio e de Josué, são entendidas como acontecimentos de “ato histórico”, neste caso para a ortodoxia e para os fundamentalistas se os acontecimentos não forem “ato histórico” não são verdade e se não são verdade não pode ser palavra de Deus. Ryrie (2004, p. 19) diz o seguinte: “Se a Bíblia não é verdadeira, então o triunitarismo é falso, e Jesus Cristo não é quem afirmava ser”. A partir desta compreensão do “ato histórico” a ortodoxia e o fundamentalismo entendem que a autoria de Moisés e de Josué comprovam a verdade e a sacralidade dos textos. O seu pressuposto é que a “sacralidade” ou a “inspiração” se dá porque a narrativa Deuteronômica e de Josué é um “Ato histórico”. Ellisen (2007) diz que: “Cristo e os escritos do novo Testamento afirmam ser Moisés o autor dos cinco livros conhecidos como ‘A lei’”. Essas linhas de interpretações também acreditam que se esses textos não conseguem legitimar-se como “ato histórico”, a “sacralidade” ou a “inspiração” de Deuteronômio e de Josué comprovaria indiscutivelmente o “ato histórico”.

Segundo Paul Tillich (1999), a ortodoxia proporcionou às outras interpretações das Escrituras sagradas estimulando outros. Isso fez com que a própria ortodoxia gerasse um problema para si mesmo, com o surgimento da “crítica textual” seguida pelo “Positivismo” desenvolvido por Auguste Comte8. O método de Comte9 buscava a comprovação do “ato histórico” também, a verdade histórica dependia do “ato histórico”. Nessa perspectiva a ortodoxia e o Fundamentalismo entraram em confronto com o positivismo, pois o método positivista acabava

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“A visão de Comte traduz duas preocupações centrais: reformar a sociedade e sintetizar o conhecimento científico. Nessa perspectiva, a ciência deveria identificar a ordem que reina no mundo para agir de forma eficaz sobre ela, desconsiderando as causas ultimas e as explicações definitivas dos fenômenos” (FERREIRA, 2009, p.32-35).

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“[...] o cientista social deve estudar a sociedade com o mesmo espírito objetivo, neutro, livre de juízo de valor, livre de quaisquer ideologia ou visão de mundo, exatamente da mesma maneira que o físico, o químico, o astrônomo etc. É assim que compreende o Organismo Positivo” (FERREIRA, 2009, p. 32-35).

desconstruindo vários acontecimentos narrados na Bíblia como sendo “ato histórico”. Isso contribuiu para o grande debate que permeou o fim do século XIX e todo século XX, intitulado “Fé x Ciência”. Apesar de serem tão contrastantes, o positivismo, a ortodoxia e o fundamentalismo possuíam o mesmo ponto de partida, que é a verdade fundamentada no “ato histórico”. Porém esse processo de comprovação da “verdade” desaparece na relativização dos escritores e do próprio indivíduo que observa o documento. A partir disso muitos discursos foram estabelecidos nesse sentido, porém alguns pensadores possibilitaram questionamentos sobre esse pressuposto.

Nietzsche (1977, p. 117 – 143) levanta o problema estabelecido por esse princípio de interpretação, primeiro porque o próprio Nietzsche vinha de família de luteranos e iniciou o estudo da teologia, isso fez com que ele conhecesse literalmente os fundamentos e princípios da teologia ortodoxa e do fundamentalismo. Posteriormente Nietzsche cursou filosofia e teve contato com a filosofia clássica e com os fundamentos do historicismo moderno. Entendemos que Nietzsche (1977) observa a dicotomia entre “fé” e “ciência” e faz uma crítica ao método histórico, classificando-o de três maneiras:

A história é própria do ser vivo por três razões: porque é activo e ambicioso, porque tem prazer em conservar e vencer, e porque sofre e tem necessidade de libertação. A esta tripla relação corresponde a tripla forma da história, na medida em que é possível distingui-las: história monumental, história tradicional, história critica (NIETZSCHE, 1977, p. 117).

Nietzsche nessa sua obra mostra que a história passa a ser utilizada como um instrumento de formação da mentalidade, sua finalidade não é utilizada para a compreensão do momento passado e nem do momento presente, mas para a legitimação dos objetivos e interesses dos grupos que a elaboram. A história ergue monumentos de referências e estipula tradições como manipulação de massa, nesse sentido a “verdade” em Nietzsche não se estabelece pelo “ato histórico”.

Nietzsche é considerado por Reis (2011, p. 145) como pós-moderno, “primeiro, porque desconstrói as pretensões universalistas da ‘verdade moderna’. Ele sustenta que esta ‘verdade’ é apenas um produto de um sistema que produz discursivamente o certo e o errado, o falso e o verdadeiro” (REIS, 2011, p. 145), Nietzsche não está preocupado se os acontecimentos foram “reais” ou não, ele se preocupa com a ideia de retórica, “Nietzsche buscou na retórica um instrumento

para refletir ‘sobre a verdade e a mentira em sentido extra moral’” (GINZBURG, 2002, p. 23), nesse sentido ele se preocupa com a construção de como as interpretações eram dadas, seu diferencial estava centrado nas suas opiniões que desconstruíam o pensamento religioso, bem como o pensamento da história positivista, na realidade podemos perceber que ele ia contra os métodos modernos de interpretação, pois os métodos possuíam fundamentos para o controle social.

A verdade para a ortodoxia Baseada na tradução da LXX é que Moisés e Josué se referiam a um monoteísmo, negando uma sociedade monolátrica. Na confrontação dessa estrutura a ortodoxia vai interpretar que ir contra essa interpretação é ir contra a sacralidade dos textos e a partir daí ela busca construir padrões apologéticos de defesa contra uma interpretação pela qual eles chamam de “liberal”10.

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